"A capoeira não tem religião, o capoeirista sim", diz pastor vice-campeão do esporte

Roberto Cruvinel hoje tem a capoeira não só como um hobby, mas também vê o esporte como um local de liberdade, no qual o cristão também pode participar.

Fonte: Guiame, por João NetoAtualizado: quinta-feira, 26 de outubro de 2017 às 15:06
Pastor Roberto Cruvinel (com berimbau ao meio) é vice-campeão paulista da modalidade esportiva. (Foto: Facebook)
Pastor Roberto Cruvinel (com berimbau ao meio) é vice-campeão paulista da modalidade esportiva. (Foto: Facebook)

A capoeira precisa mesmo estar associada a alguma religião? Um cristão pode praticar o esporte, sem que isso seja considerado pecado? Segundo o pastor e vice-campeão paulista de capoeira (1982), Roberto Cruvinel, a palavra de ordem sobre a prática - que envolve dança e música e se tornou uma modalidade esportiva
- é uma só: liberdade.

Porém tal liberdade pode estar sendo ameaçada, justamente por grupos como Colegiado Setorial de Cultura Afrobrasileira (parte do Ministério da Cultura), que repudiaram a chamada 'capoeira gospel', acusando a classificação como uma "expropriação das expressões culturais afrobrasileiras", sugerindo que o cristianismo "não pode invadir uma prática que tem raízes africanas".

Pastor Roberto já chegou a pregar em rodas de capoeira, após ser convidado por alguns mestres e viu dezenas de pessoas se converterem após fazer um apelo, como é possível ver no vídeo abaixo:


Em uma entrevista exclusiva ao Portal Guiame, Roberto Cruvinel opinou sobre esta polêmica e também falou sobre o preconceito que a capoeira tem sofrido de ambos os lados: tanto por parte dos cristãos, como também dos movimentos de cultura afrobrasileira.

Confira a entrevista na íntegra:

Portal Guiame: Seja por parte de movimentos afro ou até mesmo por tantos outros cristãos, a capoeira acaba sendo fortemente associada a certas culturas e também até religiões. Sendo você um pastor e praticante da capoiera, como você entende estas associações?

Pastor Roberto Cruvinel: Comecei a treinar capoeira em 1981 no Grupo Angolinha em São Bernardo do Campo SP. Na época não era evangélico pois me converti em 1985. Em nossa academia a capoeira sempre foi apresentada como esporte. Depois de convertido fiquei cerca de 20 anos sem treinar formalmente em uma academia. Lendo o livro “Por esta cruz te matarei”, cheguei à conclusão que a prática do esporte em um lugar sério não afetaria minha comunhão com Deus, pelo contrário, poderia ser até um instrumento missionário. Hoje sou um professor de capoeira e não vejo nenhuma incompatibilidade, só não dou aulas por conta dos meus compromissos como pastor, professor de teologia e comunicador.

A capoeira em si não tem religião, porque se existir uma capoeira gospel também existirá uma capoeira umbandista, budista etc. Quem tem a religião é o praticante da capoeira. Lamentavelmente alguns mestres associam a prática da capoeira às religiões de matriz africana, alguns chegam a dizer que para praticar capoeira de angola é preciso ser praticante do candomblé. Todavia essa afirmação não encontra sustentação. É óbvio que dentro da história do desenvolvimento da capoeira existiu uma influência em suas cantigas do sincretismo religioso, porque cada capoeirista cantava sobre seu dia a dia, sobre a história e sobre suas crenças. Dentro disso o praticante de capoeira que é cristão pode, com liberdade, cantar sobre aquilo que crê. Em uma roda de capoeira não é perguntado a religião de ninguém, tampouco sou obrigado a responder um coro que possa afrontar minhas convicções. Em uma academia séria cada indivíduo é respeitado como também deve respeitar seu mestre e seus colegas.

Recentemente, houve uma nota de repúdio por parte do Colegiado Setorial de Cultura Afrobrasileira (parte do Ministério da Cultura) à 'capoeira gospel' e à "expropriação das expressões culturais afrobrasileiras". Na sua opinião tais denúncias têm fundamento? Por quê?

Pastor Roberto Cruvinel: Penso que a nota de repúdio por parte desse colegiado ligado ao Ministério da Cultura está na contramão do que a capoeira realmente ensina. A capoeira não tem dono, não tem cor, não tem posição social ou religião. Acredito até que seja um desserviço à propagação de um esporte tão bonito e que congrega tantas pessoas. Embora eu particularmente não goste de colocar rótulos, como capoeira 'gospel', capoeira 'branca' ou 'negra', etc, defendo o direito de que quem quiser usar rótulos que use, pois uma premissa da capoeira é a defesa da liberdade. Conheço muitos mestres e professores que são evangélicos, eles não mudam os movimentos que aprenderam com seus mestres, não mudam o nome dos toques, respeitam os fundamentos. Alguns deles somente cantam suas músicas com temas exclusivamente cristãos e não há problema nenhum nisso.

Mestre Pastinha, por exemplo, um grande expoente da capoeira angola, dizia que essa arte aprende quem quer, menino, homem e mulher. Ele também disse: “Maior é Deus, pequeno sou eu, tudo que eu tenho foi Deus quem me deu”, e ele nem mesmo era evangélico. Por professar outra religião o que ele disse deixa de ser verdade? Lógico que não. O fato de ser evangélico invalida minha capoeira? Também não. Vejo com desconfiança esse desejo institucionalizar essa arte que abraçou tanta gente, que promoveu a liberdade, e colocá-la como propriedade de um segmento. Durante muito tempo os evangélicos diziam que a prática da capoeira era pecado. Muitas academias perderam alunos. Creio que esses mesmos que repudiaram os projetos de capoeira entre cristãos deveriam alegrar-se por conta da expansão daquilo que dizem amar e respeitar.

A capoeira talvez ainda encontre resistência entre muitos cristãos por ter elementos comumente utilizados em rituais de religiões de matriz africana, como por exemplo os atabaques. Você vê algum tipo de "peso espiritual" nestes (ou outros) elementos? Como é possível dissociar a imagem deste esporte das práticas que fogem aos princípios bíblicos?

Pastor Roberto Cruvinel: Não vejo nenhum problema, na Bíblia vemos muitos tambores. Em nosso grupo temos mestres e professores evangélicos, católicos, espíritas e até ateus. Isso nunca causou problema algum, pois estamos ali para treinar capoeira e não para qualquer manifestação cultual. O treino se baseia no respeito ao mestre e ao colega, não há proselitismo pois a questão é treinar, praticar um esporte. Agora, cada um tem a academia que quer, como também cada um tem a igreja que quer. Se, ao entrar em uma academia para treinar, a pessoa vê que o responsável não tem capacidade para ensinar ou mistura as coisas, basta procurar outro lugar.

Uma questão que quero tratar especificamente para o povo evangélico é que a capoeira como esporte pode ser um grande instrumento missionário. Existem países onde não é possível entrar como pregador do evangelho, mas é possível entrar como professor de capoeira. Os alunos aprendem alguma noção de língua portuguesa, então a evangelização fica mais fácil.

Oro por meus irmãos que, em lugares carentes, muitas vezes sem cobrar um centavo estão ajudando jovens e crianças através da capoeira. Esses irmãos muitas vezes sofrem preconceito da própria igreja, e agora, até de alguns capoeiristas que deveriam defender a liberdade, mas esses irmãos permanecem firmes em seus projetos ensinando a quem quiser aprender, como disse o velho mestre: "ensinando a quem quer, menino, homem e mulher!".


*Pastor Roberto Cruvinel é ligado à Igreja O Brasil para Cristo e diretor da Escola Teológica Pr. Virgílio dos Santos Rodrigues. Para saber mais sobre ele, acesse: pastorrobertocruvinel.com.br .

 

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