Sem sensibilidade e sabedoria para dialogar, pais imaturos ditam regras

Sem sensibilidade e sabedoria para dialogar, pais imaturos ditam regras

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:20

Quando o homem guarda ressentimentos por não ter conseguido satisfazer os seus desejos de filho ou espera da paternidade a realização de um sonho de família não alcançado quando menino, a criança pode passar por sérias dificuldades. Sabe aquela coisa de vir ao mundo para satisfazer expectativas alheias?

Segundo o psicólogo e psicanalista Rubens Maciel, querendo ser o melhor pai do mundo, tentando desempenhar esse papel com muito mais competência do que o seu próprio pai, o homem pode acabar exigindo que o filho viva em função dele, em busca da satisfação dos desejos dele.

"A idade cronológica é diferente da idade emocional, você tem uma pessoa de quarenta anos que vai ser pai, mas, que tem desejos inconscientes, muito pouco claros, no sentido de que ele ainda deseja ser um filho. É uma carência de uma família que não foi realizada da maneira como ele queria. Não é uma coisa dita, é o significado que você infere nas conversas, nas posturas dessa pessoa", afirmou.

Em geral, esse pai imaturo demonstra uma dependência muito grande do afeto da mulher e vive exigindo resultados e comportamentos do filho muito mais do que oferecendo suporte a ele. A postura em relação à vida, apesar da idade adulta, é muito mais a de ser atendido do que a de atender. No seu dia a dia, ele não tem uma atitude vigorosa e competitiva de quem vai buscar a própria realização.

"Você percebe no jeitão do sujeito, uma linha nessa coisa da dependência, do queixume, de o destino não me favoreceu. Isso no tratamento analítico e na teoria também, mas, principalmente, no tratamento, você percebe que são questões infantis que foram pouco elaboradas. O sujeito não conseguiu amadurecer, não conseguiu abrir mão desse desejo de ser atendido, que começa lá com o pai e com a mãe, e aquele desejo não satisfeito permanece durante a vida, só que é transferido. A pessoa já não vê com o pai e com a mãe, mas, com o chefe, com os amigos, com a mulher...", explicou.

Segundo Rubens Maciel, esse cara é um pai exigente que está sempre reclamando, que não consegue ver o filho com as suas capacidades e limitação, que não é capaz de fazer um elogio para valorizar algo positivo e dar uma força para que ele se desenvolva superando alguma dificuldade.

"Esse pai espera que aquele filho viva para ele, que tire boas notas, que tenha um bom comportamento, que seja bonitinho. É um pai que espera um desempenho do filho porque ele tem as suas necessidades, as suas carências, e espera que o atenda. Espera que a mulher fique a lhe dar atenção e resolva a vida dela levando-o em consideração muito mais do que seria razoável. Não é só cobrando resultados do filho. Essa pessoa com personalidade imatura tem essa atitude em relação à vida, aos amigos, aos próprios pais", salientou.

Esse pai extremamente exigente, autoritário, impõe regras muitas vezes sem significado para a criança. Ele quer que o filho aprenda a tocar piano simplesmente porque acredita que é bom para a educação dele. Ele quer porque quer que o filho aprenda piano.

"É uma regra que o cara nem entende porque que não tem a sensibilidade de se adaptar. Primeiro, de perceber se o filho tem essa necessidade, se tem esse talento, se é tão importante essa disciplina extrema. O filho pode querer outra coisa, e a vida não se resume a uma disciplina tão rígida", disse.

Para o psicanalista, em vez de ditar regras para manter a autoridade a todo custo, o pai maduro tem sabedoria para dialogar com o filho e estabelecer limites. "O pai experiente vai levar em consideração a sua própria vida, vai levar em conta que os desejos da criança precisam ser atendidos, não absolutamente, é claro, mas também tem que ser ouvido. Então, essa autoridade emana de uma maturidade do pai e não de regras autoritárias, onde não existe flexibilidade.

Rubens Maciel acredita que o pai oferece um ótimo exemplo quando não tem medo de ceder diante de um bom argumento do filho. "A criança vai sentir que existe tolerância, bom senso e atenção à necessidade dela. É um exemplo importantíssimo para a formação da criança", ressaltou.

Ciúme do filho

Alguns pais sentem ciúme do filho e não conseguem encarar com tranquilidade o período de intensa dedicação da mãe ao filho nos primeiros tempos de vida. Para Rubens Maciel, pode ser um caso de Complexo de Édipo mal resolvido. O Édipo é a intervenção de um terceiro numa relação dual, que começa com a criança em relação à mãe, e o pai se mete no meio.

Essa disputa precisa ser encarada e o pai precisa ganhar a parada. O homem que não fez boas elaborações psíquicas enquanto criança, vai viver com a mulher e o filho nos mesmos moldes da vivência com o pai e a mãe.

"Eu queria a mamãe só pra mim, o meu pai se meteu no meio, como o meu pai é muito forte, muito grande, eu não vou competir com ele. Aí, ele arruma uma namorada e quer que ela desempenhe aquele papel infantil de exclusividade da criança, e chega um terceiro. O adulto, que não resolveu essa questão, de que existem outros, vai sentir a mesma coisa em relação à criança. O filho vem intervir afastando, tirando toda a atenção que era exclusiva de marido e agora se dirige à criança também", explicou.

Infantilizado é diferente de brincalhão

A maturidade é demonstrada por uma série de comportamentos. Segundo Rubens Maciel, a brincadeira é extremamente saudável, mas, pode dar indicações de infantilidade quando avaliada em conjunto com outras características da personalidade do pai.

"Brincar com a criança pode ser muito saudável desde que o pai seja maduro, tenha uma boa relação com a mãe, trabalhe, seja responsável. O cara que quer ser surfista o resto da vida, é descuidado com o futuro, é descuidado com a saúde, você vai vendo no conjunto", explicou.

Para o psicanalista, não só com o filho, mas nas relações humanas em geral, o pai é um "molecão". Se não percebe ou trata os outros de forma pouco madura, a brincadeira não é o problema é um sinal dele.

Rubens Maciel é psicólogo e psicanalista , professor universitário e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPQ. Blog: Conversando com o Psicólogo.

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