Quando há o abandono

Quando há o abandono

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:26

Quando falamos da situação psicológica de crianças e adolescentes em situação de abandono é importante analisarmos quais as condições necessárias para um desenvolvimento psicossocial saudável dos mesmos; ou seja, entendermos qual seria o caminho para que a criança tenha uma vida normal. O desenvolvimento destas dependerá de diversos fatores: um ambiente que proporcione amor, carinho, respeito e condições físicas (alimento, higiene). Esses fatores são imensamente importantes para que a criança possa crescer saudável do ponto de vista psicológico, fisiológico e social.

Toda criança tem o direito de crescer num lar amoroso, atento às suas necessidades e sem privações. Isso significa que a criança terá experiências pessoais que irão facilitar a construção de uma personalidade sadia e ter boa saúde física, maior tolerância a frustrações, enfim uma forma mais positiva de vivenciar as situações diárias da vida. Caso contrário, estas crianças podem ter baixa autoestima e diversas frustrações futuras, ocasionadas devido ao ambiente inadequado em que viveram.

Pensando na relação mamãe x bebê, observa-se a importância da mãe ou da cuidadora demonstrar afeto, carinho, todos os cuidados básicos com um bebê, sendo que será a partir dessas primeiras sensações, experiências com bebê, que ele criará uma condição saudável e positiva com a vida, pois a partir do outro que ele começará a se reconhecer de forma amorosa e positiva; ou seja, se receber carinho, atenção, amor, alimento, o bebê se sentirá bem e amado.

Quando ocorre o contrário, quando um bebê fica exposto a estímulos negativos (fome por muito tempo, maus tratos, violência física e/ou verbal), isso trará a ele muitos danos psicológicos, caminhando na contramão de um desenvolvimento considerado adequado. A perda do amor no convívio familiar é uma das causas que contribui para a perda da autoconfiança, a confiança no outro ser humano, haja visto, que foi abandonado pelas pessoas que deveriam lhe proteger.

Crianças e adolescentes que foram retirados de suas famílias, como medida de proteção, acabam percebendo essa situação, como uma repetição da violência, e não se sentem em nada protegidos, podendo criar um grau de desconfiança nas suas relações com o mundo. Será preciso tempo e dedicação dos profissionais que estiverem trabalhando com eles, no sentido de auxiliá-los no resgate de sua autoconfiança e confiança nos outros. Muitas crianças que foram abandonadas vivenciaram no convívio com suas famílias situações de negligência, violência física, violência sexual, violência psicológica, privação de alimentos, de higiene, de saúde, enfim, diversos tipos de maus tratos que possivelmente deixarão marcas profundas nesses indivíduos.

Por isso elas podem se comportar de maneiras diversas, mas com toda certeza estarão lidando com sentimentos de menos valia (baixa autoestima), raiva (que poderá estar contida ou declarada), medo de ser novamente abandonado, autodestrutividade, entre outros fatores. Os comportamentos que as crianças vão desenvolver podem ser diversos, dependendo de como vão lidar com os traumas vividos e também do suporte que terão de profissionais capacitados para lidar com essas situações. Podem desenvolver doenças psíquicas tais como: Personalidade anti-social, agressividade, depressão, baixa tolerância a frustrações.

Apesar disso, essas crianças e adolescentes podem reconstruir suas vidas se estiverem próximos de pessoas que consigam lhes transmitir amor, respeito, valores morais, limites, proteção e orientações adequadas. Um conceito utilizado pela psicologia, mas que vem das ciências exatas (mecânica e engenharia) é o da resiliência - são pessoas capazes de vencer as dificuldades, os obstáculos, por mais fortes e traumáticos que eles sejam. No caso de crianças e adolescentes em situação de abandono, vítimas de negligência e de abuso, por exemplo, são mostrados, a eles, que apesar dos traumas sofridos, é possível superar a situação e retornar a uma vida de maneira saudável. Neste processo é importante contar com o apoio de todos que as cercam, pois será decisivo na recuperação da autoconfiança delas.

Outra técnica utilizada pela psicologia para ajudar crianças com traumas é o Fanb Play, com a ajuda de uma caixa de areia com diversas miniaturas que representam o mundo, meninos e meninas são estimulados a representar o mundo em que vive ou viveram. A técnica lúdica possibilita com a brincadeira um processo que faz com que a criança se expresse e assim supere os problemas enfrentados.

Sendo assim, apesar da situação psicológica das crianças e adolescentes vítimas de abandono ser bastante traumática, ela não define ou garante que essas pessoas serão incapazes de ter uma qualidade de vida normal. Por isso é de extrema importância que toda a sociedade e o poder público voltem suas atenções a elas, de maneira a apoiá-las na reconstrução de sua autoimagem, criando novas possibilidades de relações afetivas positivas, de vivenciarem experiências fortalecedoras, para que se sintam capazes de enfrentar os obstáculos da vida de forma positiva e criativa.

por: Luciane Evangelista de Oliveira Claro é psicóloga, formado pela UNIP - Universidade Paulista e Pós- Graduada na UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo. Cursou formação profissional pelo Núcleo Espiral em Prevenção da Violência contra Crianças e Adolescentes: Novos recursos de intervenção. Desde 2007 trabalha no Lar Escola Cairbar Schutel (www.cairbarschutel.org).

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