Qual é o limite para a vaidade infantil?

Qual é o limite para a vaidade infantil?

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:13

São 10 horas da manhã e cerca de 60 meninas de 5 a 13 anos chegam de ônibus ao Beto Carrero World, parque temático em Penha, Santa Catarina. Poderia ser só mais uma excursão, mas os cabelos escovados e a maquiagem já mostram que ali está um grupo um pouco diferente. Elas são candidatas ao concurso Miss Brasil Infantil 2010 e se preparam para o primeiro dia de fotos, coreografias e muita pose.

É impossível acompanhar um concurso como esse e não se lembrar de Olive, a personagem da atriz Abigail Breslin em Pequena Miss Sunshine, filme que mostra os bastidores de um concurso de beleza nos Estados Unidos. A carismática personagem é uma menina desengonçada que usa óculos e sonha ser miss. Mas ela tem um jeito diferente das outras candidatas. Em vez de laquê, maquiagem em excesso e unhas feitas, Olive encara o concurso quase como uma brincadeira. E está aí um dos limites desse assunto.

Não importa se é no Miss Brasil Infantil, no filme Pequena Miss Sunshine ou no programa Pequenas Misses do canal de TV a cabo Discovery Home & Health. Concursos infantis de beleza sempre provocam discussões (e, claro, opiniões e julgamentos por parte de todos nós): por que meninas tão jovens querem ser misses? É vontade delas ou das mães? Participar de disputas como essas atrapalha a relação delas com a vaidade e a beleza? “Se é difícil para um adulto, imagine para uma criança. Com certeza há impacto na construção da identidade e da autoestima. De que maneira vai depender de muitos fatores”, diz Carmen Neme, psicóloga da Unesp-Bauru.

Diante das imagens da fotógrafa norte-americana Susan Anderson, dá para se ter uma ideia de por que há tanta polêmica em volta do assunto. São impressionantes. Em seu livro High Glitz (da powerHouse Books, sem versão para o Brasil), lançado em 2009, há meninas de 3 a 13 anos com roupas e penteados extravagantes, cílios postiços, muita maquiagem e até apliques dentários (aparecer banguela? Nem pensar!). Sem ser moralista, a intenção era provocar uma reflexão sobre um mercado que, anualmente, movimenta bilhões de dólares nos Estados Unidos.

No concurso brasileiro, as candidatas a minimisses querem "a" coroa. Claro que muitas também desejam ser modelo ou atriz e veem a competição como, digamos, começo. No concurso brasileiro não há prêmio em dinheiro, nem garantia de algum tipo de contrato. O cenário não é tão exagerado quanto o dos concursos norte-americanos. Há alguns saltos um pouco tímidos e maquiagem, mas tinha, pelo menos, uma banguela. As mães, maioria entre as acompanhantes, não hesitam em dizer que estão ali para realizar os sonhos das filhas.

Pura exposição

É claro que é saudável querer se cuidar e ficar bonita. Aliás, é na infância, com os primeiros cuidados com o corpo, que isso tudo começa. "A criança vai dar mais ou menos valor à beleza de acordo com o ambiente em que vive. Família, amigos e escola são os principais mediadores nisso", afirma Ilana Strozenberg, antropóloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A forma de se vestir e se arrumar também é uma questão de identidade. "Assim como a fala e os gestos, o corpo também é um jeito de se mostrar para o outro", diz a antropóloga. O desequilíbrio nessa relação com a aparência é o problema. Assim como imitar um professor, policial ou bombeiro, colocar o salto e o vestido da mãe, por exemplo, está liberado. Faz parte do treino para a vida adulta. "A vaidade vira um problema quando a criança não pode brincar ou comer um brigadeiro porque vai sujar a roupa, por exemplo", afirma Mara Pusch, consultora de imagem e psicoterapeuta da Unifesp.

E os meninos? "Com as mudanças nos papéis entre os gêneros, há um aumento da vaidade masculina. Eles valorizam mais um corpo bem torneado, estilos de cabelo e roupas. Mas ainda é dificil detectar excessos", diz a psicóloga Carmen. Essa mudança na maneira de encarar a vaidade dos meninos geralmente envolve uma cobrança para que se cuidem. A palavra-chave é novamente o equilíbrio. "Você pode deixar que ele corra na festa de aniversário e fique todo suado. Mas tem que tomar banho quando chegar em casa", diz a psicoterapeuta Mara.

Maratona de profissional

O primeiro dia do concurso começa com uma sessão de fotos, mas à tarde é hora de diversão no parque e elas partem para as xícaras giratórias e o carrossel. Só param às 17 horas: é o momento do ensaio. A maioria sobe à vontade no palco, e as mais tímidas custam para fazer a coreografia. "Tem que continuar dançando", diz Daniela D’Ávila, diretora do evento, mesmo quando a música para. Elas dançam e repetem a entrada no palco uma, duas, três, quatro vezes. No ônibus de volta, grande parte cochila no colo da mãe.

No segundo dia, a maratona recomeça cedo. Antes do café, meninas de todas as idades desfilam de bobes pelos corredores do hotel. Mães saem carregadas de vestidos. A decoradora Michele Kuligoski prepara o babyliss da filha, Mayara, 6. A menina revela o que mais gostou da viagem até aquele momento: "Da piscina!". Ana Clara, 6, vai para o salão de beleza. "Ela não tem muita paciência para pentear o cabelo em casa", diz a mãe, Luciana Coelho, empresária.

Prontas, as meninas formam uma fila, brincam de adoletá e comparam seus vestidos e sapatos. O primeiro traje é o típico, em que representam alguma característica de seu estado. Essa é a parte mais lúdica do desfile, com meninas vestidas como borboletas do cerrado, indiazinhas da região Norte e até a garoa de São Paulo. Depois, elas se apresentam com a roupa "fashion", em rosa e lilás. Por último, é a vez do vestido de gala. Enquanto esperam, elas não parecem entender muito bem onde estão: "Já está na hora de subir no palco de novo?", perguntam. "Desfilar é divertido para as crianças, está tudo bem. O problema é a competição, algo para o qual elas não estão preparadas antes dos 7 anos, fase em que ainda não conseguem fazer abstrações e elaborar bem o que está acontecendo", diz a psicoterapeuta Mara.

Por essas e por outras que a brincadeira acaba na hora do resultado do concurso. A conversa na fila dá lugar ao choro e as meninas são consoladas umas pelas outras (ou pelo colo da mãe). Rhayssa Mota, 7, de Goiás, nem se mexe de tão tensa, enquanto Pietra Reis, 6, do Amazonas, chora antes mesmo do anúncio final. "Ela está achando que já perdeu", explica a mãe. E não são apenas as meninas que caem em lágrimas. A cabeleira Edileti Bellon, mãe da capixaba Iasmin, 5, que ficou em segundo lugar, não se segura. "Você tira uma foto da minha filha, por favor? Eu não consigo", diz, com as mãos tremendo.

O primeiro lugar fica para a paranaense Alana Tramontin, 6. "Ela participou de três concursos e ganhou todos. Meu medo é ela achar que vai ser sempre assim. Eu nunca deixo de dizer que ela poderia perder também", diz a mãe, a pedagoga Luana. Ironicamente, o sonho da vencedora não está exatamente ligado à beleza. "Quero ser veterinária, para cuidar dos cachorros", afirma a menina. O terceiro lugar ficou para a paranaense Sthefany, 7, visivelmente cansada da maratona, assim como sua mãe, a comerciante Michela Maria Moraes. Para Jhennifer Cunha, 5, do Rio Grande do Norte, foi reservada somente uma faixa de um dos prêmios de destaque. Porém, ao ser fotografada para a reportagem de CRESCER, ela também carrega uma coroa. "Nós trouxemos para ela", conta Jackson Cunha, tio da menina, longe dos ouvidos dela. Enquanto as finalistas comemoram, muitas famílias já fizeram as malas. Se perdeu a competição, é porque a brincadeira acabou.

Confira algumas fotos do concurso:

Eduarda, “vestida de Mato Grosso”, como ela mesma definiu

Iasmin exibe seu roxo com bolinhas para a categoria “fashion”, em que os acessórios estão liberados

Pietra, de índia representando o Amazonas, chorou antes mesmo saber que havia sido desclassificada

Alana venceu o Miss Brasil Infantil na categoria mini. Ela vence todos os concursos que participa

Por: Simone Tinti

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