Traição na própria cama: poucos perdoam, ninguém esquece

Traição na própria cama: poucos perdoam, ninguém esquece

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:41

A mulher que veio ver o advogado especialista em divórcios Ken Altshuler estava furiosa e tinha motivos para isso: seu marido não apenas estava tendo um caso, como era do tipo fantasioso e extravagante em que dinheiro não é problema. Ele havia levado a amante ao Taiti e mandava flores para ela. Mas o que mais a enlouquecia era o lugar onde ele muitas vezes havia transado com a outra – a cama do casal.

“Ela estava completamente obcecada por isso”, diz Altshuler, advogado do estado norte-americano do Maine e presidente da American Academy of Matrimonial Lawyers. “’Você fez sexo com aquela mulher na nossa cama’ – isso se sobrepunha a todo o resto. Durante um ano do processo de divórcio, toda vez que uma questão surgiu, esse fato fazia parte dela. Nós íamos discutir a disponibilização da casa para venda e ela dizia: ‘A casa onde ele levou aquelazinha para nossa cama?’ Ou, quando discutíamos a divisão de bens, ela dizia: ‘Ele pode pegar a cama e enviar naquele lugar’”.   Como a cliente de Altshuler descobriu que seu marido usava a cama do casal? “Ele admitiu depois que foi descoberto”, diz, com aquele tom de quem há duas décadas e meia observa a estupidez humana e ainda tem a comovente capacidade de se surpreender. “Acho que ela descobriu gastos no cartão de crédito e ele confessou. Então ela perguntou onde ele a traía e ele respondeu ‘na nossa cama, onde mais’. Para em seguida se arrepender”.

As convenções mudam. Uma mulher não é mais obrigada a carregar uma letra escarlate por ter um filho fora do casamento; divórcio não é sinônimo de escândalo; e não é surpresa descobrir, quando um casamento acaba, que uma terceira pessoa estava envolvida. Mas mesmo numa cultura sexualmente liberal, o lar é geralmente preservado, como se fosse protegido por um campo de força invisível. E a cama marital – uma expressão que parece singelamente fora de época – continua um objeto sagrado.

Todos, com exceção de um dos 18 especialistas entrevistados para esta matéria disseram ter visto raramente ou nunca casos de adultério dentro de casa, apesar de os advogados terem se deparado com mais casos que os terapeutas. Quando acontece, no entanto, as conseqüências são geralmente terríveis: casos extraconjugais são dolorosos para um casamento, mas aqueles que acontecem na cama do casal podem ser fatais para a relação.

Em uma pesquisa informal e sem valor científico realizada a pedido do “The New York Times” pelo site CafeMom.com, cuja audiência é especialmente de jovens mulheres casadas, mais da metade das 500 entrevistadas responderam que seus casamentos “definitivamente não sobreviveriam” se seus maridos fizessem sexo com outra mulher em suas camas. Por outro lado, quando a pergunta foi sobre adultério “fora de casa”, menos de um terço afirmou que não conseguiria superar.

“Doeria, não importa onde acontecesse”, respondeu uma das entrevistadas. “Mas se fosse na nossa casa, seria um tapa na cara”.

Poucos casamentos sobrevivem a este tipo de crise – e ainda menos camas. Richard Roane, um advogado de divórcios de 52 anos, diz que viu cerca de uma dúzia de casos nos cerca de 2.200 divórcios em que trabalhou. Ele brinca que sempre diz aos clientes que, no mínimo, eles terão que comprar uma cama nova. Ele conta de uma esposa traída que pediu que o advogado queimasse a cama, e outra que colocou o lugar do adultério na entrada de sua casa.

Roane diz que teve um caso de uma mulher que nunca descobriu que o marido, seu cliente, a traía no sofá da sala deles – coisa que o próprio advogado só descobriu durante uma negociação. “O marido sussurrou no meu ouvido: ‘ela pode levar o sofá, eu não quero’”, diz. “Ele estava gostando de deixar que a mulher levasse, sem saber, o sofá onde ele dormia com a amante. Nós vemos os piores tipos de comportamento durante divórcios”.

Randall M. Kessler, advogado de divórcios que preside a seção de Direito de Família da American Bar Association, já viu sua cota de ira sobre leitos conjugais. Ele lembra de um incidente envolvendo um advogado – que, ele faz questão de ressaltar, não era de sua firma. “Eles estavam dividindo os móveis”, Kessler diz. O marido “estava tendo um caso, e ficou com a cama. Quando ele e a nova namorada foram usar a cama pela primeira vez, descobriram que a agora ex-mulher havia entalhado na cabeceira o nome da outra seguido de um palavrão”.   Aspectos legais Kessler diz que o fato de uma das partes estar ou não cometendo adultério foi irrelevante nos processos de divórcio. Mas ele alerta que as leis de divórcio nos EUA variam de estado para estado, e que o adultério pode influenciar questões de dinheiro e custódia.

“Na Geórgia, alguém que tenha um caso que provoque o divórcio não tem direito a pensão”, diz. “O adultério em alguns estados é relevante no que diz respeito à divisão de propriedade. Mas, no fim, o Direito de Família é determinado por seres humanos, e quando você pede que um ser humano decida em seu favor, você quer que ele goste de você e desgoste da outra parte. O fato de a outra parte ter feito sexo com outra pessoa na cama do casal pode fazer com que o juiz desgoste dele. É o básico do bom senso”.

E sim, os advogados dizem que viram as pessoas que traíram na própria casa serem punidas. “Na minha experiência, o adultério que acontece dentro de casa choca a consciência de todos os envolvidos – e do juiz”, diz Roane. “Eu já representei cônjuges adúlteros, e é nesses casos que recomendo fortemente que meu cliente resolva suas coisas e dê um pouco mais da metade de tudo para o outro lado, fazendo um acordo sem juiz”. Ele acrescenta: “Seu lar é onde as crianças estão. Quando você descobre que seu cônjuge está traindo, e no espaço mais íntimo de seu lar, é uma quebra de confiança. É o máximo da mesquinharia e insensibilidade”.

Lembra aquele dia há 40 anos? Pergunte a advogados e terapeutas por que alguém cometeria adultério dentro de sua própria casa e você vai receber uma variedade de respostas: para hostilizar o parceiro; desejo de ser descoberto; é mais discreto que um hotel; é conveniente; é uma decisão feita sob uma mistura de impulsividade, impunidade e oportunidade; casa é onde a babá está. Mas todos concordam em uma coisa: uma vez descoberto, não é algo que as pessoas tendem a esquecer.

Don-David Lusterman, um psicólogo de Nova York e autor de livros sobre terapia familiar e de casais, uma vez atendeu um casal casado há 40 anos. Na primeira consulta, ele disse que os olhos do marido estavam tão arregalados que ele pediu que o homem fosse examinado por um médico para saber se havia algo errado. Mas ele estava apenas extremamente nervoso. Ele tinha dito a sua esposa que pretendia ter um caso e que ela teria que aceitar. Ele decidiu que eles vissem um terapeuta para tentar descobrir por que seu marido tinha feito uma exigência tão alheia a seus princípios.

“Nós trabalhamos, trabalhamos, e um dia ela disse: ‘você acha que tem a ver com aquilo que aconteceu no nosso primeiro ano de casados?”’ Lusterman diz. “O homem respondeu: ‘acho que não’. Então eu perguntei o que havia acontecido. Silêncio mortal.” Até que a mulher decidiu revelar que um dia ele voltou para casa e a encontrou com outro homem na cama. O marido mandou o outro embora, virou-se para ela e disse: “Nunca mais quero ouvir uma palavra sobre isso”. “E, muito obedientemente, eles nunca mais falaram disso”, afirma.

Mas a raiva do marido sobre o ocorrido nunca passou, diz o terapeuta. Recentemente, ele conheceu uma mulher e se sentiu atrapido, o que o incomodou, já que violava seus valores. Mas uma vez que ele expressou sua raiva para a mulher, descobriu que não precisava ter um caso. O casamento sobreviveu. Uma questão de sobrevivência Susan Bender, é uma advogada de de Nova York que há 31 anos trabalha com divórcios. Ela estima que 10% dos clientes da firma ou seus cônjuges cometeram adultério dentro de casa. Ela cita inúmeras razões, incluindo a óbvia e pragmática “em NY os hotéis são caros”.

Às vezes, há a sensação de menos risco em ser descoberto em casa do que em um hotel, ela acrescenta. Esse foi o caso de duas mulheres casadas e com filhos, que tiveram um caso por anos. Até que o marido de uma delas chegou em casa de repente e as flagrou na cama. “Elas não estavam fazendo sexo, mas estavam nuas”, diz Bender. “Elas negaram que estivessem transando. Eu representei o marido e disse ao advogado delas que nem se incomodassem em negar, porque nós tínhamos ótimos investigadores”.A advogada lembra ainda que ser descoberto na própria cama já foi um meio muito usado para forçar um parceiro relutante a aceitar o divórcio.

Outra cliente descobriu o que Bender chama de “clássico” – o marido estava tendo um caso com a babá. Mas ir ver um advogado não foi a primeira coisa que ela fez após a revelação. “Ela foi para cama com o marido naquela noite. Antes de completar o ato sexual, acendeu um fósforo e jogou na cama”, diz. “Ele enlouqueceu, e a história termina com ela deixando o quarto nua e ele tentando apagar o fogo”.

Ela explicou a razão de ter feito isso? “Ela estava com raiva”, diz a advogada. “O problema de casos litigiosos é que eles demoram. Você tem aquela necessidade de gratificação instantânea, de vingança imediata”.

Mas jogar um fósforo aceso na cama, com o marido ainda lá e crianças na casa, pode parecer algo que a prejudicaria no tribunal. “Não, pelo que eu me lembro não”, diz Bender. “Os juízes provavelmente estão exaustos, eles já ouviram de tudo. Como a maioria dos meus casos, provavelmente terminou em acordo. As pessoas não querem essas histórias nas cortes e jornais”.

Não é só a cama Dwight Grisham, psicólogo que dirige uma clínica para casais em São Francisco, diz que teve apenas um caso de infidelidade na cama do casal em 23 anos de prática. Neste caso, a infiel foi a esposa. “Não durou muito tempo, foi coisa de um mês ou dois”, diz. “O marido não ficou tão incomodado com a cama em si, o caso para ele era todo o apartamento. O apartamento detonou o trauma. Ele conseguiu um acordo para deixar o lugar o mais rápido possível, deixaram para trás até os últimos meses de leasing”.

É só a cama Esther Perel, autora de “Mating In Captivity,” é terapeuta de casais e família há 27 anos. Como Grisham, com ela isso também só aconteceu uma vez. Mas mesmo em casos de adultério fora de casa, casais que continuam juntos geralmente redecoram os quartos. “Dá a eles a sensação de retomar o relacionamento”, diz.

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