Todo mundo tem um filho favorito?

Todo mundo tem um filho favorito?

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:54

Os irmãos Corinne, 27 anos, e Mark, 22, sempre se provocam mutuamente sobre quem é o “queridinho” da família. E até hoje reclamam para os pais quando acham que um está sendo mais favorecido do que o outro. Não conheci Corinne e Mark pessoalmente, mas posso imaginar as cenas. Afinal, quem nunca presenciou um diálogo desses em família? Tudo o que vi desses dois irmãos foi uma foto deles adultos, que na verdade não tinha nada demais: eles estão elegantes para uma festa, ao lado da mãe, dando muita risada, felizes. Ela é a terapeuta norte-americana Ellen Weber Libby, que me enviou a foto para eu conhecê-los melhor, e não resistiu em tirar um sarro, mas do tipo saudável, claro. “Como você pode ver, os dois estão se divertindo comigo e ambos acreditando ser o tal ‘filho número 1’.”

Psicoterapeuta há mais de 30 anos em Washington, Estados Unidos, a questão de se existe ou não um filho favorito sempre fez parte de suas principais reflexões. E essa curiosidade culminou no lançamento de The Favorite Child, How a Favorite Impacts Every Family Member for Life, (ou O Filho Favorito – Como um Favorito Impacta Cada Membro da Família para a Vida, em tradução livre, da editora Prometheus Books, e ainda sem previsão para lançamento no Brasil). Nele, pesquisas e histórias, muitas histórias – que vão desde casos ouvidos em seu consultório até a infância de ex-presidentes norte-americanos.

Logo nas primeiras páginas, a autora afirma o que os pais não admitem nem para a sua sombra: toda família tem um filho favorito. E Ellen não chegou a essa conclusão só por uma briga ou outra dos filhos, ou por causa de algumas famílias observadas: ela foi tão longe no assunto que a razão para escrever sobre o tema veio de personagens ilustres, como políticos que se deitaram em seu divã. Acostumada a ouvir secretários de governo, embaixadores e até agentes do serviço secreto em seu trabalho, ela percebeu que grande parte deles cresceu como o número 1 da casa – assim como aconteceu com todos os ex-presidentes dos Estados Unidos desde Roosevelt, incluindo o atual, Barack Obama. Depois de reunir tanta pesquisa, o grande “estalo” para escrever o livro veio com o escândalo de Bill Clinton e a ex-estagiária Monica Lewinsky, em 1998. “Fiquei pensando no motivo de ele ter preparado tamanha armadilha para a sua carreira e percebi que, como filho favorito de sua mãe, Clinton cresceu acreditando que as regras não se aplicavam a ele, e que conseguiria se livrar dessa situação”, afirma Ellen em entrevista exclusiva à CRESCER. E quem se perguntar sobre o nosso famoso ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, temos uma suspeita: segundo a historiadora Denise Paraná, biógrafa e autora de A História de Lula – O Filho do Brasil (Ed. Objetiva), podemos dizer que Lula foi criado nas condições de filho favorito. “A mãe depositou nele toda a chance de ascensão social da família. Ele foi o último filho homem e o único que estudou e trabalhou ao mesmo tempo. A expectativa era que ele ‘desse certo’.”

Se o objeto de estudo de Ellen é um tanto distante para você, saiba que entender o favoritismo não é mesmo tão simples. Tem mais a ver com as expectativas e necessidades do pai e da mãe do que com as características de cada criança. Ah, e acredite: ter um filho favorito não significa que você o ama mais do que os outros!

O número 1 pode ser o que preenche todas as características imaginadas ainda na gravidez: será que vai ser médico? Vai ter os olhos do pai? Ou cabelos encaracolados como os da mãe? Pode, ainda, acontecer com a primeira menina depois de uma sucessão de meninos, ou se a criança for a que carrega o nome do avô. Quando cresce, o preferido é aquele que escuta seus conselhos ou que não perde uma partida de futebol com você no fim de semana. “Tem a ver com o momento de cada família, com a personalidade dos pais ou com valores transmitidos. É inconsciente”, diz Maria Luisa Castro Valente, psicóloga e professa da Unesp de Assis (SP). E a afirmação de que o favoritismo não representa o amor? Para Ellen Libby, os pais podem amar todos os filhos e ainda assim favorecer um deles. Já a psicóloga Vera Lucia Lotufo Belardi, da Unifesp (SP), tem outra explicação. “O que acontece é que os filhos têm personalidades distintas, e são parecidos ou com o pai ou com a mãe. É uma questão de identificação, e não de quem gosta mais de quem”, afirma. Aliviou?

Favorito por quê?

O filho com alguma dificuldade ou que é mais dependente faz com que cresça mais protegido, e isso é apenas um passo para o favoritismo. Acontece com a dona de casa Catherine Neves Barabás, 32 anos, mãe de Samuel, 12, e Mariana, 7. Quando seu primeiro filho nasceu, ele teve meningite e precisou ficar mais tempo no hospital. Até hoje tem mais atenção da mãe. “Cada um tem um temperamento diferente e posso dizer que os dois me dão trabalho. Mesmo assim, Samuel é sempre visto como o preferido. Não me culpo por dar mais atenção para um, porque sei que isso está ligado às necessidades diárias, e não ao amor. Mas que a Mariana reclama, ah, reclama...”, diz.

Não são apenas as características físicas ou psicológicas, portanto, que são levadas em conta. Quem nunca ouviu falar que os homens são sempre os queridinhos? Ou que os caçulas são os menos cobrados pelos pais? Uma pesquisa do website britânico Netmums com 2.672 internautas mostrou que as chances de uma mãe ser mais dura com a menina do que com o menino é duas vezes maior e, apesar de mais da metade achar essa distinção errada, 21% repreende mais as meninas. Quanto à preferência pelos caçulas, a razão pode estar na atitude natural de cuidar do mais novo. “Conforme a criança fica mais velha e aquele adorável bebê se transforma naquele não-tão-adorável-pré-escolar, o favoritismo pode mudar. Isso é verdade em todo o mundo”, diz Judith Rich Harris, autora de Não Há Dois Iguais – Natureza Humana e Individualidade (Ed. Globo). Ou seja: na escala de irmãos, o primogênito pode assumir a presidência da empresa da família, mas o caçula ainda mantém as regalias. Você já viu um filme com essa história, não?

A estilista Keynne Sampaio, 36 anos, é mãe de Letícia, 8, Larissa, 6, e Louise, 5. Moradora de Fortaleza (CE), ela conta que a mais velha foi a primeira neta e sobrinha e, por isso, sempre foi muito paparicada. No entanto, logo chegaram as irmãs e o “reinado” se desfez rapidamente. “A Letícia teve que me ajudar desde o início – imagine como era descer do carro com três crianças pequenas!”, diz. Hoje, a mãe assume que Letícia é “louca pelo pai”, com quem é muito parecida, enquanto a caçula é mais próxima a ela. “Durante a gravidez da Louise, meu marido precisou trabalhar em outra cidade e, assim, não participou tanto da gestação dela quando das outras duas. Então, acabei dando mais atenção a Louise desde o começo e hoje todo mundo acha que eu sempre a defendo. Como é a mais danada das três, tudo o que acontece acham que a culpa foi dela”, conta Keynne. No meio das duas, Larissa acabou sendo a mais manhosa. “A gente a chama de ‘gato angorá’, porque ela pede atenção o tempo todo”, afirma a mãe.

É claro que ser o favorito (e fonte de toda atenção dos pais), contribui para um desenvolvimento saudável. Mas, como Ellen constatou, há desvantagens. Enquanto ele ganha em autoestima, confiança e otimismo, também tende a se sentir obrigado a atingir todas as expectativas dos pais. Pesquisadores da Cornell University, de Boston (EUA) levaram o tema “filho favorito” a 275 famílias e viu que o “escolhido” pode sofrer até de depressão. “Não se tornar o que os pais sonham atrapalha o filho que cresceu como o preferido. Já o que nunca recebeu muita atenção pode se sentir mais livre e se dar bem na vida”, explica a psicóloga Maria Luisa.

E assim como as situações em família mudam, o filho favorito pode ser ora um, ora outro. Para Ellen, esse balanço seria a maneira mais saudável. Em sua casa, é assim que ela e o marido, Hank, fazem com Corinne e Mark. Enquanto o menino tem senso de humor e é aquele que faz a mãe rir quando está amuada, a irmã é mais sensível e está sempre a postos para conversar nos momentos em que alguém está triste.

Vantagens em ser o favorito

• Adquire a confiança necessária para ultrapassar os desafios

• Recusa “não” como resposta

• Aprende a cultivar relações com pessoas importantes como professores, mentores e chefes

• É otimista

• Tem chances de se tornar um líder

Desvantagens em ser o favorito

• Torna-se autoritário

• Acredita que as regras não se aplicam igualmente a ele

• Tende a ser manipulador

• Não espera ser responsabilizado pelo seu comportamento

• Não costuma ser honesto consigo mesmo e nem adquire a liberdade necessária para ser ele mesmo

• É mais vulnerável a desenvolver sintomas de depressão, alcoolismo e outros vícios, além de ter problemas em lidar com a intimidade

Relações de verdade

Assumir o favoritismo não é dizer, em alto e bom som, que determinada criança é sua preferida. E muito menos agir sempre a favor de uma, esquecendo-se da outra. É entender que, possivelmente, você vai tratar os filhos de jeitos diferentes, e em momentos diversos. Equilíbrio, portanto, mais uma vez é a regra.

“É importante admitir que você se identifica mais com um do que com o outro, quem é essa criança e como ela preenche suas necessidades”, afirma Ellen. Quando os pais conseguem manter uma relação de respeito, aí, sim, é possível contribuir positivamente para formar a personalidade de todos os filhos – e para isso, não importa se um deles será, ou não, o próximo presidente do país.

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