Como o divórcio perdeu seu prestígio

Como o divórcio perdeu seu prestígio

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:35

Alguns meses atrás, a escritora nova-iorquina Susan Gregory Thomas estava em uma festa de aniversário quando foi abordada por uma mulher que acreditava conhecer entre as mães de Park Slope, vizinhança que faz parte do Brooklyn nova-iorquino.

“Então você é a Susie Thomas. Você é famosa!”, disse a mulher, quase gritando. Desconcertada, Susie perguntou o que ela queria dizer. A mulher retrucou: “É que seu nome sempre vem à tona naquelas conversas”. “Eu quase pedi para ela me dar logo o frasco de cicuta”, lembra-se Susie.

Mas a escritora de 42 anos não ficou tão surpresa assim. Desde seu divórcio, há três anos, que ela diz ter se tornado anti-social, sentindo-se “nervosa com o que as pessoas vão dizer”. Afinal, ela passou de uma espécie de ícone de sua vizinhança - com seu marido comprometido e sobradinho de tijolinho aparente - para uma divorciada casada pela segunda vez e mãe de um bebezinho, além de dois filhos pequenos do primeiro casamento. “De repente, aquela comunidade onde eu havia morado por 13 anos virou uma selva inóspita e hostil”, diz. Era como se todos os conhecidos se sentissem mal por ela, mas, ao mesmo tempo, ninguém quisesse ficar ao seu lado.

Neoconservadores

O fato de uma mulher divorciada sentir-se incomodada e isolada mais parece parte de uma peça de Todd Haynes do que de uma cena da Nova York do ano 2011. Mas, as estatísticas do divórcio, em queda contínua desde seu apogeu, em 1980, revelam outra tendência: atualmente, apenas 11% dos americanos de nível universitário se divorciam nos primeiros dez anos de casamento, em comparação aos quase 37% do resto da população daquele país.

Molly Monet, professora separada desde 2007, afirma que se sentiu totalmente fora de órbita e “a pior mãe do mundo”. “Meus filhos iam fazer parte de uma família desestruturada. Minha primeira pergunta era se aquilo os devastaria emocionalmente”, ela conta. Andrew Cherlin, professor de sociologia da Universidade Johns Hopkins, diz: “a mudança de atitudes e comportamentos é muito real. O índice de divórcios está caindo entre americanos de classe média-alta e eles estão se tornando mais conservadores em relação ao divórcio”.

Nunca como nossos pais

É como se uma criança refletisse sobre o divórcio negligente dos pais e dissesse: “Não, isso não é para mim”. Para Susie, o divórcio dos pais, quando ela tinha 12 anos, definiu praticamente tudo em sua minha vida. Em seu novo livro “In Spite of Everything”, ela conta que, durante seu casamento de 16 anos, muitas vezes disse ao marido: “aconteça o que acontecer, nunca iremos nos divorciar”.

Agora que os filhos de uma geração de divorciados já cresceram e tiveram seus próprios filhos, o divórcio é inevitável para alguns, mesmo com suas melhores intenções e piores temores. A maioria dos casamentos que termina em divórcio desmorona nos primeiros 10 anos. Mas, entre os casais de nível universitário que se casaram em meados dos anos 90, a probabilidade de divórcio nos primeiros 10 anos de casamento caiu 27% em comparação aos anos 1970. Apenas 17% dos americanos de nível universitário concordaram com a afirmação “o casamento não funcionou para a maioria das pessoas que conheço”, em comparação aos 58% entre os americanos de escolaridade inferior.

Reações

“Quando digo que estou me divorciando, a primeira reação das pessoas é me dizer que sou muito corajosa”, diz Stephanie Dolgoff, 44 anos, mãe de duas meninas. “Nos anos 70, quando o individualismo dominava, a mulher divorciada era vista como se quisesse retomar sua vida. Hoje, o divórcio já não parece mais tão libertador. Na verdade, é assustador”.

  A autora Stephanie Coontz diz que, para muitas mulheres daquela época, o divórcio era a liberdade. “Muitos casamentos dos anos 1970 eram essencialmente desiguais. Com os movimentos feministas, elas tomaram consciência de que havia alternativas e de que o divórcio seria uma espécie de libertação”.

“O que houve?”, questiona a escritora Claire Dederer. “Nos anos 1970, romper com o sistema era aceitável. Por outro lado, nós, daquela época – como meu irmão, eu e muitos outros filhos de mães libertárias – nos convencemos de que colocaríamos nossa família em primeiro lugar. Seríamos bons, o tempo todo. Ficaríamos casados, haja o que houvesse, e tomaríamos leite orgânico”.

“Um das maiores dificuldades no divórcio de hoje é a sensação de que temos de dar alguma desculpa ou explicação para o fato”, disse Stacy Morrison, autora de “Falling Apart in One Piece”, outro livro de memórias em torno do divórcio. “O divórcio vem novamente acompanhado da ideia de fracasso”, analisa Morrison.

Escolaridade e renda

Da década de 1970 até o novo milênio, o percentual de americanos de alta escolaridade que acreditam que o processo de divórcio deveria ser mais difícil subiu de 36% para 48%.

  “Pode ser que, entre os casais de nível universitário, os homens estejam se comportando melhor, enquanto que as esposas não estão mais tão interessadas em pular fora”, diz Andrew Hacker, professor emérito do Queens College.

A mudança tem um componente econômico assim como um social. “O fato de a mudança acontecer principalmente entre as camadas mais afluentes da sociedade sugere que não é só uma reação à epidemia do divórcio dos anos 1970”, afirma Hacker.

A partir desta perspectiva, a separação de um casal com filhos pequenos, frágeis e vulneráveis, é vista praticamente como uma infração. “Com certeza eu sofri julgamentos”, disse Priscilla Gilman, autora de mais um livro de memórias, intitulado “The Anti-Romantic Child”, que aborda seu divórcio. “Todo mundo me perguntava se não tinha algo mais que eu pudesse fazer e me dizia que meus filhos precisavam dos pais juntos”. Naquela época, Gilman só conhecia uma pessoa divorciada.

  Diversas mulheres divorciadas sugerem que a notícia do fim do casamento parece irritar outros casais do mesmo círculo social, gerando inquietação sobre seus próprios casamentos (tal ansiedade pode não ser totalmente infundada. Um estudo concluído no ano passado por três universidades americanas – Harvard, Brown e Universidade da Califórnia – revelou que o divórcio na verdade é contagioso: quando amigos próximos se separam, as chances de ocorrer uma separação entre pessoas do mesmo grupo aumentam em 75%). Filhos

“Há um reconhecimento tácito ou explícito entre pais de alta escolaridade de que seus filhos não vão se sair bem na vida se o papai e a mamãe não estiverem juntos”, diz W. Bradford Wilcox, professor de sociologia da Universidade de Virginia e diretor do Projeto Nacional do Casamento.

Será essa, então, a revanche da geração de filhos de pais divorciados, rebelando-se contra a experiência vivida por seus pais? Durante as pesquisas para o livro “The Starter Marriage”(2002), foi perguntado a pessoas que se divorciaram aos 20 ou 30 anos por que eles tomaram aquele passo. A resposta foi praticamente unânime: “Eu quis tomar essa atitude antes que fosse tarde demais – antes de ter filhos”.

  Enquanto que seus pais foram pioneiros do divórcio nos anos 1970, ainda sem conhecimento sobre o quanto a dissolução do casamento poderia afetar os filhos, os casais de hoje têm plena consciência do significado de um divórcio aos 7 anos de idade. Monet e seu ex-marido jantam juntos todas as sextas, acompanhados dos filhos. “Certa vez me dei conta de que podíamos criar juntos nossos filhos e ainda ser uma família. Eu percebi que o que é devastador não é o divórcio, é a forma com que lidamos com ele”, diz Monet.

Quando a ex-agente literária Nina Collins, de 41 anos, se divorciou, ela disse que escutou a mesma coisa do advogado e do terapeuta: “Hoje o divórcio é completamente diferente de quando seus pais se separaram. Se seus filhos se sentirem amados e não presenciarem comportamentos estranhos, eles vão ficar bem”. Ela diz que certamente ainda existe o trauma, mas é certo que hoje o divórcio se tornou muito mais humano para todo mundo.

Uma crença comum é que se o divórcio é conduzido de forma correta, as crianças se beneficiam mais da separação do que do convívio com pais que fazem concessões mútuas.

Inveja?

O outro lado da moeda é que algumas mulheres divorciadas dizem detectar certa inveja velada. Elas explicam que outras esposas e mães lutam para chegar a uma conclusão do problema ao mesmo tempo em que se dividem entre os papeis de esposa e mãe e o trabalho.

“A reação de muitas mulheres casadas de minha comunidade é uma manifestação de inveja do meu novo estilo de vida – poder namorar, ir à aula de yoga cinco vezes por semana, ter tempo para mim”, diz Monet.

Mas, isso não deixa a vida das mães divorciadas mais fácil. “Eu gastei uma quantidade enorme de energia tentando ser amiguinha e gentil com meu ex-marido e sua nova esposa”, diz Isabel Gillies, atriz e autora de “Happens Every Day”, livro sobre seu divórcio. Quando seu ex-marido sai de Ohio para visitar os filhos, em Manhattan, ele e a esposa se hospedam no apartamento de Gillies e ela sai de casa.

“Hoje há um pouco mais de coerência do que nos anos 70. Ao invés dos filhos ficarem para lá e para cá, somos nós que nos deslocamos”.

Tradução: Claudia Batista Arantes

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