Cristãos voltam à Coréia do Norte e formam células clandestinas

Cristãos voltam à Coréia do Norte e formam células clandestinas

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:00

Segundo informações das próprias igrejas, cerca de 90% dos convertidos que voltaram ao país foram descobertos pela polícia e executados ou enviados ao campo de concentração de Yodok, a 300 quilômetros da capital, Py

A fronteira que separa a China da Coreia do Norte é uma das mais policiadas do mundo. Minas, radares, mirantes, postos de controle pontuam as margens dos rios Yalu e Tumen para impedir a passagem de desertores. Mesmo assim, o fluxo de refugiados vindos das províncias do norte do reino de Kim Jong-il é constante desde 1995, quando a epidemia de fome, que matou cer-ca de um milhão de pessoas, provocou o primeiro grande êxodo dos sobreviventes para a China. E agora, alguns desses refugiados fazem o cami¬nho de volta por conta própria, e com uma perigosa missão. Convertidos ao cristianismo por missionários, eles querem espalhar sua nova religião entre os compatrio¬tas, formando uma rede clandestina de resistência cristã ao regime comunista e ateu da Coreia do Norte.

Segundo o Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas, entre 200 mil e 500 mil súditos de Kim Jong-il teriam optado pelo exilio nos últimos dez anos, atravessando a fronteira não somente para fugir da repressão totalitária, mas, sobretudo, para não morrer de fome. Muitos foram detidos pela policia chinesa, que os entregou aos vigias da fronteira porque a China não concorda em conceder-lhes o estatuto juridico de refugiados, como exige a ONU. Pequim os qualifica de "traficantes" e, por isto, eles não podem reivindicar o direito de asilo. Muitos conseguiram se esconder, graças à cumplicidade da comunidade coreana que vive na região autonoma chinesa de Yanbian, apelidada de Terceira Coreia. Os de mais sorte sobreviveram porque foram recolhidos pelas missões protestantes da Coreia do Sul, país que é hoje o segundo maior exportador de missionários, atrás somente dos Estados Unidos.

Execução ou prisão para os capturados Representantes das igrejas batista, metodista e outras denominações evangélicas estão presentes na fronteira desde 1995. Na época, o objetivo era alimentar e dar alojamento aos fugitivos. Aos poucos, os missionários decidiram batizá-los porque os norte-coreanos pediam para se converter, em reconhecimento à coragem com que os religiosos desafiavam a policia chinesa para ajudá-los. Sem saber, porém, que o objetivo dos missionários é também político.

- O dever dos cristãos é combater Kim Jong-il e sua dinastia vermelha - decreta o reverendo Park, transferido da Igreja Saemmul de Seul para Yanbian.

Ele compara o trabalho dos missionários cristãos à atuação do Papa João Paulo II, que teve papel importante no enfrentamento do comunismo em sua nativa Polônia, contribuindo para o fim da União Soviética em 1991.

Chegar até a comunidade cristã de Yanbian não é fácil e parece romance de espionagem. É preciso ir de bicicleta até o ponto de encontro indicado, depois pegar um automóvel discreto e, ao chegar ao primeiro apartamento, ter a surpresa de não encontrar ninguém, apenas um envelope contendo um recado curto: Atravesse a rua e vá ao segundo andar do prédio em frente". No pequeno quarto e sala onde só uma cruz enfeita a parede, o reverendo Park apresenta Pok Yol, desertor proveniente da província norte-coreana de Hamhung. Jovem, ar saudável, terno novo e tênis modernos, Pok prefere esquecer os tempos de miséria e só falar do presente. Diz que descobriu Deus, a Bíblia e que a religião é uma forma de substituir a carência afetiva provocada pelo exílio. Como outros desertores que as igrejas estão convertendo, Pok passou por um treino intensivo de oito horas por dia para aprender a Bíblia de cor e tornar-se, por sua vez, um missionário com futuro determinado.

- Ele voltará à Coréia do Norte para integrar a comunidade cristã clandestina, cujo objetivo é derrubar o anti-Cristo Kim Jong-il e sua camarilha. A Coréia do Norte é hoje a nova terra de missão para divulgar a palavra de Cristo - assegura o reverendo, falando em nome do refugiado.

É difícil saber quantos desertores foram assim "recuperados" pelas igrejas e retomaram à Coréia do Norte para formar o que o reverendo Park chama de "células adormecidas", isto é, grupos de cristãos que, em silêncio e com discrição, praticam a religião e divulgam a Bíblia. Sabe-se, porém, que poucos assumiram a missão até o fim, pois na Coreia do Norte as denúncias são frequentes e o sistema repressivo, brutal. Segundo informações das próprias igrejas, cerca de 90% dos convertidos que voltaram ao país foram descobertos pela polícia e executados ou enviados ao campo de concentração de Yodok, a 300 quilômetros da capital, Pyongyang.

- São os nossos mártires - concede o reverendo Park. As autoridades da Coréia do Norte confirmaram indiretamente tais detenções em julho de 2009, quando a TV local divulgou as imagens de Ri Yong-ok, de 33 anos, fuzilada na praça de Ryongchon, pequena cidade situada a 70 quilômetros da fronteira da China, porque distribuía a Bíblia. Depois da execução, os pais, o marido e os filhos de Ri Yong-ok foram transferidos para o Campo de Concentração N!! 22, em Hoeryong, um guIag dividi¬do em dois setores: o dos "prisioneiros recuperáveis", que poderão ser libertados um dia, e o dos "irrecuperáveis", cujo destino é a morte.  

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