Antes de irmos aos Púlpito

Antes de irmos aos Púlpito

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:50

D ia desses recebi um daqueles muitos emails repassados que diariamente enchem nossas caixas de correio eletrônico e que nem sempre abrimos por serem tantos e por não termos tempo para dar atenção a todos. Trazia um título explosivo: “Troque um parlamentar por 665 professores!” As razões apresentadas no panfleto eram suficientes para justificar o brado de revolta. Lembrei-me da antiga canção do Vandré, convidando a juventude para uma revolução... Essa não é a primeira “campanha” que vejo circulando por aí nesse imenso forum virtual que a internet propõe. É decepcionante observar que, apesar de denunciarem práticas que suscitam indignação e repúdio, os revoltosos que à primeira vista pareciam absolutamente resolutos a trasntornarem a ordem, logo deixam a causa pra lá e, qual desertores, abandonam a luta e vão cuidar de sua própria vida.

L embro-me que em viagem do Rio a Salvador no início dos anos 80, quando mergulhados em uma das muitas crises econômicas pelas quais passamos, mantive uma discussão acalorada sobre política e economia com um alemão que viajava ao meu lado; Na verdade, eu viajava do lado dele. Eu funcionário e ele diretor da multinacional alemã onde trabalhava naqueles dias. Resolvi romper a barreira e iniciar uma conversação. O “Fritz” entrou na conversa. Quando deixei transparecer a orgulhosa veia patriótica ao afirmar que o Brasil seria uma superpotência, o alemão respeitosamente disse que duvidava, e pior, ou melhor, com a fria franqueza germânica apresentou um rosário de motivos que atingiu minha jovem e afogueada pretensão... “Vocês não tem disciplina - dizia ele em seu português claudicante – nem disposição para brigar!

C alei-me diante daquela terrível opinião. Pensei comigo: “Então é assim que nos vêem?” Fiquei remoendo ressentido as palavras do branquelo e a partir daquele dia tomei antipatia por ele (é mesmo assim que costumamos fazer quando alguém ousa nos dizer verdades que incomodam). A conversa logo tomou outro rumo com a intervenção do piloto que anunciava os procedimentos de pouso; dentro de alguns minutos estaríamos aterrissando em Salvador. Quando o comandante mencionou o calor que fazia na capital baiana, desejando aos turistas uma excelente estadia, comecei a sentir uma “leseira” só de pensar nos dias de trabalho duro que teria pela frente... Apertei o cinto e pensei comigo mesmo, “O alemão tem razão, nós não queremos tomar a bastilha coisa nenhuma...Vamos adiar a revolução...”

A s vezes ouço pessoas inconformadas dizerem: “Estou cansado(a) desse país!” como se houvesse alguma coisa de errado com nossa querida terra brasilis; Pois garanto que não há! Se alguém quiser sustentar o argumento de que esse país não é maravilhoso, vai fracassar pateticamente diante das provas arrasadoras reunidas por qualquer um que atue como advogado de defesa. O problema nunca foi o Brasil! Esse país é abençoado demais!

O s convites ao levante não surtem efeito porque os brasileiros parecem seguir uma lógica que opta sempre pela lei do menor esforço. Somos explorados da maneira mais vexatória, submetidos a uma carga tributária abusiva, pagamos caríssimo por itens que, não fora a rapinagem legal do Estado, sairiam por muito menos... Juros abusivos, impostos abusivos, serviços de péssima qualidade, direitos descaradamente desrespeitados e ultrajes sem fim, e ainda assim nos calamos.

R econhecemos que precisamos de uma revolução, mas revolução requer um preço que geralmente não estamos dispostos a pagar: sacrifício. De algum modo sabemos que não existe revolução sem desgaste, desconforto, cansaço, riscos... Se pensarmos bem, necessitamos de revoluções em vários aspectos. Nossa vida pessoal, ministerial, familiar, nacional... Se quisermos ver mudanças reais em qualquer dessas áreas teremos que articular os elementos necessários, mobilizar esses elementos e permanecer firmes no propósito de execução das decisões tomadas. Tudo isso dá muito trabalho. Diante dos desafios não é raro a desistência e deserção. Voltamos para o enganoso conforto oferecido pela mediocridade e nos entregamos à resignação comum aos vencidos. Adotamos a filosofia da indolência que se traduz por algo do tipo:”vamos deixar como está para ver como é que fica.” Protelamos.

O termo revolução compreendido em seu sentido original trás uma explicação surpreendente. Revolução, do latim ‘revolvere’, de onde temos a palavra ‘revolutio’, é o ato de re-volver, ou seja voltar atrás, retornar ao ponto de origem, voltar ao lugar a partir do qual as coisas perderam o rumo. Não constitui, portanto, um movimento para frente. Isto envolve o duro exercício de nadar contra o fluxo. A bíblia nos apresenta em vários textos um convite à revolução no seu sentido mais original. A mensagem central do Evangelho é o arrependimento. Arrepender-se é mudar de mentalidade, voltar atrás na prática do erro qualquer que seja.

D ois textos em especial me vem à memória. Primeiro aquele encontrado no livro do profeta Jeremias. “Assim diz o SENHOR: Ponde-vos nos caminhos, e vede, e perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho, e andai por ele; e achareis descanso para as vossas almas; mas eles dizem: Não andaremos nele.” (Jr 6.16) O estado do povo de Israel era tão grave que medidas cosméticas apenas não resolveriam. Precisavam de uma revolução! A solução está em perguntar pelas veredas antigas.

D o mesmo modo o Senhor adverte os crentes de Éfeso, sugerindo a revolução como escape. “Lembra-te, pois, de onde caíste, e arrepende-te, e volta a pratica das primeiras obras; quando não, brevemente a ti virei, e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres.” (Apoc 2.5)  Se sabemos que as coisas não estão bem, precisamos fazer alguma coisa a respeito. A pergunta é se teremos disposição suficiente para arcar com o preço que as mudanças demandam. Se não estamos dispostos a fazer algo, então é melhor pararmos de sair por aí criticando pessoas e instituições. Não existe entidade problemática, quer seja família, empresa ou igreja; Existem indivíduos problemáticos. Precisamos escolher o nosso papel. Podemos fazer parte do problema ou compor o time da solução. Como o problema passa sempre pelo nível do indivíduo, bom seria se iniciássemos essa revolução lá em casa, antes de irmos ao púlpito ou à tribuna!

Luiz C. Leite   é pastor, psicanalista, administrador de empresas, conferencista e escritor. Autor de "O poder do foco", editora Memorial; e "A inteligência do Evangelho", editora Naós; além de vários títulos por publicar.

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