Mulherzinha, supermulher ou simplesmente você?

Mulherzinha, supermulher ou simplesmente você?

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 3:28

Isabelle Ludovico

O estigma que pesa sobre a mulher não é recente. A supremacia do homem se deu às custas da desvalorização da mulher. O homem se encarregou sozinho da construção do mundo e confinou a mulher na esfera privada, gerando, assim, uma dicotomia empobrecedora para ambos. A mulher se anulou para atender às expectativas do "príncipe encantado" e se dedicou ao cuidado dos filhos e da casa. Este trabalho não remunerado resultou numa dependência econômica que se transferiu para o plano emocional.

Reproduzindo o modelo da própria mãe, a mulher confunde gradualmente sua identidade com sua função materna. Até seu marido freqüentemente passa a chamá-la de "mãe". Quando os filhos se tornam independentes (apesar dela, diga-se de passagem), ela tem que enfrentar sua pior crise: a "síndrome do ninho vazio". A relação conjugal se dissolveu e foi substituída pelos papéis parentais que já não têm mais razão de ser. O marido investiu suas energias no trabalho e enfrentou desafios que o levaram a crescer enquanto ela estagnava num universo restrito, delimitado pelos famosos quatro "cês": casa, comida, criança e criada. Restam-lhe a solidão, a frustração e o ressentimento pela falta de gratidão do marido e dos filhos. Esta "Amélia" vive à sombra do marido porque teve medo de se aventurar fora do casulo que lhe serviu de proteção, mas também de prisão. Seu potencial foi tolhido enquanto desenvolvia mecanismos manipuladores para compensar a exigência de submissão, estabelecendo, assim, uma relação de mútua desconfiança com o marido.

A partir dos anos 60, este modelo foi rejeitado por muitas mulheres que reivindicaram a sua emancipação e partiram em busca de novos rumos. Na ânsia de compensar o tempo perdido, a mulher quis desempenhar todas as funções ao seu alcance. Esta "mulher maravilha" inaugurou um período no qual a luta pela sua auto-realização se travou no terreno da competição com o homem ? universidade, profissionalização etc., mas também acarretou dupla jornada de trabalho. Tudo para não deixar de ser mãe e dona-de-casa, provar a si mesma que é capaz de brilhar em todas as áreas e conciliar todos os papéis, por vezes para atender à exigência do parceiro que, numa mensagem dupla, incentivou suas conquistas profissionais desde que o equilíbrio familiar não fosse alterado. Ela fez o possível para se encaixar no mundo frio, objetivo e racional construído pelos homens, abdicando, para isso, de uma parte fundamental de sua personalidade: a ternura, a subjetividade, a sensibilidade, o instinto, a empatia. Ela conseguiu êxito profissional, mas às custas do fracasso de sua relação amorosa e do desajuste dos filhos, sem falar do estresse. Tendo investido muito na sua auto-realização, ela se sente, pela segunda vez, frustrada e solitária. Ela passou muito radicalmente da passividade e resignação a uma atitude onipotente.

A mulher alcança agora a sua grande oportunidade de uma verdadeira libertação. Para isso, ela precisa encarar os conflitos e antagonismos que convivem dentro dela, dos quais tentou fugir através de um ativismo desenfreado e que são frutos da coexistência interna de modelos modernos e tradicionais: a dependência de um poder-saber externo (pai, marido, médico etc.) apesar da descoberta de seus próprios recursos; a expectativa incoerente de uma atitude de docilidade e fragilidade na relação afetiva, contrastando com a força e determinação necessárias na vida profissional.

Está na hora de a mulher fazer um balanço que pode dar início a uma nova fase integradora, de resgatar a relação com o parceiro e os filhos, de renunciar à competição em favor da cooperação e do companheirismo. Ao ter a coragem de encarar os seus próprios medos, limitações, raivas, desejos, a mulher poderá também respeitar os do homem. Após ter confundido sua identidade com a função de mãe e, posteriormente, com seu desempenho profissional, a mulher quer, hoje, ser reconhecida não pelo que faz, mas pelo que é. Ela não visa somente a igualdade de direitos com o homem, mas a restauração dos valores "femininos".

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