Kim Yong-Hwa diz que conhece muito bem as tribulações que enfrentam os milhares de desertores em fuga para salvar suas vidas da repressiva ditadura da dinastia Kim Jon, na Coreia do Norte. Ex-oficial militar da ditadura norte-coreana chegou a ser condenado à morte, após acusações de ter traído o regime comunista, mas foi milagrosamente absolvido.
Yong-Hwa, que é fundador da Associação de Direitos Humanos dos Refugiados Norte-Coreanos, agora com 60 anos, passou nove anos preso em três países diferentes durante sua jornada de mais de uma década até ser absolvido e se tornar totalmente livre.
A jornada que começou com a intenção de cometer suicídio depois de ser acusado de deslealdade ao regime autoritário que ele tanto amava tomou um caminho muito diferente do que Kim inicialmente havia previsto.
Em vez de ir para a China e se jogar em um local onde só podia esperar que seu corpo não fosse encontrado, Kim contou ao 'The Christian Post' que ele finalmente descobriu a verdade que o regime de Kim mantinha escondido dos norte-coreanos. A partir desse ponto, ele sentiu-se motivado a viver para contar sua história.
Durante de sua jornada, Kim conheceu a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo e hoje administra um ministério baseado na Coreia do Sul que ajuda outros desertores norte-coreanos que enfrentam uma situação semelhante na China a encontrarem acolhimento e libertação da repressão comunista.
Kim é um dos mais de 32.000 desertores norte-coreanos que sobreviveram à traiçoeira viagem pela China e outras nações asiáticas até chegar à Coreia do Sul, desde o fim da guerra da Coreia em 1953.
Mas ainda há cerca de 230.000 desertores norte-coreanos vagando pela China, em busca de segurança e ainda sob risco de serem presos e "repatriados" pela Coreia do Norte, onde podem enfrentar execução ou prisão perpétua, cumprindo pena em campos de trabalho forçado pelo crime de deserção.
O caminho para a Coreia do Sul, onde muitos desertores norte-coreanos desejam se refugiar, não é fácil.
"Não há essa tragédia como eu experimentei, [para] qualquer outra pessoa", Kim disse ao Christian Post, enquanto ele estava em Washington, D.C., para participar da Semana da Liberdade da Coreia do Norte, realizada dias atrás.
Acusado de deslealdade
Em uma entrevista de 40 minutos com a ajuda de um tradutor, Kim admitiu que em um ponto de sua vida, sua veneração pelo primeiro líder da Coreia do Norte, Kim Il-Sung, e pelo regime comunista estava acima de seu amor por Deus.
"Eu pensei que se Kim Il-Sung não vivesse mais, eu provavelmente morreria", explicou ele. "Eu até morreria por ele. Isso seria motivo de felicidade e alegria para mim. Como muitos naquela nação não conhecem a Jesus, então ele [Kim Il Sung] era maior do que Jesus naquela época para mim".
Kim trabalhou até 1981 como membro do 'Exército Popular da Coreia', encarregado de administrar veículos. Mas ele mudou em 1981 para se tornar um membro de um serviço de segurança do Estado, no Escritório da Ferrovia.
Naquele trabalho, Kim estava encarregado de cuidar do segundo trem militar, que operava sob ordem da família de Kim Il-Sung e o Partido dos Trabalhadores.
Mas devido a uma instalação envelhecida, um trem militar vindo da Rússia para a Coreia do Norte acabou caindo em julho de 1988. Por causa do incidente, o regime norte-coreano classificou Kim como "desleal".
"A deslealdade não teve nada a ver com o acidente de trem", afirmou Kim quase 31 anos depois. "Me condenaram à morte, eu deveria ser executado."
Kim foi avisado por um amigo sobre sua execução pendente. Ele sentiu-se traído e decidiu que a melhor coisa a fazer era fugir para a China e se matar.
"Não há como evitar isso [pena de morte] depois que a decisão for tomada pelo regime norte-coreano", explicou Kim. "Mesmo se você escapar, isso também é considerado um traição. Além disso, cometer suicídio também é visto como deslealdade. Então, eu realmente queria ir a um lugar onde ninguém pudesse me ver porque eu queria me matar".
Kim disse que ao final de julho de 1988, ele cruzou o rio Amnok com um amigo para a China. Mas em vez de seguir com o plano de se matar, Kim disse que ouviu uma transmissão de rádio sul-coreana que mudou completamente o curso de sua vida.
Ele ouviu uma transmissão pelo rádio de um homem coreano-chinês. Foi uma transmissão em que um conhecido caso de deserção — o da família da norte-coreana Man-chul Kim, que fugiu para a Coreia do Sul — foi comentado.
Como oficial de segurança do Estado, Kim tinha acesso a um jornal especial para autoridades de segurança. O veículo de comunicação afirmou antes de Kim desertar que o barco que Man-chul Kim e sua família escaparam foi baleado pelos militares norte-coreanos e afundou.
"Isso foi no noticiário norte-coreano", lembrou ele. "Então, eu soube por causa das notícias que li, que os Man-chul Kim estavam mortos. Mas, como um deles apareceu nessa transmissão, eu percebi que era mentira e fiquei um pouco confuso."
Kim disse que ouviu essa transmissão em sua totalidade e percebeu que ele havia sido "enganado" pelo regime norte-coreano.
"Então, eu queria ir para a Coreia e conhecer a verdade, porque este desejo estava no meu coração", afirmou.
Soldados norte-coreanos são obrigados a jurarem lealdade aos ditadores da dinastia Kim. (Foto: Reuters)
Quase repatriado
Kim se separou de seu amigo na China. Ele se lembrou de caminhar mais de 17.000 quilômetros a pé para chegar ao Vietnã.
Ainda com sua arma e identidade do partido, Kim foi para a Embaixada da Coreia do Sul em Hanói, no Vietnã.
Mas no curso da travessia para o Vietnã, Kim entrou em um tiroteio com a polícia e foi colocado em uma "lista de procurados". Por causa disso, ele foi informado pela embaixada sul-coreana que não poderia ser ajudado.
Kim então foi para Hai Phong, uma cidade portuária costeira, onde um navio comercial da Coréia do Sul atracou. Ele foi preso tentando subir escondido no navio.
"A embaixada norte-coreana veio, me verificou e me identificou", disse Kim. "Havia apenas três dias até eu ser repatriado. Então, eu fui até um polícia vietnamita com uma bandeja de comida e bati nele".
O ato de violência de Kim garantiu a ele uma sentença de prisão de dois anos no Vietnã. Foi durante esse período que Kim ouviu a mensagem do Evangelho por meio de um intérprete.
"Ele me deu a Bíblia e eu li", Kim lembrou. "Embora eu estivesse sempre sozinho, naquele momento eu podia pelo menos me comunicar verbalmente, murmurar para alguém. Eu estava pedindo a Deus para me salvar. Por alguns anos, eu realmente não tinha falado, mas aquela conversa [ajudou]. Na verdade, eu amaldiçoei muito a Deus até ali. Eu também estava gritando por ajuda".
Por causa de suas circunstâncias, Kim explicou que sua fé cristã foi autodidata no começo, embora ele dissesse que ele era orientado por um padre católico. Hoje, Kim é evangélico.
Após cerca de um ano e nove meses em uma prisão vietnamita, Kim conseguiu escapar antes de ser enviado para ser repatriado. Kim foi novamente para a embaixada sul-coreana, onde foi capaz de trocar as roupas de sua prisão e ter um pouco de apoio financeiro.
Kim então viajou para o Laos, mas foi capturado pela polícia em 1992. Ele então passou mais de um ano no Laos, antes de fugir e ir novamente para a China. Em Chengdu, no ano de 1995, ele entrou em um barco que costumava navegar para a Coreia do Sul.
“Espião internacional”
Embora ele tenha conseguido chegar à Coreia do Sul, ele foi novamente preso por três anos, devido a alegações de que ele era um “espião” norte-coreano.
Kim disse que se ele tivesse ido para a Coreia do Sul por terra e fosse capturado dessa forma, ele estaria melhor. Mas como ele foi de barco é da Coreia do Norte, os sul-coreanos pensaram que ele estava cometendo um ato de espionagem.
Depois de dois anos na prisão sul-coreana, Kim disse que ficou doente e acabou sendo libertado em 1997.
Kim disse que entrou com uma ação contra o governo sul-coreano por acusá-lo de ser um espião, mas desistiu do processo após o incentivo do então presidente da Coreia do Sul, Kim Dae-Jung.
"Assim que o litígio se foi, eles vieram e qiseram me prender novamente. Então eles não cumpriram sua promessa", explicou Kim.
Kim eventualmente migrou para o Japão, onde o governo japonês também foi informado de que ele era um "espião internacional".
No Japão, Kim ficou confinado em um campo de prisioneiros por três anos.
“Apesar de eu ter vivido nove anos na prisão, em cada país eles (apoiadores) me davam muito amor e força, que me apoiava em diversas nações, quando sabiam sobre o meu caso”, disse Kim. “[Eu quero] retribuir por tudo o que recebi”.
Kim foi conseguiu residência no Japão, mas voltou para a Coreia do Sul em 2001. Em 2005, ele fundou oficialmente a Associação dos Direitos Humanos dos Refugiados da Coréia do Norte.
A associação ajuda os desertores norte-coreanos na China a irem para a Coreia do Sul. A organização também auxilia desertores norte-coreanos a se instalarem na Coreia do Sul.
"Na China, eles estão vivendo como animais", disse Kim. "Realmente, estão vivendo como mendigos".
Kim disse que se inspirou para fundar a organização sem fins lucrativos após a morte de uma desertora na província de Gangwon, na Coreia do Sul.
Hoje, a política de envolvimento do presidente sul-coreano Moon Jae-in com o regime de Kim Jong-Un levou a dificuldades para os desertores norte-coreanos chegarem à Coreia do Sul.
Como Robert King, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, apontou, houve uma "mudança de prioridades", com a cooperação inter-coreana recebendo mais atenção, enquanto a ajuda aos desertores e as questões de direitos humanos da Coreia do Norte foram cortadas.
Além disso, desertores norte-coreanos no sul relataram ter sido pressionados a não criticarem o regime de Kim Jong-Un.
"Na Coréia do Sul, existe uma lei de proteção contra animais. Cães estão sendo protegidos com dignidade”, disse Kim. "Mas os desertores, adolescentes norte-coreanos e menores não estão protegidos".
Kim pediu à comunidade internacional que defenda os desertores norte-coreanos.
A organização de Kim também está envolvida na defesa da libertação de sete desertores norte-coreanos presos no mês passado na China, que enfrentam a possibilidade de serem repatriados para a Coreia do Norte.
“Se eles forem repatriados, eles enfrentam um mau destino de execução em um campo de prisão política”, alertou Kim.
“O governo sul-coreano e a atual administração, através do ministro das Relações Exteriores, pediram alguma colaboração ao governo chinês. No entanto, eles dizem que vão verificar depois de serem repatriados. Mas eu acho que isso é porque eles têm algumas reuniões no futuro com Kim Jong-Un, pelas quais estão ansiosos. Eles provavelmente sabem que não podem fazer nada agora. Estou convencido de que a administração coreana não está fazendo nada ”.
Sua avaliação é importante para entregarmos a melhor notícia
O Guiame utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência acordo com a nossa Politica de privacidade e, ao continuar navegando você concorda com essas condições