Há certos ditados e frases populares que ao longo dos tempos são reinterpretados e, por conseguinte, acabam adquirindo novos significados. Aliás, de tanto serem repetidos, terminam por se eternizar como verdades absolutas. O ditado latino Omnes viae Romam ducunt, todos os caminhos levam a Deus, é um belo exemplo disso.
Ora, mas como foi que esse ditado surgiu? Bem, sabe-se que Roma, ao tornar-se império mundial, experimentou em certo momento de sua história um desenvolvimento urbano muito grande. E como era o principal centro comercial do mundo na época, Roma acabou criando redes de estradas que a ligavam às suas províncias ao longo de todo o seu domínio imperial. Esse fato fez com que surgisse o conhecido ditado: todos os caminhos levam a Roma. Para passar daí para o seu significado religioso, todos os caminhos levam a Deus, foi um pulo.
Porém, se quisermos ser honestos teremos que admitir o seguinte fato incontestável: assim como não podemos generalizar e dizer que todos os remédios curam o câncer, todas as vacinas levam à cura da gripe e todos os itinerários conduzem ao Monte Everest, da mesma forma não podemos afirmar que todos os caminhos levam a Deus.
Nesse mundo pós-moderno em que vivemos, o qual busca inocular em nossas consciências valores como o pluralismo e o relativismo, verdades absolutas, como a verdade do Evangelho, acabam sendo muitas vezes sacrificadas em nome de uma filosofia ecumênica, hoje na moda.
Essa variedade de caminhos que hipoteticamente nos levam a Deus, pode nos conduzir, antes de tudo, a um relativismo crônico. Se seguirmos esse tipo de raciocínio ecumenista seremos tentados a pensar que se há tantos caminhos distintos que nos levam a um mesmo objetivo, Deus, então todos eles merecem respeito e consideração, pois todos eles devem ser/estar corretos. Tal raciocínio conduz a uma relativização da verdade, criando assim o ensejo para que cada um pense o que quiser e acredite no que quiser já que todos têm a sua verdade.
Essa filosofia pluralista-relativista tem como objetivo principal silenciar e amordaçar a nossa consciência, porque se existem tantas verdades por aí, logo, ninguém tem o direito de dizer aos outros o que deve ser feito ou pensado em matéria de religião, espiritualidade, ética, moral e assim por diante. Esse tipo pernicioso de filosofia acaba criando precedentes para que vejamos o aborto e a legalização da maconha, por exemplo, como coisas normais. Aliás, ai de nós se ousarmos questionar a legitimidade dessas práticas e de outras! Se fizermos isso, somos logo tachados por alguns como fundamentalistas, quadrados, antiquados, retrógrados etc.
Todavia, quando Jesus diz: Eu sou o caminho e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão através de mim (João 14.6), ele está fazendo uma declaração exclusivista-absolutista, a qual não abre o mínimo espaço para qualquer ideia pluralista-relativista no que diz respeito à questão salvífica. Os substantivos caminho, verdade e vida, no texto original grego, estão todos precedidos pelo artigo (Jesus é o caminho, a verdade e a vida), fato este que exclui automaticamente a existência de uma pluralidade de caminhos, verdades e vidas que possam conduzir alguém ao Pai. Some-se a isto ainda o seguinte: na expressão ninguém vem ao Pai senão através de mim, a conjunção grega traduzida corretamente por senão (do grego, ei mé) também aponta para a exclusividade de Jesus como único caminho que nos conduz a Deus e, conseqüentemente, à salvação.
Esse pensamento pode até soar como arrogante, pretensioso e fundamentalista para muitas pessoas, porém, não podemos fazer concessões, negociatas e barganhas de nenhuma espécie com a verdade do Evangelho. Ou Cristo nos é totalmente suficiente, e, portanto, ele nos basta. Ou então, Cristo é insuficiente, e, sendo assim, não merece que a nossa confiança e fé sejam depositadas nele.
Em uma época em que as pessoas relativizam valores absolutos, não buscam tomar partido de nada e de ninguém e vivem fazendo média com as opiniões de todo mundo a fim de poderem agradar a todos e, assim, se auto-preservar (o que denuncia a falta de identidade própria do indivíduo), é necessário assumir uma postura diferente. Não dá pra ser Maria-vai-com-as-outras. Não dá pra seguir a multidão cegamente. Não dá pra sacrificar valores absolutos ou fazer certas concessões doutrinárias, filosóficas e ideológicas em nome da perpetuação de um pluralismo que, ao mesmo tempo em que defende a coexistência harmônica de múltiplas verdades por um lado, nega a existência da verdade una e eterna, pelo outro.
Como diz o refrão da música Caminhos Perdidos cantada por uma banda de nome bastante sugestivo, Sem Destino:
Eu sei que corro perigo /
tenho todos os caminhos e estou perdido /
eu sei que corro perigo /
tenho todos os caminhos e estou perdido .
Na paz daquele que é o Caminho,
Carlos Augusto Vailatti
Carlos Augusto Vailatti é Bacharel em Teologia pelo IBES - Instituto Betel de Ensino Superior (SP) e Mestre em Teologia (Th.M.), com especialização em Teologia Bíblica, pelo STSC - Seminário Teológico Servo de Cristo (SP). Além disso, é também professor de diversas disciplinas bíblico-teológicas. É casado com Noeli Guimarães Vailatti.
Contato:
Blog: www.blogdovailatti.blogspot.com
Email: [email protected]
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