Tom Cruise causou um escândalo quando declarou que pretendia comer a placenta de sua mulher logo após o parto de sua filha. Mas a verdade é que esse ato não é tão incomum assim. Há quem concorde e quem discorde, claro. O que ninguém discute é a importância desse órgão tão especial que nutre a vida durante os nove meses da gestação. Fora do mundo das celebridades, a designer carioca Gilda Midani provoca rebuliço quando conta suas experiências pós-parto. É que ela comeu parte de sua placenta quando nasceu seu primeiro filho, João Vicente, hoje com 23 anos, e fez o mesmo quando deu à luz a Ana, de 15. A idéia pode parecer estranha, mas a placentofagia (ato de comer a placenta depois do parto) é algo extremamente comum entre as fêmeas do mundo animal (vegetarianas ou não) e também é uma tradição que sobrevive entre algumas mulheres de diferentes países pelo mundo.
A explicação para isso é simples: acreditase que a placenta tenha algumas substâncias, como opióides naturais, que poderiam dar uma sensação de bem-estar pós-parto e estimular a produção de leite. No entanto, a maior parte dos médicos afirma que é pouco provável que essa sensação seja melhor do que comer um bom filé de carne bovina, uma vez que a maioria das substâncias seriam destruídas no preparo ou na digestão da placenta como alimento.
Independente de comer ou não, a placenta tem uma estrutura maravilhosa, desenvolvida ao longo da evolução das espécies para prover uma perfeita troca de nutrientes e oxigênio entre a mãe e o bebê, além de fabricar uma grande quantidade de hormônios. Também produz o líquido amniótico, importantíssimo para o desenvolvimento do bebê e sua proteção. No caso dos mamíferos, como o cão e o gato, as fêmeas consomem a própria placenta para suprir uma necessidade de nutrição, uma vez que ficam impossibilitadas temporariamente de procurar alimento. Além disso, agindo assim elas apagam possíveis rastros que permitiriam aos predadores encontrá-la indefesa com suas crias. O ser humano bem alimentado não necessita dessa ingestão, mas nada impede que a faça, diz o obstetra Abner Lobão Neto, pai de Arthur, coordenador do Pré-Natal Personalizado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
De caso (bem) pensado
Gilda Midani decidiu comer a placenta depois de assistir a palestras da médica austríaca Eva Reich. Na época, ela veio ao Brasil falar sobre a importância do parto natural e do vínculo entre mãe e filho. Foi quando explicou também tudo o que a placenta tinha de bom e os benefícios de comê-la após o nascimento pra prevenir depressão pós-parto e aumentar a produção de leite. Achei lindo e resolvi falar com meu médico, um alopata supertradicional na época, que achou graça da minha decisão. Mas eu fui em frente. Depois do parto do João, pedi um pedaço, comi e não achei nada ruim. Na verdade, tem uma textura parecida com a da uva e não tem gosto de nada, lembra. No segundo parto, Gilda foi mais preparada: levou um liquidificador pra maternidade! Logo após o parto, pedi pra que fizessem uma vitamina com parte da placenta, laranjas e tomate, como recomendava Eva Reich, conta. Coincidência ou não, Gilda se sentiu uma fortaleza depois dos nascimentos de seus filhos. E olha que eu tinha motivo de sobra pra ter depressão já que minha vida e meus casamentos estavam caóticos, diz.
Marília Calil Salim, obstetra do Rio de Janeiro que pertence ao grupo de Profissionais Humanizados, lembra bem da história de Gilda. Fiz o segundo parto dela, de cócoras, e recordo que depois da filha nascer ela tomou a tal da vitamina com placenta. Achei isso muito bonito na época. Mas claro que é uma coisa bem pessoal que, para ser feita, precisa fazer total sentido pra mãe. Comparo a placenta com uma raiz, que nutre o feto durante a gestação. E, quando ela acaba, perde sua função. Então,por que não nutrir a própria mãe?, diz.
A maioria dos médicos, no entanto, não aprova a prática. E a maioria das mulheres também não embarca nessa. Na Ásia, região onde as mulheres cultivavam o costume de comer a placenta depois do parto, hoje o que se faz são estudos relacionados às células multipotentes desse órgão. Isso porque se acredita que elas podem se tornar uma rica alternativa diante da polêmica sobre o uso das células embrionárias nas pesquisas com células-tronco, explica José Bento de Souza, ginecologista e obstetra do Hospital Albert Einstein, de São Paulo. Agora, para alimentar ou tratar depressão pós-parto, ele prefere outras alternativas. Hoje dispomos de terapias muito melhores e menos aversivas para os problemas que podem ocorrer no pós-parto do que a ingestão de placenta, não é mesmo?
Polêmicas à parte
Há quem veja nesse costume um fundo psicológico. Por ser uma tentativa da mãe incorporar o bebê. Freud fez um trabalho chamado Totem e Tabu que fala sobre isso. O ato de comer a placenta seria uma volta aos rituais primitivos e uma tentativa de incorporar os atributos do bebê, de se sentir mais próxima dele. Como se o casal que fizesse isso quisesse regredir ao mesmo estágio de recém-nascido para entender suas necessidades, explica Anne Lise Scappaticci, psicanalista e professora de terapia familiar da Unifesp.
Bom, não cabe a nós julgar se a declaração de Tom Cruise tinha apenas a intenção de causar polêmica ou se ele estava pensando mesmo em fazer um ritual para se sentir mais próximo de sua filha. Nem dá pra afirmar que é certo ou errado imitar os animais e comer a placenta logo após o parto. O interessante dessa polêmica é parar para pensar e respeitar as novas ou velhíssimas ideias e rituais da natureza. Se pensarmos direitinho, veremos que eles são muito sábios. Afinal, temos mesmo é que venerar esse órgão ao mesmo tempo tão frágil e tão poderoso. Placenta é vida. E isso é tudo.
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