Culto dos moradores de rua reúne semanalmente cerca de 150 pessoas

Culto dos moradores de rua reúne semanalmente cerca de 150 pessoas

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 3:30

Por Felipe Pinheiro

"O Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo" (Romanos 14:17).

13 mil moradores de rua, segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social da cidade São Paulo, fazem parte de uma realidade ignorada, ou invisível aos olhos de quem se acostumou a uma imagem corriqueira, já inserida no contexto de uma metrópole brasileira. Desse número, a maior parte possui problemas com drogas ou álcool e, consequentemente, com a família.

"Eles não devem ser vistos com olhar de misericórdia social, mas com misericórdia de Deus", afirmou o pastor Tony Souza que lidera a Igreja Restauração em Cristo, voltada não somente ao trabalho social, mas ao relacionamento entre pessoas à margem da sociedade.

Todas às quintas-feiras, às 8h, moradores de rua começam a chegar para o culto que se inicia às 9h. Alguns trazem os seus pertences em sacos, outros, a carroça que serve como instrumento de trabalho. Em pouco tempo, cerca de 150 pessoas lotam o salão. "Antigamente aqui era muito fedido, porque a casa deles é esse saco, que eles andam pra lá e pra cá", revela Souza. Um dos motivos da melhoria foi a instalação de um chuveiro, após sete anos de obra social. Segundo Ronaldo Pereira, encarregado do louvor que antecede a pregação da palavra, o serviço de cabeleireiro e banho são formas de mostrar ao morador de rua a importância de inserção na sociedade. "Eu enxergo esse trabalho como uma ponte. Não se resume à salvação. É uma possibilidade para que eles queiram voltar para a sociedade", explica.

Guilherme C., uruguaio que está no Brasil há cerca de 20 anos, viveu nas ruas desde os seis anos de idade, após a separação dos pais. Distante de casa teve envolvimento com roubo, tráfico e homicídios. Após conhecer Jesus por meio de um cristão que o levou para a Igreja Missionária Oriental de São Paulo (IMOSP), Guilherme viu sua vida se transformar. "Deus usou a boca de um profeta na Igreja. Ele orava em espanhol e ninguém entendia. Eu entendia tudo o que Deus falava para mim, todos os meus caminhos, desde quando era criança o que eu fazia. Aí eu entendi que eu tenho um Deus que é Todo Poderoso. Pude então me sentir leve e aquele fardo pesado que eu carregava foi embora no nome de Jesus".

Pela primeira vez na Igreja, aguardando para cortar o cabelo, Maurício Alencar, há dois anos na rua, afirmou esperar pela recuperação da banca de artesão.  "Quem vive na rua não é digno. Fica sempre dependendo das pessoas. Como um filho de Deus eu desejo recuperar os meus instrumentos e a minha banca de artesão". Sobre o primeiro contato com o trabalho social, Alencar resume: "Eu chamo isso de humanidade".

Ansiosa para começar o primeiro dia de trabalho, Tercia Patrícia fez o curso de cabeleireiro especificamente para ajudar na Igreja. "No primeiro dia você fica nervosa por não conhecer o ambiente. Mas pretendo conviver melhor com eles. É maravilhoso poder ver eles felizes. Sempre quis ajudar as pessoas na rua, nem que fosse com palavras".

Há três anos na Igreja, Baixinho revela o que mais gosta na Igreja: a Palavra do Senhor. "De um tempo para cá tenho melhorado muita coisa, até a bebida tenho deixado. É duro, mas temos que ter muita força de vontade em não ir para o mau caminho, para os butecos. Não venho aqui tanto pelo café, mas pela Palavra". Para sobreviver e decidido a não ficar parado, Baixinho reveza o trabalho descarregando galões da água do caminhão para um depósito e catando latinhas e papelão para a reciclagem.  

"Amar o próximo como a ti mesmo" (Mateus 22:37)

A Igreja Restauração em Cristo começou há 15 anos como um trabalho de ação social, fruto da necessidade de se criar um ambiente fundamentado no amor ao próximo. "Eles realmente eram transformados, mas pela condição não conseguiam adaptar-se ao meio social das igrejas normais", salientou Souza. A principal reclamação era a falta de contato com o pastor. "Eles não recebiam um abraço e nem eram cumprimentados na rua por alguém conhecido da congregação. A igreja tem que estar preparada para isso", disse Souza que, no entanto, reconhece a dificuldade de convivência em razão do mau cheiro dos moradores.

Além da unidade próxima ao metrô Tiradentes, existe outra liderada pelo pastor Ângelo Gamaliel na Praça Princesa Isabel, ao lado do terminal de ônibus. Em entrevista ao Guia-me , Gamaliel contou sobre uma experiência gratificante que teve com um membro da Igreja na semana passada. "Fui almoçar num restaurante e um rapaz, que ouviu várias vezes a pregação, estava  lá. Eu não o reconheci. Ele disse: Pastor, eu conheço o senhor. Comi muito pão com mortadela. Hoje, graças a Deus estou trabalhando, tenho a minha família de volta e vou pagar o seu almoço".

Em oposição ao desejo de outros líderes, que buscam o crescimento do número de pessoas em seus templos - para uma igreja que realiza o trabalho social e espiritual com moradores de rua, o indício do progresso é quando um membro não volta mais para assistir aos cultos. "As igrejas lutam para crescer, a nossa luta é para diminuir. Quanto menos gente tiver, mais abençoada está a igreja", garante Souza, que vê a ausência de um membro como conseqüência de ter arranjado um emprego e o cumprimento do propósito ministerial: a volta para sociedade.

Para isso, é feito um trabalho de encaminhamento dos que sofrem com a dependência química ou do álcool, para lugares específicos de recuperação, chamados de Casa de Convivência. "A nossa alegria é quando eles tornam-se homens de Deus. Não há como fazer um trabalho desses se não existir o verdadeiro amor que Deus colocou no nosso coração", disse o pastor Gamaliel.

Doação

A Igreja Restauração em Cristo é mantida por doações. "Hoje precisamos de pessoas que ajudem financeiramente ou com doações. Esse é um trabalho de resgate. Precisamos de investimento para poder arrumar um lugar maior, dar cursos de reciclagem, profissionalizantes, corte de tecido", afirma o pastor Souza. Ele ressalta a importância de parcerias com outras denominações, além do apoio que recebem da Igreja Missionária Oriental.

Depoimento de Guilherme C.:

"É preciso entender que Igreja sem amor, que não ama o pecador e as pessoas que estão jogadas nas cadeias e hospitais não é Igreja. Temos que abrir os olhos, pois somos servos. Como o Senhor Jesus, ele esvaziou-se e serviu. Ele não buscou lugar ou posição, sendo Deus e Rei dos reis. Temos que ficar atrás Dele, não querendo ser apóstolos ou pastores. Não somos nada. Temos que obedecer ao Cordeiro, a um Senhor que é todo poderoso e que está no Céu e na terra.

A sua vinda está próxima. Temos que nos arrepender, ter amor ao próximo e que a nossa família seja do Senhor.

Eu creio que Deus vai abrir os olhos da Igreja e verdadeiramente derramar o seu Espírito para que Ele possa completar a obra. Todos saberão nos quatro cantos do mundo que ele é o Senhor. Na janela 10:40 falta cumprir-se os propósitos de Deus, porque ele é o profeta.

O que mais fui tocado quando saí da rua foi o amor. O amor das pessoas. Sendo do Uruguai, sentia-me muito sozinho. Isolado. Deus usou pessoas que têm o Espírito Santo para me darem amor".

Serviço

Igreja Restauração em Cristo

Local: R. Mamoré, nº71 - próximo à estação de metrô Tiradentes

Dia de culto: Quinta-feira às 9h.

Para mais informações, entrar em contato com o pastor Tony de Souza - tel.: 9343-1387

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