As crianças e o dinheiro: Aprendendo com a fábula da cigarra e da formiga

As crianças e o dinheiro: Aprendendo com a fábula da cigarra e da formiga

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:29

Lembram-se da fábula da cigarra e da formiga? Aquela em que a formiga trabalha arduamente durante as estações que precedem o inverno para se prevenir contra as durezas do clima frio e a falta de alimento nessa época do ano enquanto a cigarra fica alegremente a cantar sem qualquer preocupação com o futuro que está logo ali, a ameaçar-lhe a existência... Essa criativa e fascinante história produzida pelo escritor francês Jean de La Fontaine, no século XVII, pode ser bastante elucidativa para iniciarmos uma conversa sobre educação financeira para as crianças. Educação essa que deve ser trabalhada em duas frentes: no ambiente doméstico e nas escolas. Ainda mais no período em que vivemos, em que a televisão, o rádio, a Internet e todos os meios de comunicação de massa procuram, de forma avassaladora, levar as crianças a desejar produtos.

Acredito que a legislação em vigor em nosso país teria que restringir e delimitar a atuação da publicidade, especialmente em relação às crianças, que ainda não tem suficiente maturidade para entender os propósitos das propagandas e relacionar o consumismo que elas promovem a luta dos pais para manter o orçamento familiar equilibrado. Nesse sentido a educação financeira auxilia os pequenos a perceber melhor essa relação e, ao mesmo tempo, compreender que a maior parte daquilo que lhes é mostrado na televisão não pode ser adquirido. As crianças brasileiras ficam muito expostas à televisão e, consequentemente, são levadas a desejar novos brinquedos, balas, doces, refrigerantes, tênis ou roupas a todo o momento.

Uma eficiente e necessária medida para controlar um pouco esses desejos criados pela TV passa, necessariamente, pela definição de horários para ver televisão e, também, pela delimitação da quantidade de horas de exposição a esse meio de comunicação. Medida aplicável também a outras mídias, como o rádio ou a internet. Estamos vivendo uma realidade tão atípica e tresloucada que atualmente se verifica no Brasil um elevadíssimo número de crianças que têm mais contato com a TV do que com os próprios pais... Totalmente inaceitável! Há, evidentemente, pessoas no Brasil e em outros países que advogam a teses de que tal aprendizado (a educação financeira) não deve acontecer tão prematuramente na vida das crianças. Discordo dessa afirmação pois acredito que estamos inseridos num mundo de bases capitalistas, onde o dinheiro é uma constante na vida de todas as pessoas, independentemente de qualquer fator (idade, sexo, religião,...). Não devemos, no entanto, focar tanto a formação de nossas crianças nesse aspecto, dando mais relevância a outros fatores mais primordiais para suas formações, como a linguagem, a sociabilidade, a ética e a cidadania. Acredito que a matemática ensinada nas escolas deveria trabalhar mais diretamente a educação financeira tendo como suporte o respaldo das famílias. Há várias razões concretas que justificam a necessidade de ensinar as crianças a ter maior responsabilidade em sua relação com o dinheiro. Ao aprenderem, enquanto crianças, a poupar recursos e utilizá-los de forma racional, estamos educando não apenas para o momento presente, mas semeando adultos que tenham mais juízo em relação aos seus ganhos quando tiverem que administrar as finanças de suas próprias casas e famílias. As crianças também aprendem com a educação financeira que guardar seu dinheiro poderá lhes trazer melhores benefícios num futuro breve em relação ao que poderiam ganhar no momento presente, mais imediato.

Ao invés de comprar balas, figurinhas ou revistas em quadrinhos, o menino ou a menina poderá, guardando o dinheiro da mesada, ao final de um período de algumas semanas ou meses (conforme o que foi acordado quanto ao pagamento dessa mesada com os pais), comprar uma boneca, uma nova bola de futebol, um livro ou qualquer outro bem. A relação das crianças sendo mais madura com o dinheiro desde a mais tenra idade também lhes permitirá ensinar posteriormente seus próprios filhos a não serem “gastões”, a pouparem para o futuro.

Outra conseqüência observável é que esses futuros adultos poderão também fiscalizar e cobrar maior austeridade em relação ao dinheiro público por parte de seus governantes... Na conversa e no processo de orientação das crianças deve-se desde o princípio definir os limites do orçamento da família que irão definir o que é possível ou não fazer quanto, por exemplo, ao pagamento de uma mesada. Isso quer dizer, em linhas gerais, que a partir de certa idade, aquela na qual as crianças começam a pedir mesada (meus filhos fizeram isso quando estavam com idades entre 7 e 8 anos), a família deve saber o que está motivando tais pedidos e, ao mesmo tempo, definir o quanto será possível pagar e os prazos ou datas nas quais essa mesada será dada (semanalmente, mensalmente, quinzenalmente).

Deve-se orientar as crianças para que não utilizem todo o dinheiro de uma vez e que, de preferência, guardem uma parte do que lhes foi dado (exemplo: se a mesada for de dez reais, aconselhem as crianças a guardar metade dessa soma em seu cofrinho). Nunca se deve relacionar o pagamento de mesadas a notas ou rendimentos escolares, tampouco ao cumprimento de tarefas domésticas, como arrumar as camas ou manter os quartos em ordem. Essas responsabilidades das crianças não podem ser assumidas pelos pequenos como "remuneradas" ou "passíveis de recompensas e premiações". Ajudar a lavar a louça, cuidar dos cachorros ou manter os deveres e notas da escola em dia são atribuições do dia-a-dia que devem ser executadas com boa vontade e qualidade sempre já que estão relacionadas a formação de caráter e valores (como solidariedade, ética, cidadania) e também constituem o maior e mais valoroso investimento que os pais fazem em relação a seus filhos.

Para uma melhor compreensão da questão do uso racional e adequado do dinheiro, conforme as possibilidades do orçamento doméstico, as crianças devem ser convidadas ou chamadas a acompanhar os pais em suas atividades do cotidiano, como naquelas em que os pais irão fazer compras ou fechar negócios. Os filhos passam então a ter a possibilidade de observar os pais e perceber que nem tudo o que desejamos ou temos vontade de comprar está ao alcance de nossos bolsos e que, em determinados casos, teremos que poupar para conseguir atingir tais sonhos. Os supermercados constituem uma boa escola para a educação financeira das crianças pois neles temos que delimitar a aquisição dos produtos de acordo com as necessidades da casa ou da família (por isso é sempre aconselhável ter uma lista do que se quer comprar nas mãos).

Ao entrarmos no mais representativo dos templos do consumo moderno, indicamos aos nossos filhos o que precisamos comprar e, ao mesmo tempo, dizemos a eles que devemos pesquisar preços, qualidade dos produtos e validade das mercadorias compradas. Dessa forma estamos tentando incutir-lhes a necessidade de selecionar com parcimônia e equilíbrio o que vai ser comprado para que o dinheiro disponível seja bem aproveitado e para que sobre algum para poupar ou, eventualmente, comprar algum outro produto. As crianças devem ser informadas que seus pedidos não serão atendidos em caso de demanda abusiva e, em caso de bom comportamento, deve lhes ser dada a alternativa de escolha de um ou dois produtos que desejam, se o orçamento permitir ou se a compra tiver saído mais barato do que se previa...

E quanto à escola? Que papel deve desempenhar no que se refere a educação financeira? Existem pessoas que defendem a idéia da inclusão da educação financeira entre os parâmetros curriculares da educação básica. Trata-se, realmente, de uma alternativa interessante, mas acredito que sua aplicabilidade deve ser independente da forma como será inserida, a partir de lei, no contexto escolar. O mais importante é que as escolas e os educadores percebam a necessidade de realizar esse ensino desde as primeiras séries do fundamental através da utilização regular desses conceitos e idéias nas aulas de matemática e de outras disciplinas que possam lhe dar apoio.

Acredito que a matemática deveria ser utilizada como uma disciplina mais diretamente relacionada ao mundo no qual vivemos. Sua associação com os conceitos da educação financeira, adequados para crianças de diferentes faixas etárias, poderia facilitar muito esse trabalho. Para tanto poderiam ser feitos projetos através dos quais se simulassem ou se dramatizassem situações do cotidiano e ainda, em que se fizessem visitas a estabelecimentos comerciais com o intuito de educar as crianças para o consumo consciente e o equilíbrio das finanças.

Além disso, é de fundamental importância que disciplinas como estudos sociais ou português trabalhem a temática com textos, jornais, revistas e atividades através das quais o paralelo entre o mundo real e a escola aconteça. Dessa maneira se permite que as crianças entendam melhor a dinâmica que rege as relações fora dos muros da instituição escolar em que estudam. A partir desse trabalho teríamos alguns resultados interessantes para as famílias, as escolas, a sociedade como um todo e, especialmente, para os próprios estudantes. Entre esses resultados poderíamos destacar:

1 - Teremos maior consciência pessoal por parte dos brasileiros quanto ao seu próprio dinheiro;

2 - Haverá responsabilidade com a administração de suas contas por parte dessas pessoas, sem que se gaste mais do que se ganha e se projetando como, quando, onde e de que forma gastar o que se ganha;

3 - Aumentará a fiscalização e as cobranças da população quanto ao uso do dinheiro público. Só poderemos colher melhores frutos no futuro a partir do momento que saibamos poupar nossos recursos, utilizá-los com maior sabedoria e aplicá-los em medidas que garantam maior tranqüilidade em nossos horizontes. Nossas crianças precisam aprender as lições da formiga sem que percam a alegria e o desprendimento da cigarra...

Postado por: Felipe Pinheiro

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