Missionárias da JOCUM viajarão com equipes do governo até povos indígenas na Amazônia

A expedição está sendo organizada pelos ministérios da Saúde e da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Fonte: Guiame, com informações do TerraAtualizado: terça-feira, 11 de fevereiro de 2020 às 18:56
Muwaji Suruwahá, missionária da JOCUM, integrará equipe para visita a povos indígenas na Amazônia. (Foto: Reprodução/Atini)
Muwaji Suruwahá, missionária da JOCUM, integrará equipe para visita a povos indígenas na Amazônia. (Foto: Reprodução/Atini)

Missionárias da JOCUM (Jovens com uma Missão) integrarão uma expedição organizada pelos ministérios da Saúde e da Mulher, Família e Direitos Humanos para sanar uma “crise de saúde mental” que estaria por trás de suicídios recentes entre indígenas do povo suruwahá.

Indivíduos do grupo praticam o "autoenvenenamento", que é a principal causa de morte entre os suruwahás, responsável por mais de 80% dos óbitos entre os adultos.

Entre 1984 e 2018, segundo a Funai, houve uma média de 3,9 casos por ano no grupo; em 2019 foram os cinco casos registrados.

Segundo informações, o trabalho da organização missionária cristã na equipe foi autorizado pela ministra Damares Alves. Eles participarão, nesta semana, de uma viagem organizada pelo governo federal ao território de um dos povos indígenas com menos laços com a sociedade brasileira majoritária: os suruwahás, do Amazonas.

O governo diz que a viagem busca sanar uma "crise de saúde mental" que teria causado cinco suicídios entre os indígenas em 2019. A etnia, também conhecida como zuruahã, soma pouco menos de 200 integrantes.

Comporão a equipe duas indígenas ligadas à JOCUM.

A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, diz que essas indígenas, Muwaji e Inikiru Suruwahá, trabalhão como intérpretes. Ambas foram retiradas da aldeia por missionários da JOCUM há 14 anos. Desde então, uma delas se tornou missionária evangélica, e a outra se engajou em campanhas promovidas pela organização.

A viagem, entre os dias 12 e 22 de fevereiro, é uma iniciativa do ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chefiado por Damares, e da Sesai.

Críticas

Procuradores da República, uma doutora em Psicologia e antropólogos criticaram a presença das integrantes da JOCUM na expedição, alertando que a entidade pode deturpar os objetivos da viagem e lhe dar um caráter religioso. Antropólogos questionam ainda a existência de uma crise de saúde mental entre o povo.

Eles argumentam que, para os suruwahás, o suicídio é bastante comum e não tem a mesma conotação que para outras populações, e dizem que a comunidade jamais solicitou qualquer intervenção do governo sobre o tema.

O embate expõe as tensões associadas ao trabalho missionário entre povos indígenas e ocorre dias após a nomeação do antropólogo e ex-missionário evangélico Ricardo Lopes Dias para a chefia do órgão da Funai responsável pela proteção a indígenas isolados e de recente contato. A viagem, no entanto, já estava agendada antes da nomeação de Dias.

O caso também joga luz no debate sobre os limites entre a autonomia dos povos indígenas e o ímpeto do Estado de intervir em condutas dos grupos que considera nocivas.

Vida entre missionários

As missionárias indígenas Muwaji e Inikiru voarão de Brasília até a cidade de Lábrea (AM), de onde seguirão até o território suruwahá na companhia de outros profissionais.

Muwaji e Inikiru foram retiradas da comunidade por um casal de missionários da JOCUM, Edson e Márcia Suzuki, em 2006 e 2007, respectivamente. Desde então, passaram a morar com famílias de missionários e perderam o contato com o seu povo.

Inikiru tinha 9 anos quando deixou a aldeia rumo à cidade. Hoje com 22 anos, ela mora com uma família que chefia a base da JOCUM na Chapada dos Guimarães (MT) e se tornou, ela própria, missionária.

Em janeiro, Inikiru fez uma vaquinha online para financiar uma viagem missionária à Turquia. No texto em que pede doações, Inikiru diz vir "de um povo isolado, onde eles cometem suicídios por falta de esperança".

"Esperança, para mim, é falta do Evangelho — eu creio que o meu povo vai ser resgatado pela palavra da verdade do Evangelho", prossegue a indígena.

Inikiru diz então que, "em busca de levar essa palavra ao meu povo", frequentou uma Escola de Treinamento e Discipulado (Eted), espécie de curso de formação para missionários.

Linguistas e missionários

Edson e Márcia Suzuki se aproximaram dos suruwahás pela primeira vez em 1985 para estudar sua língua.

Em 2006, os dois foram contratados como intérpretes pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para acompanhar Muwaji e sua filha, Iganani, diagnosticada com retardo de crescimento e desenvolvimento, até Brasília, onde a menina receberia tratamento médico.

No ano seguinte, o casal voltou ao território suruwahá. Desta vez, ao regressar a Brasília, a dupla também levou Inikiru e outro filho de Muwaji, Ahwari, na época com 12 anos.

Questionada pela BBC News Brasil sobre o motivo da viagem, a JOCUM disse que caberia à Sesai responder. "A JOCUM tem contato com o povo Suruwahá há mais 25 anos. A instituição trabalhou na tradução da língua e já foi parceira, inclusive da Funai, em alguns projetos, incluindo tradução", disse uma nota enviada pela chefe da organização em Porto Velho, Cleonice Larsson.

Sobre a presença de Muwaji e Inikiru, disse que "ambas são indígenas suruwahá, falam a língua e certamente a equipe técnica ponderou a necessidade de ambas integrarem a equipe".

Lei Muwaji

Em entrevistas e textos que publicou na internet, Márcia Suzuki afirma que, se Iganani voltasse a morar na aldeia, seria morta, já que, segundo a missionária, os suruwahás têm o costume de sacrificar crianças que nascem com deficiência. Por isso, diz ela, Muwaji resolveu ficar com a filha na cidade.

A mãe acabou dando seu nome ao Projeto de Lei 1.057/2007 ("Lei Muwaji"), que estabelece penas para agentes públicos que deixem de agir para evitar que crianças indígenas sejam mortas por terem deficiência, serem fruto de gestações múltiplas, terem marcas de nascença ou não serem assumidas por um dos genitores, entre outras situações.

O projeto foi fortemente apoiado pela JOCUM e pelo Movimento Atini-Voz Pela Vida, que teve entre seus fundadores Damares Alves e o casal Márcia e Edson Suzuki. Muwaji defendeu a proposta no Congresso, e seu rosto passou a estampar campanhas favoráveis à iniciativa.

Organizações de antropólogos e do movimento indígena afirmam que o projeto de lei estigmatiza os povos nativos ao associá-los a práticas extremamente raras e que também ocorrem em outras sociedades, mas não são citadas na proposta.

Damares abraçou o projeto de lei desde o início e trabalhou pela sua aprovação em duas frentes. No Congresso, a então assessora parlamentar ajudou a angariar apoios ao texto entre congressistas evangélicos.

E, em 2006, Damares ajudou a fundar, junto com o casal Suzuki, da JOCUM, o Movimento Atini-Voz Pela Vida, que diz ter o objetivo de "prevenir o infanticídio" em comunidades indígenas. Em seu site, a Atini diz que Damares deixou a organização em 2015.

O movimento diz ter salvado várias crianças desde sua criação. Uma delas é Lulu Kamayurá, menina que Edson e Márcia Suzuki retiraram de uma aldeia no Xingu e hoje mora com Damares, que a trata como uma filha.

Suicídios entre outros povos

Proporcionalmente, o índice de suicídio entre os suruwahás (2.280 por 100 mil habitantes) é 373 vezes maior que a média do Brasil (6,1/100 mil) e 92 vezes maior que a média do país com a maior taxa do mundo, a Guiana (30,2/100 mil).

De maneira geral, o índice de suicídios entre indígenas brasileiros é três vezes maior que a média nacional e atinge cifras especialmente altas em algumas etnias. Um dos casos mais conhecidos é o dos guarani kaiowá, de Mato Grosso do Sul.

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