Mãe, quero ser loira!

Mãe, quero ser loira!

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:56

As mulheres, mais que ninguém, sabem que a grama do vizinho é sempre mais verde – especialmente quando a máxima é aplicado ao visual dos cabelos. Loiras viram morenas, morenas fazem luzes, quem tem cabelo liso quer enrolar e quem tem cacheado não sai de casa sem usar a chapinha. Com as crianças não é diferente. Mas como lidar com desejos de meninas de 6 ou 7 anos que, para serem realizados, incluem o uso de químicas potencialmente perigosas? E como saber se aquela vontade obsessiva de alisar os cabelos não esconde um problema de autoestima diante do grupo de amiguinhas?

Química proibida

A região do couro cabeludo é muito vascularizada e absorve componentes em concentrações que podem desencadear reações e até intoxicação. Imagine isso somado à sensibilidade infantil. “Os componentes usados em tratamentos capilares não têm segurança estabelecida para uso em crianças. Além disso, os produtos – como tinturas com água oxigenada, escovas com formol e amônia – têm potencial para causar alergia”, enfatiza Fátima Rodrigues Fernandes, pediatra e alergista do Hospital Infantil Sabará. Os efeitos em meninas são desconhecidos. Por isso, não arrisque e seja firme ao dizer não.

Se fosse pela vontade de Julia, 6 anos, ela seria loira. Embora sua mãe, a psicóloga Fabiola Ribeiro Melo, aponte que existe beleza em todas as garotas, a menina adora o visual platinado. “A maioria das Barbies dela têm cabelo claro”, explica a mãe. “E a melhor amiga dela também é super loira”. Para que a filha entenda a proibição, Fabiola explica a Julia o quanto a tintura pode fazer mal e já negociou um prazo para a realização do desejo da criança: se a vontade persistir, ela vai poder mudar a cor dos cabelos quando estiver na faculdade. Talvez Julia consiga realizar seu desejo antes, mas não enquanto estiver sob os cuidados da mãe.

Radicalismos à parte, os pediatras apontam o final da adolescência como o período ideal para tais transformações. “Nesta fase as crianças estão mais maduras para entender o que é química e que uma série de cuidados são necessários, como manutenção, reparação e retoques”, completa Fátima.

Espelho, espelho meu

Proibida a química, reforce a autoestima da criança. Por que aquela mudança de aparência é tão desejada? A melhor maneira de trabalhar positivamente a imagem da sua filha é ressaltar que há tipos diferentes de beleza, independentemente do que ela vê na televisão e nas revistas. “Use como exemplo as pessoas que ela conhece, ressalte o quanto ela é bonita, aponte seus pontos fortes e diga como se sentia na idade dela. Converse sobre os problemas que você mesma tinha com o espelho”, sugere a psicóloga infantil Ana Lucia Gomes Castello. Na maioria das vezes, as meninas se espelham no comportamento da mãe. Por isso, não adianta dizer que ela é linda com cabelos escuros, se você vive reclamando dos seus na frente dela.

Mãe em tempo integral, Patricia Moreno Ayres se esforça, mas é difícil convencer a filha Isabela, 7 anos, de que seus cachos são lindos demais para serem alisados. A menina vive em pé de guerra com o cabelo enrolado e só se contenta quando faz escova. “Em geral, a deixo fazer uma escova no salão a cada 3 meses, quando vai a uma festa”, conta Patricia.

Tanto para a pediatra quanto para a psicóloga a negociação é uma atitude válida e fortalece a relação entre mãe e filha. Em ocasiões especiais, leve-a ao cabeleireiro para cortar, fazer uma escova ou outros procedimentos que não envolvam o uso de componentes químicos. Mas lembre-se que o simples calor do secador e da chapinha podem lesar os fios e causar queda de cabelo – daí a necessidade de moderação na frequência das visitas ao salão, ainda que você mantenha sua filha longe das químicas. “O fio é formado por queratina – uma proteína protetora – e as altas temperaturas interferem na estrutura dela”, explica Fátima.

Ponto para Patricia, que proíbe e regula o uso desses equipamentos, e para Fabiola, que faz trancinhas nos longos cabelos de Julia para que ela vá à escola no dia seguinte com os cabelos frisados. “O ideal é que as crianças sejam crianças e não ingressem no mundo dos adultos e seus rituais antes da hora. Pode parecer difícil convencê-las, mas elas são inteligentes e na maioria das vezes uma boa conversa é eficaz”, diz Ana Lucia.

Opinião pública

Eva tem 9 anos e, ao contrário das outras meninas, não quer saber de cachos, chapinha, cabelos vermelhos ou cor de rosa. Por influência dos penteados da avó e da mãe – e da personagem Mulher Elástica, do longa animado “Os Incríveis” –, Eva adora cortar o cabelo. “Uma vez ela cortou bem curtinho, mas se arrependeu por causa da cobrança das amigas da escola. Isso arrasou a autoestima dela”, conta Carolina Decina, mãe e professora. Mesmo que a família e a professora tenham tentado reverter a situação, o desconforto estava instalado.

Qualquer que seja a transformação capilar desejada pela menina, ela é provavelmente conduzida pelo desejo de aceitação. Por isso é importante o diálogo sobre a aparência e a real importância dela, independentemente de padrões impostos – seja pelos ídolos da televisão e da música, seja pelo grupo. No caso de Eva, nas palavras da mãe, “o medo de ser julgada pelo corte é maior do que a coragem de enfrentar a opinião pública do visual que ela idealiza”. Com as outras meninas acontece o mesmo, mas no sentido inverso – a realização do visual idealizado visa diminuir a reprovação social a seus cachos, sua morenice ou o volume dos fios. “É importante que a mãe tenha sensibilidade para detectar quando o desejo de mudança do cabelo deixa de ser coisa da idade e da moda e passa a ser descontentamento ou total desconhecimento da aparência”, aconselha a psicóloga Fabiola – que também conhece esta história como mãe.

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