Observar para poder pensar

Observar para poder pensar

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:24

Queridos amigos,

Passei este mês com muitas crianças: atendendo no consultório, convivendo com as crianças de casa, dos amigos, dos lugares públicos. E sempre que estamos em contato com elas surge em nós muita coisa criativa e, ao mesmo tempo, a experiência é tão intensa que produz certo cansaço. Quantos pais de crianças pequenas chegam à segunda-feira exaustos ou, ainda, dizendo que finalmente irão "descansar" trabalhando?!

É bom poder admitir este "fenômeno", entendo aqui, algo que acontece mesmo em condições naturais, com todos nós, adultos. É que a criança parece mobilizar o que tem de mais primitivo naquele que está intimamente em contato com ela. Não é todo mundo que tolera e consegue lidar com a turbulência, por exemplo, do final de semana. Lembrei-me certa vez, há muito tempo, que cheguei na casa de uma amiga e ela recebeu-me dez da noite de pijama. Disse-me: " Não é que já estou te mandando embora! É que hoje estive o dia todo às voltas com o R. (seu bebê) e, então, não consegui ainda me vestir!".

Que condição é esta que em outros tempos pareceria que ela estava doente, de cama, e, no entanto, ninguém estranha? Winnicott, um psicanalista que foi também pediatra, traduz esta condição da mãe como a "preocupação materna primária" necessária para que ela possa de maneira flexível regredir (estar em contato com a criança dentro dela mesma) e assim identificar-se e acolher seu bebê. É a continência da mãe ou do ambiente "suficientemente bom" que cria um entorno favorável ao desenvolvimento daquela criança.

Neste sentido, eu fico sempre apreensiva quando as pessoas pedem minha orientação relatando que deixam seus filhos muito pequenos por muitas horas com uma babá. Acho uma convivência muito difícil para a mulher e, em geral, arriscada para a criança. Prefiro, com exceções, é claro, mais gente no mesmo ambiente, como, por exemplo, a babá e outra empregada, ou ainda, a avó ou um berçário com vários bons profissionais - de modo que um observa o outro, um "sustenta" e dá suporte à capacidade do outro.

Não tenho a receita mágica e não condeno quem deixa seu filho com a babá por falta de opção. Conheço várias pessoas que pagam à vizinha e nem por isso a criança teve problemas. Entretanto, penso que seja útil sempre observar e observar.

A observação pode ser do meio externo (babá, vizinha, avó, creche), mas também internamente. Digo isso porque a turbulência que o contato com a criança provoca não é fácil de ser tolerada. Então podemos optar por expedientes como sair, simplesmente para evadir, nos livrar mesmo da tensão e não nos damos conta desse mecanismo! Não é fácil tudo isso. Sei como mãe que a tendência é ficar logo culpada e "vestir a carapuça" da bruxa, mas é sempre bacana poder observar para poder pensar.

Anne Lise Scapaticci - terapeuta e psicóloga infantil, em São Paulo

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