Coluna - José Guido: Cristianismo e pobreza

Coluna - José Guido: Cristianismo e pobreza

Fonte: Atualizado: terça-feira, 1 de abril de 2014 às 3:49

"O que tapa o seu ouvido ao clamor do pobre também clamará e não será ouvido" - Pv 21:13

As igrejas evangélicas brasileiras quase não tratam da questão da pobreza. Efetivamente, esse tema não faz parte de sua agenda. Como dito no artigo anterior, costuma dedicar-se a questões espirituais e ignorar solenemente essa matéria. Infelizmente, apesar do inegável avanço em que vivemos em quase todas as áreas, persiste ainda uma larga concepção no meio evangélico de que as necessidades humanas residem apenas e tão somente no terreno espiritual, o que evidencia um lamentável reducionismo no entendimento do ser humano.

Ignorar as necessidades do ser humano (dentre elas a pobreza) é desconhecer qual é a idéia central da evangelização. A missão da igreja é fundamentalmente a de evangelizar (Mc 16:15 e Mt 28: 19 e 20). Entretanto, tudo depende de como compreendemos o que seja evangelização. Quando se reduz a ação da igreja as questões espirituais, não se compreende de acordo com o espírito e nem a letra das Escrituras.  É justo e necessário registrar que existem algumas poucas e honrosas exceções que confirmam a regra. Mas o alheamento em relação ao tema pode fazer crer, a primeira vista, que o assunto não seja relevante para a comunidade evangélica, seja muito menos importante do que outros temas ou não tenha suficiente fundamentação bíblico-teológica.

Nenhuma dessas conjecturas possui sustentação. Para ficarmos apenas no Antigo Testamento, as palavras que designam o pobre são Rãs (usada 11 vezes); Dal (usada 22 vezes); Ebyon (usada 11 vezes) e Any (usada cerca de 37 vezes). O Antigo Testamento revela ainda vários fatos significativos e surpreendentes sobre a atitude de Deus em relação ao pobre. Deus determinou logo no início da história, relações socioeconômicas justas para Seu povo e nelas são flagrantes os esforços e ações no sentido de atenuar o sofrimento do contingente menos favorecido. Os integrantes dos grupos sociais que se encontravam em condições de vulnerabilidade social, dentre eles, os pobres, sempre foram objeto da atenção especial de Deus. Assim, Deus determinou o Ano da Remissão, segundo o qual, de sete em sete anos todas as dívidas eram perdoadas pelos credores. Quem tivesse emprestado dinheiro a outro israelita deveria perdoar a dívida. Não poderia exigir o pagamento, pois o próprio Deus declarava que a dívida havia sido perdoada. Foi instituído para que entre eles não houvesse pobre. A ordem divina expressa era que, em havendo algum pobre dentre eles, os demais deveriam cuidar para que recebesse todo o atendimento necessário: "antes, lhe abrirás de todo tua mão e livremente lhe emprestarás o que lhe falta, quanto baste para a sua necessidade"- Dt 15:8. A obediência a esse preceito divino tinha uma conseqüência: "...por esta causa te abençoará o Senhor, teu Deus, em toda a tua obra e em tudo no que puseres tua mão" Dt 15:10.

Nunca é demais recordar outra ordem divina relativa ao pobre inserida nesse mesmo contexto. No versículo 11 notamos que o cuidado para com os pobres é uma ordenança divina para seu povo em relação a qual não cabe nenhuma dúvida ou vacilação.

O Bispo Anglicano Robinson Cavalcante afirma que "...sempre teremos pobres conosco como resultado da injustiça pecaminosa que os cristãos são chamados a combater e não a promover, especialmente quando há mais que pobreza, há miséria...". Participando da terceira Semana Social Brasileira, realizada pela Pastoral Social da CNBB, um dos maiores intelectuais brasileiros, o geógrafo Milton Santos palestrou sobre a pobreza. Encerrou dizendo que a pobreza atual "não é natural, inevitável e muito menos imutável. Ela é produzida. Há uma verdadeira arquitetura da desigualdade social brasileira".

De acordo com Frei Betto, não há neutralidade: Jesus assume a ótica e o espaço vital dos pobres. "Seu ponto de vista é a vista situada a partir de um ponto, o da Promessa, que ressoa como bem-aventurança aos que injustamente foram privados da plenitude da vida". Biblicamente, palavras como "o pobre" possuem um conteúdo tipicamente moral, que aponta para a exigência de justiça por parte de Deus. Para sermos bíblicos precisamos entender que a pobreza em si tem um significado ético. Os pobres são uma categoria moral. No mundo de Deus não existe nenhuma condição humana que esteja isenta de significado moral, e os pobres e o tratamento que eles recebem são fortes indicadores da fidelidade de seu povo.

José Guido dos Santos é diácono evangélico e profissional de Relações Públicas com pós-graduação em Marketing Institucional. Especialista em Planejamento e Organização de Eventos e atua como Mestre de Cerimônias. Interessado em questões do terceiro setor, já presidiu entidades sociais, é Consultor em Assistência Social e atualmente é Conselheiro da AACD. Também atua como secretário parlamentar da Câmara Federal.

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