Preserve os filhos das dores da separação

Preserve os filhos das dores da separação

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:17

O divórcio é inevitável e o ''lar doce lar'' tornou-se um campo de batalha. E exatamente nesse momento, quando o ex-casal ainda está de luto (quando não em guerra mesmo) pelo fim do relacionamento, é preciso tomar decisões importantes, como as que envolvem a partilha dos bens e a guarda dos filhos. Um perigo, já que uma separação, sobretudo a litigiosa, pode respingar de forma danosa nas crianças. Felizmente, vão surgindo meios cada vez mais eficientes de amenizar essa etapa tão delicada na vida dos pequenos.

Questões legais: guarda compartilhada

A maior conquista nessa área é o regime de guarda compartilhada, em vigor no país desde agosto de 2008. Embora corriqueiro nos Estados Unidos e em vários países europeus, como Inglaterra e Suíça, foi recebido com desconfiança e frieza no Brasil. Hoje, vem consolidando terreno entre famílias que se desmancham. Seu trunfo: contribuir para o equilíbrio emocional da criança ao assegurar o direito tanto da mãe como do pai de compartilhar a responsabilidade parental, ou seja, de decidir e exercer em conjunto tudo o que diz respeito à vida dos filhos, como a escolha da escola.

Esse sistema, considerado um avanço do Código Civil, favorece a convivência de pais e filhos no dia a dia. Em vez das antigas visitas ou dos fins de semana, propõe que os horários de convivência se tornem mais flexíveis. ''A história de que separou e a criança vai ver o pai a cada 15 dias é um absurdo. Infelizmente, esse tipo de acordo continua vigorando, mas as coisas não têm que acontecer desse jeito'', adverte a psicóloga e psicoterapeuta Maria Thereza Maldonado, lembrando que antigas composições podem ser revistas e alteradas em juízo à luz de novas possibilidades. Na visão dela, a separação não é necessariamente traumática para os filhos. ''Isso depende da maneira como é feita e do acordo de convivência que é construído. Existem pais que trabalham muito e praticamente não veem os filhos. Quando se separam, passam a ter com eles um convívio de melhor qualidade. Mas é lógico que a separação é difícil. O desafio está em dissolver a sociedade conjugal e manter a parental funcionando de modo adequado'', destaca.

Para chegar a esse tipo de partilha, que pressupõe uma negociação sólida e sensata entre os ex-parceiros, alguns obstáculos precisam ser superados. O que fazer quando um dos pais aprova a alopatia e o outro é defensor da homeopatia? Quando um quer que o filho estude numa determinada escola e o outro não? Às vezes, a ajuda de um especialista é bem-vinda. A assistente social Sheila Nogueira, 39 anos, e o ex-marido, o sociólogo Dário Silva Filho, 42, não hesitaram em recorrer à pediatra da filha, Joana, 8 anos, para chegar a um consenso com relação à alimentação da criança. Como a guarda é compartilhada e Dário não gosta que a filha consuma fast food, o veredito ficou a cargo da especialista, que, para festa de Joana, fixou alguns dias da semana para os lanches de sua preferência.

Como agir com os filhos após a separação

Há 40 anos trabalhando com casais, a psicóloga Gladis Brun, uma das introdutoras da terapia de casais no Brasil, alerta para um erro recorrente: alguns pais acabam transformando os filhos em espiões ou mensageiros, mandando recados ao antigo cônjuge. Além disso, comentários destruidores a respeito do ex podem abalar os pequenos. ''Os pais devem saber que é justo que a criança mantenha uma boa imagem do pai ou da mãe. A esposa pode achar o marido um horror. Mas a filha tem o direito de achar o pai dela legal'', diz a especialista, lembrando que num primeiro momento é comum um dos genitores se colocar no papel de vítima e delegar ao outro o de algoz.

Famílias que optam pela guarda compartilhada fazem acordos de convivência alternada. A criança mora, por exemplo, uma semana na casa da mãe e outra na do pai. Mas a partilha não é mera questão de geografia, nem sempre isso é o ideal. ''Dependendo da idade do filho, o mais importante é os pais palpitarem na construção da vida dele. Não precisa ser necessariamente um vai para lá e para cá'', afirma Gladis, para quem o relevante é o cumprimento dos combinados.

Foi justamente por seguirem os acordos estabelecidos que Sheila e Dário mantêm até hoje uma relação amigável. Os dois se separaram quando a filha tinha apenas 4 anos e, mesmo sem oficializar na época o divórcio, optaram pela guarda compartilhada quando ela ainda nem vigorava no Brasil. ''No início, foi difícil'', conta Sheila. Para que o novo arranjo familiar (que ainda hoje prevalece) desse certo, o ex-casal estabeleceu regras únicas de educação e convívio - o que valia numa casa, valia também na outra. ''Isso deixa a criança mais segura. Ela entende que os pais valorizam as mesmas coisas'', justifica. Curiosamente, quando o ex-casal homologou o divórcio, em 2009, para que Dário pudesse se casar novamente, Sheila e o seu atual companheiro foram os padrinhos, já que os casais são amigos. E a harmonia só trouxe benefícios. ''Joana não tem problemas de comportamento, é uma criança supercomunicativa e tranquila'', afirma Sheila.

Quando os ex-parceiros não se entendem tão bem assim, a mediação familiar é uma boa alternativa para buscar uma solução amigável antes de proporem uma ação ou mesmo durante sua tramitação. ''Trata-se de um método de negociação assistida. O objetivo é alcançar soluções que tragam benefícios para todos e garantam que as partes se envolvam profundamente nas decisões'', esclarece a advogada Samantha Pelajo, especialista em família e professora da PUC-Rio em mediações de conflitos. É um procedimento imparcial e totalmente sigiloso: um mediador, por exemplo, não pode testemunhar num processo judicial. ''Ele ajuda as pessoas a identificar interesses compatíveis de forma a construir acordos. Enquanto na esfera judicial o processo coloca os envolvidos em situação de adversários, em que tudo que é alegado precisa ser provado, na mediação a ideia é de colaboração'', diz Samantha, que também atua no Instituto Mediare, no Rio de Janeiro.

Quando os ânimos são apaziguados, os filhos se beneficiam. ''A mediação familiar ajuda as pessoas a lidar com o fato de que a separação é do casal conjugal e não do par parental'', afirma. Embora só agora esteja ganhando visibilidade, a mediação privada foi introduzida no Brasil no início dos anos 1990; e a institucional, no final dessa década. A maioria dos estados brasileiros já dispõe gratuitamente do serviço. Diversas universidades também o oferecem à população de baixa renda. O Projeto de Lei nº 4.827, de 1998, da deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP), regulamenta de vez a prática, obrigando o Estado a oferecer essa possibilidade aos ex-casais. Ainda está tramitando.

Segundo a psicanalista e terapeuta de casais Eliana Riberti Nazareth, vice-presidente do Centro de Referência de Mediação e Arbitragem, em São Paulo, 70% dos casais conseguem firmar acordos após o processo de mediação. Ela já capacitou profissionais de 2004 até 2009, num projeto do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e participou de programas do Superior Tribunal de Justiça para capacitação em todo o Brasil. Mas ainda há muito por fazer. Infelizmente, a mediação é aplicada de maneira superficial. Alguns mediadores dos tribunais não têm treinamento específico. Além disso, a população não sabe que isso existe'', afirma Eliana.

Para baixar as armas e o tom bélico da separação

Quem cair em mãos inexperientes pode e deve solicitar o serviço de outro profissional. ''Um bom mediador vai tirar o foco das crianças, no sentido de que não sejam usadas como fator bélico. A discussão deve ficar apenas entre os ex-parceiros'', destaca Eliana Riberti. É importante também que o mediador saiba detectar quando o caso extrapola o âmbito da mediação. ''É impressionante como as pessoas querem brigar. Tem gente que alimenta um desejo de vingança muito grande e não quer abandoná-lo de jeito nenhum. Muitas vezes, aconselho as pessoas a procurar terapia individual'', diz Eliana. Quando bem-sucedida, a mediação costuma dar bons resultados. ''Os primeiros seis meses são cruciais. Se o acordo sobreviveu nesse período, terá uma probabilidade de permanecer frutífero. Se surgir um enrosco, a gente faz um ajuste. Porque a família é dinâmica e se modifica rapidamente''. Sinal dos tempos.

Por: Vera Gudin

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