Mesmo que os pais neguem, criação de garotas e de garotos costuma ser diferente

Mesmo que os pais neguem, criação de garotas e de garotos costuma ser diferente

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:54

A garota, mais comportada. O garoto, mais aventureiro. Esses comportamentos díspares vão além dos traços genéticos. A educação dispensada a cada um dos sexos ainda é visivelmente distinta. Muitos estereótipos são reforçados pelos próprios pais que, mesmo sem perceber, criam de forma diferente meninos e meninas.

Pesquisa realizada pelo site NetMums.com, um dos maiores portais ingleses de orientação familiar, constatou, por exemplo, que as mães são muito mais críticas com o comportamento das filhas do que com o dos filhos. De acordo com as respostas, 21% das mães admitiram que são mais duras com as meninas contra apenas 11,5% das que disseram o mesmo em relação aos garotos. Além disso, 22% delas afirmaram fazer vista grossa a certos atos de seus filhos.

Mesmo a cultura ocidental, com seu histórico de muitos sutiãs queimados na luta por igualdade de direitos, ainda repete diversos vícios que mantêm a distância entre o masculino e o feminino.

De acordo com a psicóloga Iolete Ribeiro, doutora em Psicologia e Comportamento Humano, a reprodução dos conceitos machistas ocorre sem a percepção dos pais, que veem na proteção maior às suas meninas uma forma de preservá-las.

— Porém, as meninas estão se tornando mais questionadoras, com uma percepção mais aguçada dessas diferenças. Por isso, muitas delas, com sete ou oito anos, já exigem uma autonomia maior. Querem os mesmos direitos dos irmãos homens — frisa.

Esse poder questionador ajuda a quebrar barreiras, mas ainda não limita o fato de que os rapazes são criados de forma mais livre do que as garotas.

— Os pais estimulam a ousadia dos meninos e acentuam a proteção das meninas, provavelmente para protegê-las desses mesmos meninos que eles criaram ousados e viris — analisa a psicanalista Cíntia Xavier de Albuquerque, membro da Associação Internacional de Psicanálise (IPA).

— Sempre houve uma maior permissividade para o homem, em várias culturas, tanto ocidentais quanto orientais — diz.

Ele pode, ela não

Há um consenso de que as meninas devem se manter mais comportadas e recatadas, desde a infância até a vida adulta.

A americana Deborah Tannen, autora do livro Você Vai Sair Assim? Como entender a relação entre mães e filhas, cita um exemplo: as mães se preocupam muito mais com a aparência das filhas do que com o dos filhos. Isso acontece, diz Tannen, porque as mulheres são mais julgadas por esse aspecto do que os homens.

— A sociedade ainda cobra muito por uma boa educação das meninas e isso envolve também boa aparência. Não criamos mais nossas filhas para o casamento, mas elas ainda têm que aparentar que foram educadas assim — relata a escritora.

— É preciso pedir espaço, porque os valores de cada geração são diferentes e essa menina tem todo o direito de construir sua própria identidade livre de preconceitos — afirma a psicóloga.

Bom exemplo

Os engenheiros Silvana e André Tavares, 39 anos, têm duas filhas. A mais velha, Beatriz, nove, é a esportista da casa. Gosta de brincadeiras na rua, tem vários amigos meninos e joga futebol na escola. É feminina, doce, tranquila. Faz ginástica rítmica e aulas de teclado.

A irmã menor, Sarah, quatro, é vaidosa, adora cor de rosa e não sai de casa sem uma bolsa. Vestidos ocupam o armário. Coleciona bonecas Barbie, faz balé e natação.

— A educação que demos para as duas foi igual, mas elas são diferentes por natureza — diz a mãe.

Silvana — que teve que vencer preconceitos quando passou no curso de Engenharia Civil, profissão na época ainda dominada por homens — explica que, quando soube que esperava uma menina, na primeira gravidez, fez de tudo para não reproduzir o modelo estereotipado segundo o qual toda menina gosta de rosa e menino de azul.

— Não comprei roupas rosas, fiz um quarto bem colorido e nunca incentivei Beatriz a ser muito vaidosa. Só que a segunda filha, Sarah, já nasceu assim, faz parte da personalidade dela ser tão feminina.

A relação das meninas com o pai é de entrosamento. André senta no chão do quarto para brincar de bonecas, acompanha nos estudos e cuida das meninas quando Silvana precisa viajar a trabalho.

Quanto à criação de meninas e meninos, Silvana e André reconhecem que existem diferenças, sim.

— Com meninas sempre há mais cuidados. Hoje existe um apelo forte no que diz respeito à sexualidade, por exemplo. É só ligar a televisão. Por isso, achamos importante impor certos limites, conversar bastante e dar um bom exemplo em casa —afirma o casal.

Liberdade vigiada

Alexandra é a filha mais velha da consultora de negócios Rosana e do aeroviário Natan Cantarelli. Ela tem 14 anos e passa pelas mudanças características da adolescência. Aos poucos, conquista seu espaço e inicia os primeiros voos em direção ao mundo dos adultos. Ela não sai de casa, porém, sem levar o celular e avisar os pais onde e com quem está. É uma liberdade vigiada.

— Claro que, pelo fato de ser menina e adolescente, a Alexandra é quem mais nos preocupa neste momento. Mas também estamos sempre de olho no Otávio, de 10 anos, e na Natasha, de quatro — diz Rosana.

Os pais ficam receosos de "afrouxar a corda" com a filha adolescente.

— Ela é muito nova, um pouco ingênua, e acreditamos que cada coisa tem o seu tempo — diz a mãe.

O pai jura que ainda não pensou em como se sentirá quando Alexandra começar a namorar, mas acredita que terá um pouco de ciúme, o que é comum e faz parte do processo de amadurecimento da relação pai-filha.

Para Natan, a grande missão dos pais é ensinar os filhos a ter discernimento para tomar decisões certas na vida, e isso vale para meninos e meninas.

— Eles sabem que, se não agirem corretamente, sempre haverá uma consequência.

Com Otávio, os pais pegam menos pesado, pelo fato de ser menino. Ele brinca com outros garotos que nem sempre são conhecidos de Rosana e Natan. Já com a adolescente, fazem questão de saber quem são as amigas. A mãe ressalta que a conversa em casa é franca e aberta. Todos podem dizer o que pensam, e nenhum assunto é tabu.

Brincar para aprender

As diferenças educacionais entre meninos e meninas são observadas desde o primeiro ano de vida. A responsabilidade por tal distinção cabe à sociedade, sobretudo aos pais, que padronizam os comportamentos das crianças e impõem que as brincadeiras devem ser diferentes.

Geralmente, as brincadeiras dos meninos são mais violentas, o que explica o comportamento mais agitado, enquanto que as meninas brincam mais no faz de conta, suscitando a criação de emoções e comportamentos mais tranquilos.

A psicóloga educacional Catarina Leal explica que não aceitar que os meninos brinquem com bonecas e as meninas com carrinhos, por exemplo, significa limitar as aprendizagens e as escolhas das crianças.

— Infelizmente, há pais preconceituosos que acreditam que as brincadeiras podem afetar as escolhas sexuais dos filhos. Esta ideia está errada, uma vez que as brincadeiras em nada afetam as opções sexuais. As crianças têm que fazer as suas próprias descobertas e aprendizagens de forma natural e autônoma — ressalta a especialista.

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