Advogado esclarece o debate sobre o Estado Laico e a religião

Advogado esclarece debate sobre o Estado Laico e a religião

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:33
Como assunto recorrente na mídia vemos o debate sobre o Estado Laico e leis, acordos e projetos aprovados que são inconstitucionais pois ferem a Carta Magna, a qual preza pela separação do Estado-Igreja.

Para compreendermos melhor o conceito de um Estado Laico e suas implicações é que entrevistamos Gilberto Garcia.


Dr. Gilberto Garcia é Advogado,Pós-Graduado e Mestre em Direito. Especialista em Direito Religioso, Professor Universitário e Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros. Autor dos Livros: "O Novo Código Civil e as Igrejas" e "O Direito Nosso de Cada Dia", Editora Vida, bem como, do "Novo Direito Associativo", e Coautor na Obra Coletiva: "Questões Controvertidas - Parte Geral do Código Civil", Editora Método, e ainda, autor do DVD - Palestra: "Implicações Tributárias das Igrejas", Editora CPAD. Gestor do Site:www.direitonosso.com.br

O que é um Estado Laico? Como garantir um Estado laico em uma nação tão religiosa?
Gilberto: O princípio da Separação Igreja-Estado, vigente em nosso sistema constitucional desde 1891, e mantido na Carta Magna de 1988, que fundamenta o Estado Laico, ou seja, o Estado sem religião oficial é uma das maiores conquistas da humanidade, eis que este tipo de construção jurídica, que nosso país herdou da visão francesa, "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", é exatamente o meio termo, entre o Estado Ateu e o Estado Confessional.
No Estado Ateu impõe-se que a religião deve ser negada e perseguida pelos órgãos oficiais, numa visão unicamente materialista da vida, e com proibições para que os cidadãos possam expressar sua fé de forma pública, na perspectiva de que Deus é uma criação da mente humana e deve ser apagada das esferas sociais, sendo as pessoas incentivadas a buscar relacionamentos numa ótica tão somente humanística e existencial.
Já no Estado Confessional há uma espécie de confusão entre os órgãos da administração pública, os poderes executivo, legislativo e judiciário, que são as representações do Estado, e uma determinada religião, sendo esta a religião oficial, pelo que deve ser obrigatoriamente seguida por todos os cidadãos, sendo proibida a opção por qualquer manifestação espiritual que não seja aquela que é professada pelo Governo, para todos os efeitos legais.
O Estado Laico é o que proporciona o equilíbrio do exercício de fé entre os cidadãos, porque não persegue ou proíbe qualquer manifestação religiosa, porque não adota oficialmente através de seus órgãos representativos qualquer opção espiritual em detrimento das demais, ao contrário, com base na Constituição Federal de 1988 é dever do Estado proteger todas as confissões religiosas, inclusive cidadãos ateus e agnósticos.
Por isso, a conquista deste Estado Laico, há quase 120 anos, em nível constitucional é a garantia jurídica da convivência pacífica entre os religiosos brasileiros de todos os matizes de fé.

O que diz a Lei Geral das Religiões aprovada pelo projeto de Lei 5.598?
Gilberto: Apesar de todas as manifestações contrárias da sociedade civil, especialmente através de grupos e organizações de defensores do Estado Laico, que é o Estado Sem Religião Oficial, foi firmado um Acordo Internacional, que é uma Concordata Católica, pelo Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva com o Papa Bento XVI, Chefe de Governo da Santa Sé, na Cidade do Vaticano, Roma, Itália, em que pese, na Constituição Federal constar a proibição do estabelecimento de qualquer tipo de aliança do Estado com uma Igreja, pela primeira vez na história republicana do Brasil um presidente desconsiderou o princípio constitucional da separação Igreja-Estado, vigente em nosso país desde 1891 ao promover um acordo com uma Igreja.
Num retrocesso histórico em pleno Séc. XXI este posicionamento homologado pelo Congresso Nacional rompeu uma tradição nacional, eis que desde 1891, há quase 120 anos, Igrejas de qualquer confissão religiosa, sejam evangélicas, católicas, espíritas, umbandistas, candomblecistas, mulçumanos, judeus, orientais etc, e ainda os agnósticos e ateus, tem sua ampla liberdade religiosa amparadas pela Constituição Federal, e por isso não existem necessidade de leis especificas para regulamentar o exercício da fé em solo brasileiro.
E, aí, quando da votação da Concordata Católica a Câmara de Deputados também aprovou Projeto de Lei 5.598, denominado de Lei Geral das Religiões, uma espécie de "Concordata Evangélica", que se encontra no Senado Federal, o qual, de igual forma inconstitucional, visa estender aos grupos religiosos os privilégios legais concedidos a Igreja Católica e a seus Institutos Eclesiásticos, eis que estes não possuem condição de Estado, tais como: imunidade tributária extensiva as obras sociais, isenção de processos trabalhistas, inserção de ensino religioso confessional, a obrigatoriedade da reserva de espaços públicos para fins religiosos, a preservação do patrimônio das Igrejas financiado pelo Estado, validação e anulação dos casamentos religiosos pelos tribunais eclesiásticos, entre outros.

Quais os desdobramentos da discussão sobre uso de símbolos religiosos em locais públicos e os feriados religiosos?
Gilberto: O princípio da Separação Igreja-Estado tem sido pelo legislador pátrio, muitas das vezes, relativizado, como inclusive ocorreu com a Concordata Católica firmada pelo Governo brasileiro e a Santa Sé, privilegiando uma vertente espiritual específica, tal qual ocorre com os feriados de fé, que são quase cem por cento de tradição católica apostólica romana, em razão de sua maior influência na história do país, tendo ainda alguns direcionados para evangélicos e espíritas, como por exemplo: Feriado de Aparecida (Nacional), Dia do Evangélico (Brasília), Dia de São Jorge (Rio de Janeiro), Círio de Nazaré (Belém do Pará), que a nosso singelo sentir são inconstitucionais a existência de feriados religiosos em nosso país, senão todos os grupos religiosos deveriam ter direito, e não tem, Dia de Iemanjá (Umbandistas), Dia do Yom Kipur (Judeus), Mês Ramadã (Mulçumanos), Dia de Sábado (Adventistas Sétimo Dia) etc, e sim "Dias de Guarda", quando cada cidadão ou grupo religioso, em seu exercício particular ou coletivo, de forma pública ou privada, reverenciaria sua divindade, extensivos a todos os grupos, sejam evangélicos, católicos, judeus, mulçumanos, orientais, espíritas, cultos afro etc, inclusive, em respeito a ateus e agnósticos.
Com relação aos Símbolos Religiosos o CNJ - Conselho Nacional de Justiça entendeu que a ostentação destes símbolos católicos tão somente representam a tradição e a cultura cristã da sociedade brasileira, não sendo uma afronta ao Principio Separação Igreja-Estado, avalizando, inclusive o crucifixo afixado na Sala de Julgamentos do Supremo Tribunal Federal, como existentes em quase todos os Tribunais de Justiça do Brasil, e ainda, nas Salas onde os Juízes realizam audiências; destacando-se, por isso, a salutar medida administrativa do Desembargador Luiz Zveiter, quando presidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, determinou que fossem retirados dos espaços comuns do Fórum Fluminense qualquer símbolo alusivo a uma específica confissão religiosa.

O que está previsto na Constituição a respeito do ensino religioso? Quais os desafios do ensino religioso no Brasil?
Gilberto: A Constituição, artigo 210, § 1º, dispõe: "O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental", o qual foi regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases no artigo 33: 9.394/96 [Lei 9.475/97]: "O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso".
As escolas, em boa hora, começaram a perceber que mesmo assuntos científicos, quando são apenas "teorias", devem ser ensinados como simples teorias, ainda que não tenhamos explicações mais adequadas, tais como a "Teoria da Evolução", numa perspectiva "Darwiniana", ou, que deve ser ensinado ao lado da "Teoria Criacionista", na ótica do denominado "Design Inteligente", oferecendo aos estudantes as duas vertentes, para que eles possam pesquisar, aprofundar conhecimento e estabelecer a opção que melhor se coadune com sua cosmovisão do mundo, eis que, abrange aspectos racionais, espirituais, morais, éticos, filosóficos, sociais etc.
Necessitamos, enquanto sociedade repensar se a escola verdadeiramente deve ter entre suas prioridades prover o ensino de fundamentos religiosos, independente de sua confissão de fé, na medida em que, modestamente, entendemos, que não é competência da escola, e sim família e das Igrejas, exceto a confessional, onde os pais e responsáveis legais concordam expressamente que seu filho receba orientações relativas a religiosidade, a espiritualidade, a fé de uma determinação religião, respeitando-se opiniões que entendem devamos aproveitar a oportunidade legal.

Em sua opinião, a liberdade religiosa está ameaçada no país?
Gilberto: É vital sempre deixar claro que numa conceituação formal, laicidade é diferente de laicismo, entendo-se que laicidade é a perspectiva da integral Separação Igreja-Estado, como contido na Constituição Federal do Brasil, onde o Estado, em seus níveis e esferas, esta proibido de adotar como oficial uma manifestação religiosa, e laicismo é a negação do direito ao exercício da fé de forma pública, o que não é o caso brasileiro, ao contrário, todos os cidadãos têm ampla liberdade espiritual, não sendo este o privilégio de um grupo religioso, independente do histórico, influência político-social, quantidade de fiéis ou de obreiros, potencial financeiro etc.
Na realidade a pergunta que se deve fazer é: "Que tipo de laicidade nós queremos?". Até onde nós interessa como cidadãos que o Estado participe nas questões de fé do povo brasileiro, além é claro da evidente atuação como organização associativa na condição de pessoa jurídica de direito privado, como pude perceber num inédito Seminário Internacional: Igreja e Estado Laico, promovido, recentemente, pelo CNJ, em Brasília/DF, onde debateu-se as limitações da intervenção das leis no exercício de fé dos cidadãos e o respeito ao princípio da ampla liberdade religiosa contido na Constituição Federal.
E, aí, temos a situação do Projeto de Lei 122/2006, aprovado pela Câmara dos Deputados, em trâmite no Senado Federal, que efetivamente "Criminaliza a Homofobia", daí a efetiva inquietação, de que, se aprovado o referido projeto de lei, nos termos em que está proposto, os religiosos, especialmente os evangélicos e católicos, terão efetivamente cerceado seu direito constitucional de expressão seu pensamento ao propagarem sua fé na Bíblia Sagrada, que condena explicitamente a prática do homossexualismo, podendo ser multados, processados e eventualmente condenados judicialmente, por exporem suas convicções espirituais relativas ao ser humano, como macho e fêmea, criados por Deus, numa afronta a princípios constitucionais do país.

O que devemos saber sobre a laicidade e sobre as leis e manifestações que tem surgido a este respeito? No que estas afetam à Igreja Evangélica?
Gilberto: Um dos textos legais que tem trazido grande preocupação as lideranças religiosas, que após grande pressão o Governo Federal procedeu alterações em pequenos itens do Plano Nacional de Direito Humanos - 3ª Versão, através do Decreto Presidencial 7.177/2010, visando abrandar o descontentamento que seu texto original vinha causando em alguns destes setores, contudo, permanecem neste Documento Legal diversos outros itens que tem direta confrontação com a forma de crer dos cristãos brasileiros, os quais relacionamos, eis que estes temas foram encaminhados ao Congresso Nacional como um Plano Governamental, os quais serão debatidos pelos Deputados Federais e Senadores da República.
Destacamos o disposto no PNDH-3, onde estão efetivamente inseridos, entre outros, itens que tem provocado descontentamento nas lideranças cristãs, católicas e evangélicas: Regulamentação Legal para os profissionais do sexo; Transformação do aborto em tema de saúde pública; Apoio a projeto de lei que disponha sobre a União Civil de pessoas do mesmo sexo; Promoção do ensino sobre a história e diversidade das religiões em escolas públicas; Impedir a ostentação de símbolos religiosos públicos da União; Apoio a programas de assistência e orientação para usuários de drogas, em substituição ao indiciamento em inquérito policial e processo judicial.
É vital que os cidadãos estejam atentos ao encaminhamento que o Congresso Nacional dará a este PNDH-3, patrocinado pelo Governo Federal, apoiando as medidas que visam o bem estar social do povo, e rechaçando as questões que confrontam com a visão de valores defendidos pelos cristãos, na medida em que tem havido uma grande pressão de diversos grupos sociais interessados na sua aprovação integral, o que se ocorrer, trará grande dissabores, pois como exposto contém itens controversos, e certamente ensejará que as lideranças das Igrejas Cristãs tenham que ir ao Supremo Tribunal Federal para que faça, como tem feito, prevalecer a Constituição Federal do Brasil.

Demais considerações relevantes?
Gilberto: Creio que já é tempo de perceber que nosso país é uma democracia multirracial, pluralista e diversificada, por isso, propaga-se a convivência religiosa, que se interpreta como respeito a dignidade da pessoa humana, que é fundamento assegurado pela sociedade civil organizada, na medida em que nenhum de nós brasileiros quer que se repita, qualquer seja a motivação, a famosa "Noite de São Bartomoleu", exatamente porque, em face de nossa cultura pátria, ser impensável e impertinente, qualquer proposição de um "Estado Fundamentalista" tenha ele qualquer vertente de fé.
Existem Tolerâncias Religiosasneste Estado Laico, numa afronta a princípios constitucionais republicanos, daí a importância do registro de alguns casos, como, que um Juiz Federal (católico) no Rio Grande do Sul determinou a retirada de crucifixos da Sala de Audiências; de um Prefeito (espírita) que mandou retirar as imagens e símbolos religiosos das repartições públicas de um município em Minas Gerais; de um Canal de TV em São Paulo (evangélico) que foi condenado judicialmente a exibir programação afro-religiosa; e numa outra vertente, em Porto Velho(RO), a Câmara de Vereadores aprovou projeto de Lei Municipal que "Declara profeticamente,Jesus Cristo como único Senhor e Salvador".
Evidentemente que o princípio da ampla liberdade religiosa constitucional resguarda a crença e consciência dos cidadãos, entretanto não desobriga as Igrejas e Organizações Religiosas com relação ao exercício de fé, por isso, elas possuem obrigações legais, estando submissas ao ordenamento jurídico nacional, tendo de respeitar preceitos públicos.
Esta intervenção, exatamente pela laicidade vigente em nosso país, como contido na proposição bíblica da Separação da Igreja-Estado, "Dar a César o que de César e a Deus o que de Deus", é assegurada na Carta Magna Nacional, eis que o Estado brasileiro não possui religião oficial, estando vedado constitucionalmente ajudar ou prejudicar Igrejas em questões de religiosidade, espiritualidade ou de fé.

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