A ancianidade cristã - Parte I

A ancianidade cristã - Parte I

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:10

INTRODUÇÃO

Talvez o fato mais curioso a respeito da ancianidade , segundo Rappoport, é que ninguém deseja envelhecer, todavia a única opção seria morrer jovem, e quase ninguém estaria interessado nisto.

Por que é a velhice um fato tão ameaçador ao ser humano? Parece que, não obstante os esforços de muitas culturas, envelhecer para o ser humano significa um processo extremamente doloroso e apresenta diversos aspectos desagradáveis.

O estudo da velhice no campo da psicologia evolutiva, por exemplo, apresenta uma perspectiva interdisciplinar. "O fenômeno do envelhecer, portanto, é encarado do ponto de vista da biologia, da psicologia e da sociologia".

A ênfase interdisciplinar  no estudo da ancianidade justifica o fato de que o envelhecimento deve ser focado de diversos prismas. O homem envelhece biológica, psíquica e socialmente; todavia, o envelhecimento é mais acelerado para determinado indivíduo em certa área. Ordinariamente, porém, o envelhecer significa uma interação entre esses três fatores.

Finalmente, um dos obstáculos fundamentais na realização deste trabalho de conclusão de curso foi a escassa literatura teológica disponível destinada à terceira idade. Isto, de certa forma, também foi um fator motivador para a realização desta pesquisa, que futuramente deve ser preparada e transformada em uma publicação.

Considerando a ancianidade um campo fértil a ser muito explorado ainda do ponto de vista da produção acadêmica, este autor acredita que a ancianidade se constitui numa proposta viável, missiológica e urgente.

1. O FATOR VELHICE

1.1. A Velhice

Saber envelhecer constitui num grande conforto à vida. Especialmente quando tem em mente que durante quase toda a história da humanidade, a probabilidade de alguém chegar aos 100 anos foi de uma em 20.000.000. Hoje, em países como Suécia e Japão, ela pode ser de uma em 50.

Para o Dicionário Enciclopédico Ilustrado Veja Larousse , a velhice significa:

1. Último período da vida normal, caracterizado pelo enfraquecimento das funções vitais.

2. Estado de redução das forças físicas e das faculdades mentais que acompanha habitualmente esse período.

3. O conjunto dos velhos. 4. Modo ou rabugice de velho.

A Organização Mundial de Saúde (O.M.S.) definiu que a terceira idade inicia-se aos sessenta e cinco anos de idade; e que saúde "é o bem-estar psico-emocional, físico e social do indivíduo". Ressalte-se que "bem-estar geral" equivale mais a atividade preventiva do que curativa.

Envelhecimento não quer dizer necessariamente senescência, embora ambos os casos apresentem perdas no organismo. Envelhecimento significa o tempo de vida humana em que o organismo sofre muitas mutações e declínio de sua força, disposição e aparência, não incapacitando ou comprometendo o processo vital. Quanto à senescência, ela resulta em mudanças comprometedoras, afetando seriamente a estabilidade e a própria vida.

Há três concepções principais de velhice ou ancianidade: velhice cronológica (definida pelo fato de se ter atingido os sessenta e cinco anos de idade); velhice funcional (trata-se de um conceito equivocado, pois a velhice não representa necessariamente incapacidade); e, velhice - etapa final (baseada no reconhecimento de que o curso do tempo produziu efeitos na pessoa que adentra numa etapa distinta das já vividas).

A proporção de pessoas idosas em relação à população atinge, atualmente, níveis superiores aos de qualquer outra época da história. Nos países de Primeiro Mundo, situa-se na faixa de 15% e com tendência a um crescimento superior ao de qualquer outro setor da população. De acordo com a Revista Veja de setembro de 2004, os três países mais velhos, em porcentagem da população com mais de 65 anos eram a Itália (18,1%), Grécia (17,3%) e Suécia (17,3%).

Segundo os observadores internacionais, a população idosa é a que mais cresce no mundo - tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento; e este crescimento tem trazido, obviamente, preocupação para os governos e a sociedade como um todo.

A ONU estabeleceu 1999 o Ano Internacional do Idoso. Segundo dados daquele ano, a previsão é de que no Brasil o total atingiu a marca de 13 milhões de idosos, aproximadamente, só no Paraná era mais de 400 mil. Segundo a Revista Exame de setembro de 2004, o Brasil possuía naquela época 4 milhões de idosos com mais de 75 anos.

A velhice é também caracterizada como um período de declínio. Tal declínio apresenta dois aspectos: a senescência e a senilidade. "A senescência é o período em que o declínio físico e mental é lento e gradual, havendo para ele certas compensações. A senilidade, por outro lado, se refere à fase do envelhecimento em que o declínio físico é mais acentuado e é acompanhado da desorganização mental" (MORAGAS, 1997).

Tecnicamente, admite-se que nesta fase, o organismo entra em involução. Para uma melhor compreensão, veja o Anexo I, à página 33.

1.2. Saúde e Doença

a) Envelhecimento Normal

Ao contrário do que muitos pensam boa parte dos idosos não está doente, nem apresenta deficiências - especialmente as populações senis de países onde há conscientização quanto à realidade da velhice e suas limitações. O envelhecimento como processo vital de acumulação de anos não tem porque ser um processo patológico ao atingir os sessenta e cinco anos e a pessoa não contrai nenhuma doença automaticamente.

b) Envelhecimento Patológico

"A velhice não é uma doença em si mesma, mas a probabilidade de adoecer durante a velhice e de que a doença deixe seqüelas no organismo é muito maior do que em outras etapas da vida" (MORAGAS, 1997).

c) Tempo e Doença

Para o idoso, a excessiva disponibilidade de tempo tem representação patogênica; isto é provado pela experiência dos idosos que tem as suas responsabilidades domésticas e sociais diminuídas.

d) Prevenção

Deduz-se que para a obtenção de uma velhice normal é necessário adotar um enfoque preventivo muito antes da chegada da terceira idade. "O ideal seria que o projeto de saúde vital se iniciasse com o nascimento".

O organismo humano experimenta o processo de envelhecimento de diversas formas. Os tecidos perdem relativa flexibilidade e capacidade de recuperação, os órgãos e sistemas reduzem a velocidade e a qualidade de suas funções e o ritmo vital se atenua de várias formas a partir do fim da adolescência. As doenças senis possuem traços comuns a outras idades e patologias específicas. Todavia, as doenças referentes à velhice podem manifestar-se na maturidade, por exemplo: diabetes, mal de Parkinson e de Alzheimer, neoplasia, enfisema e hipertensão.

Em suma, deve-se reconhecer a individualidade do idoso em sua doença bem como considerar os efeitos globais de sua patologia no conjunto de sua vida biológica, psíquica e social. E porque não dizer, espiritual também.

1.3. Perfis da Senilidade

a) Perfil Físico

Para Kléos César, o texto bíblico do capítulo doze de Eclesiastes, é perfeito para uma breve homilia, considerando especialmente o aspecto da clareza com que a Bíblia trata o idoso. Alguns trechos são destacados, a saber:

"Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho neles prazer;... no dia em que tremerem os guardas da casa, os teus braços, e se curvarem os homens outrora fortes, as tuas pernas, e cessarem os teus moedores da boca, por já serem poucos... e se escurecerem os teus olhos... e todas as harmonias, filhas da música, te diminuírem; como também quando temeres o que é alto... e te embranqueceres, como floresce a amendoeira... e te perecer o apetite... " (Ec 12.1-7).

Alguns sintomas físicos da velhice, mencionados nesta porção bíblica, podem ser resumidamente examinados:

DIMINUIÇÃO DA CAPACIDADE VISUAL: A causa podia ser uma catarata ou um glaucoma. Exemplos: os patriarcas Isaque e Jacó, entre outros. DIMINUIÇÃO DA CAPACIDADE AUDITIVA: "Barzilai, um amigo de Davi, já reclamava os efeitos de sua má audição aos 80 anos" (2Sm 19.35). ENFRAQUECIMENTO DOS OSSOS: O relato sobre o profeta Eli não parece ser apenas uma queda de cadeira; mas a evidência de uma osteoporose adiantada (1Sm 4.18). AS CÃS: "Cabelos brancos sempre foram um dos sinais físicos mais comuns da velhice". Samuel (1Sm 12.2) e Elifaz (Jó 15.10) aludiram sobre isto. PERDA DOS DENTES: Salomão pontua este fato comum à velhice, especialmente se for considerado o aspecto sócio-econômico dos tempos vetero-testamentários (Ec 12.3). DIMINUIÇÃO DO APETITE: Barzilai queixa-se do crescente desprazer que sentia quando das refeições, possivelmente um desgaste natural das papilas de sua língua (2Sm 19.35). OCORRÊNCIA DE VERTIGENS: Os idosos queixam-se de tonturas e vertigens, bem como sofrem de acrofobia (Ec 12.5). DIMINUIÇÃO DO DESEJO SEXUAL: Uma velhice saudável prevê relacionamento sexual; todavia, a redução desta prática é perfeitamente normal. Exemplos bíblicos: Abraão e Sara (Gn 18.11,12). CANSAÇO E ENFERMIDADE: Apesar de Moisés ter sido um homem fisicamente vigoroso até os dias de sua morte, aos 120, ele reconhecia a possibilidade da presença da canseira e do enfado depois dos setenta (Sl 90.10). APOIO EM BENGALAS: A Bíblia também fala sobre a perda da capacidade de sustentação nas pernas, conforme registra Zc 8.4. HIPOTERMIA: Davi sofreu da queda de temperatura – comum na terceira idade (1Rs 1.1). CERCEAMENTO DA LIBERDADE PESSOAL: Com a chegada da velhice, o idoso perde progressivamente a sua autonomia. Palavras de Jesus a Pedro: "... Quando eras mais moço, tu te cingias a ti mesmo e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás as tuas mãos e outro te cingirás e te levará para onde não queres" (Jo 21.18). Deve-se assegurar que, com o avanço da ciência e tecnologia, o idoso atual encontra menos desconforto do que os da geração anterior, todavia, ainda assim, são inevitáveis as limitações de ordem física impostas aos que avançam na idade terceira.

b) Perfil Psicológico

A velhice não apresenta apenas sinais físicos, mas também no campo psicoemocional. Isto pode ser verificado conforme o relato bíblico sobre os tais sinais:

DIMINUIÇÃO DA CAPACIDADE MENTAL: Com relativa freqüência ouve-se o idoso queixar-se de sua memória e da lentidão do seu raciocínio. Barzilai é um exemplo bíblico (2Sm 19.35). PESSIMISMO E ENFADO: Na velhice isto decorre geralmente em função da inércia, da falta de objetivos e metas ou da carência de novidades. SENSAÇÃO DE INCÔMODO ALHEIO: Barzilai: "Oitenta anos tenho hoje... por que há de ser o teu servo ainda pesado ao rei meu senhor?" (2Sm 19.35). ANSIEDADE: A ansiedade senil é em relação ao tempo de vida. Para W. A. Marshall, a velhice é a idade da incerteza (Gn 27.1,2). SOLIDÃO E REJEIÇÃO: Um dos maiores temores do idoso é a possibilidade de ser esquecido pelos parentes e amigos. Davi sentiu isso (Sl 71.9,18). VIUVEZ AMARGA: "Certamente, a velhice enviuvada é uma experiência muito triste, mas não desesperadora". Noemi exemplifica o amparo divino. APOSENTADORIA: Este evento pode configurar uma experiência desagradável se não for bem conceituada do ponto de vista existencial-espiritual. Samuel não parece ter gostado de sua "jubilação" (1Sm 8.1,4-7). NOSTALGIA: Para o idoso, o passado transforma-se em relíquia; o presente, em ansiedade; e o futuro, em expectativa. A Bíblia fala de uma nostalgia saudável (Ed 3.11-13). INUTILIDADE E INCAPACIDADE: Curiosamente, o idoso que tanto trabalhou, agora lamenta por não ter o que fazer. Moisés frustrou-se (Dt 31.1-3). TRISTEZA E DECEPÇÃO COM OS FILHOS: Pais que cuidam de seus filhos e educam-nos nos caminhos do Senhor, frustram-se ao vê-los sem ideal, sem propósito, desencaminhados e fracassados. Exemplo bíblico: Eli (1Sm 2.22,23). Esses sintomas psicoemocionais podem ser amenizados "por meio de aconselhamento de psicólogos, psiquiatras, gerontólogos, assistentes sociais e pastores; por meio de exercícios devocionais diários; por meio da comunhão com Deus e de atividades em igrejas e outras comunidades ou pequenos grupos" (CÉSAR, 1999).

Neir Moreira   é teólogo, pós-graduado em docência do Ensino Religioso pela Faculdade Batista, psicólogo formado pela UFPR e pós-graduando em Educação. www.neirmoreira.com

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