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Estudo

Nem tudo é uma questão de Marketing

Nem tudo é uma questão de Marketing

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:10

O marketing é o culpado. Não tenho dúvidas. É claro que não é o único, mas tem sido sua também a responsabilidade pela lástima em que tem se transformado a TV no Brasil e, por tabela, a sociedade brasileira. É simples. A TV não pode ser tomada irrestritamente como se fosse um mero produto ou serviço de consumo, comprado em prateleiras ou pela internet. TV é, acima de tudo, educação, registro e renovação cultural de um povo. E, quer queiramos ou não, nossa sociedade tem sido pessimamente educada pela TV brasileira. É possível que nossas crianças, ricas ou pobres, já estejam mais tempo diante da telinha do que nas escolas.

Até aqui, quem sabe, nada de novo para você. Mas, talvez, você ainda não se tenha percebido que o marketing tem jogado sua porção mágica nesse grande caldeirão. Não que a ciência do marketing seja uma ameaça em si, mas é simples entender porque ela tem sido uma no caso da TV. O marketing tem tido, cada vez mais, participação na definição da programação da TV. Uma das premissas do marketing preconizadas por vários gurus, inclusive Philip Kotler, o papa da matéria, é a busca constante da satisfação dos clientes. Não importa se o que está sendo entregue faz bem ou não para quem consome. A lógica é econômica e mercadológica. O marketing que hoje está sendo praticado na TV brasileira não abre muito espaço para questionamentos de natureza social, filosófica ou espiritual. A ordem é clara: vamos oferecer o que eles querem, não o que eles precisam. Não importa se as mentes das crianças, adolescentes, jovens ou adultos estão ou não preparadas para duelar com os conceitos e ensinos subliminares transmitidos por programas que estimulam o voyeur, ou de apologia ao crime, ou de desmoralização e ridicularização do valor da mulher.

A sociedade é uma presa fácil para a TV, uma vez que a educação formal não cumpre seu papel de formar indivíduos com capacidade crítica para julgar fatos e coisas. Assim, boa parcela dessa sociedade é incapaz de avaliar se os estímulos lançados pela TV (sexo sem amor, crime recompensado, violência como meio para se chegar ao fim, egoísmo, etc...) são exemplos a serem execrados ou referências a serem tomadas como verdadeiras e aplicáveis ao seu cotidiano. O marketing entra no circuito fazendo leituras dos desejos da sociedade e propondo e formatando programas que satisfaçam esses sonhos e desejos, não interessando se os mesmos deveriam ser alimentados. Na lógica do marketing televisivo o que importa é audiência. Pela simples razão de que, quanto mais audiência, mais caro o espaço publicitário veiculado e, lógico, maior o lucro. Imagine essa mesma lógica mercadológica, aplicada à medicina: ‘‘se retirar parte do intestino é a solução para o controle de peso de obesos, e faz sucesso, então vamos fazer o que o povo quer, independente das conseqüências. O que importa é o lucro e a ‘satisfação’ do cliente’‘, diria um médico inescrupuloso.

Olhando para as TV's no Brasil, vejo que algumas já fizeram sua opção. Mas é a Globo que mais tem sofrido com essa escolha (dar o que o povo quer, e não o que ele precisa). A Globo tem tentado servir a dois senhores. Num desses domingos da vida, assisti a alguns trechos do Fantástico e simplesmente fiquei maravilhado como a TV pode estar a serviço da formação de uma sociedade mais civilizada e culta. Imagens da vida marinha de tirar o fôlego; análises do comportamento social emitidas por um psicólogo e um psiquiatra, feitas a partir de cenas do cotidiano; um médico mostrando, na prática, cuidados simples que devemos tomar para preservarmos a saúde. Tem muita porcaria também, mas não se pode tirar o valor desses quadros educativos. Por outro lado, a Globo peca quando tenta fazer frente ao avanço das outras emissoras com seus programas de péssimo mau gosto. Neste instante, ela e as outras deseducam. Mas, faturam. Então, prevalece o marketing.

A TV em si não é má. Ela pode ser benéfica e existem muitos exemplos do quanto ela pode ser educativa e inspiradora na formação da sociedade. A própria Globo dá sua contribuição através de canais na TV fechada, como o Futura ou Multishow. Existem vários outros, de outras emissoras, como Mundo, Discovery, etc... Mas, enquanto as TV´s brasileiras orientarem seus programas exclusivamente por princípios mercadológicos, ignorando as reais necessidades do indivíduo e da sociedade, seremos forçados a engolir esse xarope de gosto aparentemente bom, mas que produz inegáveis efeitos colaterais, já sentidos por todos nós. Está na hora de nós, profissionais de marketing, ouvirmos mais os psicólogos, médicos, sociólogos, filósofos e, também, sacerdotes, na hora de formularmos nossos produtos. Afinal, o mundo não é só uma questão de marketing.

Paulo Angelim

Paulo Angelim é consultor, conferencista e palestrante nacional em Vendas e Motivação e autor dos livros "Desenvolvimento profissional: Alcance o sucesso sem vender a alma" e "Morra e Mude". Contato: www.pauloangelim.com.br

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