Atos proféticos: modismo ou inspiração divina?

Atos proféticos: modismo ou inspiração divina?

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 3:29

Por Adriana Amorim - www.guiame.com.br

A palavra "profecia" remete a revelações que prevêem o futuro. Sonhos, visões e mensagens que trazem informações acerca do que ainda está por vir.

No entanto, ao descrever a profecia em 1 Co 14:3, a Bíblia ultrapassa o sentido de previsão: "Mas o que profetiza fala aos homens, para edificação, exortação e consolação".

Elias, Jeremias, Isaías, Daniel, Ezequiel são alguns nomes de homens escolhidos por Deus para trazerem mensagens do Céu ao povo em sua época, o que deu a eles autoridade espiritual e consequentemente influência social. Os chamados profetas.

Mesmo na Igreja, os conceitos sobre profecia ou "o profético" recebem diferentes interpretações. Para a apóstola. Neuza Itioka, presidente do Ministério Ágape Reconciliação, que atua na área de cura interior e libertação, a Igreja brasileira está aprendendo a desenvolver o dom profético. Líder do ministério Ágape Reconciliação, que atua na área de cura interior e libertação, a apóstola entende que toda a igreja deveria ser considerada profética, o que ela mesma explica: "Toda igreja deveria se mover em ouvir a Deus e obedecê-lo".

A apóstola compreende a profecia como um ministério de pessoas que receberam a unção do Espírito Santo para ouvir a Deus de forma acurada e clara. No entanto, ela alerta para o fato de a própria Bíblia dar a liberdade de questionamento quando se está diante de uma palavra dita profética. Neuza cita a passagem de 1 Co 14:3 - "Mas o que profetiza fala aos homens, para edificação, exortação e consolação".                         .

"Nós somos muito vulneráveis, eu posso trazer uma profecia pautada numa experiência muito particular minha [...] Estou com problemas com alguém ou com a própria igreja e baseada nas minhas emoções, experiências, eu posso trazer uma profecia e, ao invés de edificar, eu vou destruir", afirma a líder.

Para o pastor presidente da Igreja Adventista da Promessa (IAP), José Lima de Farias Filho, a Nova Aliança traz uma visão diferente acerca da profecia. "No Antigo Testamento, o profeta era primariamente um homem da palavra de Deus, anunciando-a aos homens. Os profetas eram o 'porta-voz' de Deus e suas palavras eram uma combinação de proclamação dos oráculos divinos com predição dos atos divinos. No Novo Testamento, João Batista é denominado como o 'último profeta', no sentido clássico, ou seja, de profetas que tinham a profecia como ministério. É por essa razão que o Novo testamento afirma: 'Porque todos os profetas e a lei profetizaram até João' (Mt 11:13)", explica o pastor.

A profecia assume, então, segundo a interpretação de José Lima, o título de dom, dado por Deus para a edificação da Igreja: "O 'profeta' hoje, se assim podemos chamar, é todo aquele que prega fielmente o evangelho de Cristo [...] e eventualmente, se assim o Espírito Santo quiser, predizer ou orientar a Igreja sobre algo especial da parte de Deus". Ele apresenta a passagem de 1 CO 12, que já em seu primeiro versículo diz: "Acerca dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes".

Assim como se deu a Elias,Jeremias, Isaías, Daniel, entre outros profetas da Bíblia, o apóstolo Maurício Marques, líder da Sinagoga Cristã - Ministério Consolador de Israel, compreende que a profecia tem ainda hoje o caráter de ministério. Para fundamentar sua interpretação, ele cita a mesma passagem bíblica apontada por José Lima, de 1 Co 12, no versículo 28 - "E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas".

Atos proféticos

Os apontamentos da Igreja acerca do "profético" ultrapassam os conceitos de profecia e profeta na contemporaneidade.

Atitudes como a unção de bandeiras de estados e nações com óleo; o toque do shofar (chifre de carneiro ou antilope); a marcação da cidade com estacas que representam o domínio de Deus sobre o território; são algumas das ações denominadas "atos proféticos". Essas atitudes têm trazido à Igreja a oportunidade do exercício da fé, como também questionamentos sobre a necessidade de instrumentos para a liberação do poder de Deus sobre determinadas circunstâncias.

Para compreender o que significa um "ato profético", o apóstolo Maurício Marques afirma que é necessário lembrar que Deus é criativo, conforme Gênesis 1:1 -  "No princípio criou Deus os céus e a terra"; e comunicador, de acordo com João 1:1 - No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.

O líder divide a expressão: "Ato = ação, Profético = algo sobrenatural que comunica a vontade de Deus". Ele explica que lançar sal em pontos estratégicos, por exemplo, tem um sentido espiritual, baseado nas passagens de Juízes 9, na qual "Abimeleque salga o campo em Arumá, simbolizando a desolação permanente da cidade; e de 2 Reis 2, quando Elizeu joga sal nas águas para sará-las.

Utilizar hoje estratégias como essa é, na opinião do pastor e presidente da Editora Naós, Ubirajara Crespo, "apontar as armas na direção errada". Para o editor, não há ordem bíblica para a realização dos atos proféticos que, segundo ele, enquanto entendidos como símbolos, são oportunidades de reflexão e ensinamento para a Igreja.

 "Ainda não foi encontrado nenhum precedente bíblico, personagens neotestamentários flagrados fazendo tais coisas. Se alguém me mostrar um versículo que afirme que o toque do shofar traga alguma influência espiritual, eu me rendo [...]  Eu jamais dedicarei meu tempo para conquistar postes, bandeiras, mapas e coqueiros [...]  Em vez de procurar demônios debaixo das bananeiras, precisamos conquistar o coração das pessoas, pois é de lá que procedem os maus desígnios, como disse o próprio Jesus", expõe Crespo.

Apesar de ser um tema de recente discussão na Igreja, a apóstola Neuza Itioka conta que já em 1973 aproximou-se dos atos proféticos, durante a Conferência Internacional dos Gideões, do teólogo americano Peter Wagner. O evento reuniu 300 intercessores do mundo para orar em uma montanha da Coreia e abordar temas como batalha espiritual.

Na conferência, Neuza conta que um dos líderes quebrou um vaso, o que representava a destruição da idolatria na Polinésia. Posteriormente, na leitura da Bíblia, a apóstola encontrou a passagem de Jeremias 19, onde Deus pede ao profeta que reúna líderes e sacerdotes e despedace um vaso, o que demonstrava a destruição futura do local por causa da reverência a Baal. Desde então, Neuza foi direcionada por Deus a fazer atos semelhantes no Brasil.

Como outro embasamento bíblico para a realização dos atos proféticos, a  líder faz referência à de Apocalipse 18:21: "E um forte anjo levantou uma pedra como uma grande mó, e lançou-a no mar, dizendo: Com igual ímpeto será lançada babilônia, aquela grande cidade, e não será jamais achada".

Em 2000, Neuza decidiu também agir diante do alto índice de seqüestros na cidade de São Paulo, segundo ela, 32 casos.

"Deus colocou uma coisa muito interessante na minha mente: Tem que fazer um ato profético. Mas como vou fazer um ato profético? 'Eu sei', dizia Ele, 'que quem está por trás desses sequestros é uma gangue'. Pela minha experiência de ministração, as gangues são dirigidas por pessoas comprometidas com satanás [...] Então eu comecei a pegar em um papel e a dizer: 'Senhor, aqui está o pacto satânico escrito com sangue humano e olha, a Igreja vai rasgar'. Eu comecei a chamar os pastores nos encontros [...] Eu falava assim: 'Agora, tua Igreja está aqui e tu sabes o que este papel simboliza no mundo espiritual, um pacto satânico que foi feito com sangue humano. Agora, Senhor, a Igreja vai destruir este pacto satânico e esses sequestros vão deixar de existir'", relata a Dra. Neuza Itioka.

De acordo com a apóstola, o ato foi realizado em 12 de fevereiro e o resultado ao fim do mês foi de oito sequestros.

O princípio da unção com óleo

No emprego dos atos proféticos, o óleo também é usado para ungir mapas e bandeiras, declarando o poderio do Senhor sobre cidades e nações.

Baseado em Tiago 5:14 - "Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor", o pastor José Lima assinala que a unção está pautada em quem a opera e não no óleo.

Além da cura de enfermos, o Ap. Maurício Marques assinala algumas citações do Antigo Testamento, nas quais o óleo é usado para a consagração para o ministério, como em Ex 29:7 - "E tomarás o azeite da unção, e o derramarás sobre a sua cabeça; assim o ungirás"; em reis, exemplificado pela passagem de I REIS 1:39 - "E Zadoque, o sacerdote, tomou o chifre de azeite do tabernáculo, e ungiu a Salomão; e tocaram a trombeta, e todo o povo disse: Viva o rei Salomão!"; unção de utensílios e prédios, assim como em Ex 40:9 - "Então tomarás o azeite da unção, e ungirás o tabernáculo, e tudo o que há nele; e o santificarás com todos os seus pertences, e será santo".

"Creio que da mesma maneira quem deu a receita do óleo foi o próprio Deus, e ele dirige seu povo a fazer como bem lhe apraz", ponderou.

Em 2002, Neuza Itioka recebeu do apóstolo americano Rony Chaves, a direção de ungir o Brasil em uma semana. Em dezembro, em uma conferência profética em Goiânia, 10 mil pessoas receberam este convite. A apóstola conta que um avião percorreu toda a fronteira brasileira aspergindo óleo do céu para as cidades. Desse evento, Neuza assegura que surgiram muitos testemunhos

Um deles o de uma jovem, diaconisa de uma igreja em São Paulo, que em sete dias ungiu todas as ruas do bairro Brooklin, na capital paulista. "Ela terminou no domingo. Chegou uma mulher, olhou para ela e falou assim: 'Vocês, seus amigos, sabem muito bem que eu não tenho mais lugar para ficar aqui'. Você sabe que não é ela que falou", narra Neuza Itioka.

A passagem de Isaías 10:27 - "E naquele dia a sua carga será tirada do teu ombro, e o seu jugo do teu pescoço; e o jugo será quebrado por causa da gordura" é lembrada por Neuza como uma das finalidades da unção com óleo, representado no texto como "gordura".  "O óleo simboliza o Espírito Santo, e o óleo quebra o jugo, a prisão, o peso que está sobre o local", afirma.

"A unção de óleo que nós fazemos como nestes lugares, é precedida sabe de quê? De intercessão, de arrependimento pelos pecados da cidade, do Brasil. A gente não vai jogando e fazendo coisas, achando que o óleo tem poder sobrenatural. O nosso óleo é consagrado. Nós consagramos e dizemos. Porque isso é um símbolo", ressalta a apóstola.

Símbolos, ritos e expressividade são para o pastor José Lima aparamentos da fé no Antigo Testamento. "Tudo era feito com muita solenidade: roupas solenes, dias solenes, lugares solenes, festas solenes, posições solenes. Uma liturgia pesada. Mas tudo apontava para o Messias", observa o líder da IAP.

Já no Novo Testamento, Lima destaca a liberdade e a criatividade, sem isentar a "exigência de santidade, decência e ordem no culto". Segundo o pastor, o cristão deve estar atento aos "modismos espirituais".

Na interpretação de Lima, o resgate de instrumentos e festas presentes no Antigo Testamento é o retorno aos "antigos rudimentos". "É só ler a epístola aos Hebreus, onde o escritor combate severamente os judeus convertidos ao cristianismo que queriam voltar à prática da adoração com as mesmas instrumentalidades do Antigo Testamento. A pregação de Hebreus é: Não se pode 'judaizar' o cristianismo! Por quê? Por que Jesus é maior que os sacerdotes humanos, maior que anjos, maior que tudo e todos!", ressalta.

Na interpretação de Ubirajara Crespo, a função bíblica da unção com o óleo é "somente mostrar que um cristão consagrado passou por ali". "O óleo em si não tem valor algum, o poder é emanado por quem o passou", declara.

Crespo compreende que o Novo Testamento ampliou a unção para a oração por enfermos. No entanto, essa amplitude da unção com óleo foi banalizada: "Neste folclore evangélico ele é usado para afastar mal olhado, olho gordo, encosto, pobreza, imunizar contra ataques demoníacos, para unções penianas, vaginais, umbilicais e para o que mais aparecer".

A Ceia do Senhor é um Ato Profético?

"E, tomando o pão, e havendo dado graças, partiu-o, e deu-lho, dizendo: Isto é o meu corpo, que por vós é dado; fazei isto em memória de mim". O trecho bíblico de Lucas 22:19, que relata a última ceia do Senhor com os apóstolos, também é cenário para diferentes explanações da liderança da Igreja, que a interpreta como um ato profético e uma atitude de lembrança e obediência.

A ap. Neuza Itioka vê a Ceia como uma manifestação profética da Igreja, que aguarda a volta de Cristo. "Jesus ansioso esperando esse tempo que virá ceiar conosco e nós antecipando aquilo e fazendo isso pela fé. É um momento poderoso", expõe a apóstola.

Já para o pastor José Lima, "a Ceia do Senhor nunca foi, não é e nunca será um 'ato profético'". O presidente da IAP compreende a celebração como um memorial da morte de Cristo. "O que estava profetizado (profetizado, não "ato profético") no Antigo Testamento eram a vinda do Messias, sua encarnação, sua morte e ressurreição", reitera.

"Paulo disse a Timóteo: 'Lembra-te de que Jesus Cristo, que é da descendência de Davi, ressuscitou dentre os mortos' (II Tm 2:8) Lembra-te! [...] Satanás quer desviar o sentido da Ceia para que a morte e a ressurreição de Jesus não façam sentido para a igreja. No dia em que a Ceia virar 'ato profético' na Igreja, Jesus não será mais aceito como Senhor, então se verá uma das cenas mais deprimentes da história humana: o Cristo de Deus do lado de fora de muitas igrejas, batendo na porta, querendo entrar e cear, como em Laudicéia (AP 3:20)", aponta Lima.

Olhando para a passagem bíblica que narra a Ceia do Senhor, Ubirajara Crespo entende que ela remete ao passado e ao futuro: "Ao olharmos para o passado vemos, incentivados pelos elementos, o salvador que deu sua carne e sangue por amor de nós. Incentivados pela recomendação de que devemos fazer isto até que ele venha, olhamos para o futuro, o vemos como o Rei que virá implantar seu reino eterno".

Baseado no mesmo texto, o apóstolo Maurício Marques aceita que a Ceia seja compreendida como um "ato profético", mas assinala outra interpretação para o tema: "Eu prefiro dizer que a ceia é um ato de obediência, pois Jesus nesta ocasião estava dando um mandamento".

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