Quando os joelhos se dobram

Quando os joelhos se dobram

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 3:28

Estefância Kraft

Meus olhos ardiam em lágrimas enquanto seguiam minha filha de 24 anos passando pela divisão de imigração do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Ela estava embarcando no primeiro de alguns vôos para uma longa viagem que a levaria ao Oriente Médio para estudar a língua árabe. Depois de muitas horas, estaria chegando a um mundo completamente desconhecido, uma realidade sobre a qual eu pouco sabia e nunca experimentara.

Em pé, naquele lugar, em um espaço totalmente ocupado pelos familiares dos vários passageiros, percebi que também estava ocupando um lugar especial no tempo. Dei conta de que eu fazia parte de uma linhagem de mães que, no decorrer de pelo menos três gerações em minha família, deixaram suas filhas se lançar ao desconhecido. Minha avó, no auge da Segunda Grande Guerra, vivenciou a saída da minha mãe de seu lar na Polônia. Trinta anos depois, quando eu estava com 17 anos, minha mãe deixou-me sair de casa para iniciar a caminhada rumo ao meu chamado missionário para a América Latina.

E agora, lá estava eu, 30 anos depois, assistindo à minha filha primogênita e solteira dar um passo na direção de um contexto que tinha como sua única certeza a incerteza. E o fio que me liga à minha filha é o mesmo que, lá atrás, ligou-me à minha mãe, e à mãe dela a ela: a oração.

Qual é o valor da oração de uma mãe? Creio que seu valor é inestimável, pois somos membros de uma comunidade de fé que se estende além do tempo e penetra o mundo inteiro, apesar das incríveis diferenças culturais. Pensando assim, podemos listar vários motivos pelos quais a oração é tão preciosa.

Há valor para quem é o objeto das orações

Minha infância está repleta de descrições da fé da minha avó e histórias de livramentos milagrosos que minha mãe e seus irmãos experimentaram.

Enquanto lavava louça ou dobrava roupas, minha mãe descrevia situações impossíveis da guerra para as quais, humanamente falando, não havia saída. Mas, como resposta aos pedidos da minha avó pela misericórdia do Senhor, ele providenciou escapes de bombardeios, de doenças (como tuberculose), de ocupações inimigas e de calúnias.

Foram os testemunhos que minha mãe relatou-nos que, mais tarde, me deram a coragem de que eu precisava para dar meus próprios e ousados passos de fé. E enquanto as respostas às orações nas grandes crises impressionaram-me quando menina, foram os relatos da fidelidade de Deus até nas pequenas lutas - como provisão diária da alimentação ou oportunidades para servir vizinhos angustiados - que me ensinaram como meu Pai celestial é mais do que capaz de cuidar bem de mim, de minha família e dos outros.

Mais tarde, já como mãe, freqüentemente recordava dos vários desastres dos quais fui poupada devido à intercessão fiel de minha mãe. De quantas conseqüências negativas fui livrada, por falta de juízo, imaturidade ou teimosia, porque minha mãe estava clamando diante de Deus em meu favor! Sem dúvida, os filhos são muito abençoados quando suas mães oram por eles.

Há valor para nós, mães, quando oramos.

Para quem tem filhos vivendo em circunstâncias fora do nosso controle (está é a realidade para todas as mães, algumas mais, outras menos), existe a tendência de insistirmos com Deus para que as coisas nas vidas deles sejam do jeito que pensamos ser o melhor. Queremos que eles sejam saudáveis, alegres e estejam seguros. Pode acontecer de nos encontrarmos instruindo Deus sobre como as vidas deles devem ou têm que ser. É somente quando nos prostramos diante do Senhor em oração que percebemos que esta atitude de insistência, de exigência, é, de fato, pecado.

Quando nosso filho estava com de dez anos (em 1991), esteve às portas da morte devido a uma meningite. Eu insistia com Deus para curá-lo, pois, do contrário, nossos amigos e familiares incrédulos diriam que Deus tinha sido cruel ao tirar a vida do filho de missionários (sempre temos justificativas!) Pensei que estava zelando pela reputação de Deus diante do mundo. Quando reconheci que minha oração não era um pedido, mas uma exigência disfarçada, pedi perdão e encontrei a paz e a força que precisava para encarar os dias difíceis de intermináveis exames médicos e do tratamento hospitalar.

Nosso filho sobreviveu. Aprendi, porém, que quando exijo que Deus faça alguma coisa - qualquer coisa -, estou me colocando acima dele e, desta maneira, agindo de forma errada.

"Aprendi que quando exijo que Deus faça qualquer coisa, estou me colocando acima dele e, desta maneira, agindo de forma errada"

Quando oramos, quando desnudamos nossos corações diante dele, enxergamos quão manipuladores e controladores somos capazes de ser. Aí, também reconhecemos quão gracioso ele é para perdoar nosso orgulho de pensar que somos nós, e não ele, quem sabe o que é o melhor. Quando as mães oram há valor para a comunidade da fé.

Minha família está espalhada por três continentes. Não passa um dia sequer que não acorde pensando no bem-estar do meu filho e da minha filha, os dois agora jovens adultos, e na minha mãe que, este ano, deverá completar 80 anos. Imagino como meus filhos estão indo nos estudos, nas amizades, no relacionamento com Deus e também na lida cotidiana de minha mãe idosa.

No entanto, não carrego estas preocupações sozinha. Pertenço a uma comunidade de fé com a qual meu marido e eu dividimos nossos fardos. Os irmãos da igreja perguntam-nos regularmente se temos notícias da "filhota" no Oriente Médio, se o "garoto" nos Estados Unidos conseguiu emprego para trabalhar após a formatura que está se aproximando e se a "mãezinha" continua trabalhando e ativa em suas atribuições na igreja. E mesmo quando não tenho notícias animadoras para compartilhar, sempre sou abençoada ao conversar e orar com aqueles que me amam e, por tabela, também amam os meus queridos.

No Conselho de Missões da nossa igreja local, há uma grande ênfase na oração específica por nossos missionários. Temos famílias trabalhando entre os povos indígenas, implantando igrejas no Rio Grande do Sul e no Nordeste, cuidando de órfãos em Moçambique, trabalhando na Espanha e Ásia etc. Todo mês, a primeira parte da reunião é dedicada totalmente à oração pelos missionários, suas famílias e seus ministérios. Os homens e as mulheres que fazem parte deste conselho, do qual também meu marido participa, são tão impactados pelo amor de Deus e pelas necessidades do campo quanto os missionários pelos quais intercedem. Realmente, quando oramos com outros do Corpo de Cristo, é como se nossas preocupações se tornassem também deles.

Então, qual é o valor da oração de uma mãe? De fato, é inestimável pois, à medida que oramos, estamos abrindo mão de nossos filhos, de nossa família e de tudo que temos nesta vida, descansando na providência de Deus e, assim fazendo, ganhamos Cristo. "Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por quem perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar Cristo e ser encontrado nele, não tendo a minha própria justiça que procede da Lei, mas a que vem mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus e se baseia na fé" (Filipenses 3.8-9).

Que melhor herança existirá para podermos passar a nossos filhos, netos e bisnetos do que vivenciar diante deles a dádiva da vida eterna em Jesus, com sua alegria abundante e paz que excede todo o entendimento?

Estefânia Kraft é missionária do Serviço de Evangelização para a América Latina. Mora no Brasil há 15 anos com seu marido, Lourenço. São integrantes do Projeto Brasil 2010, movimento de implantação de igrejas no país.

Sugestão de leitura Oração, de Jorge Linhares (Getsêmani)

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