Ele ousou ir às grades

Ele ousou ir às grades

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:24

A imagem que abre essa reportagem é proposital e referencial. Mas muito ao contrário do que se sugere, esse homem não está encarcerado ou sob algemas, mas livre. E disposto a levar a liberdade a quem de fato está por entre as grades. Casado, 45 anos, pai de dois filhos, Marcelo Crescêncio de Oliveira é pastor e o responsável hoje pelo Ministério Onésimo, na Lagoinha, de evangelização de detentos junto às carceragens de Belo Horizonte e região metropolitana da capital. Por conta do próprio trabalho que desenvolve, por suas mãos e de sua equipe já passaram centenas de presidiários, muitos até de altíssima periculosidade, que desceram às águas batismais numa confissão pública de sua nova fé, uma vez que se renderam ao poder do evangelho que tem sido anunciado pelo próprio ministério. Nessa entrevista exclusiva, que se segue agora de forma íntegra no portal Lagoinha.com (já que inicialmente, e de forma editada, fora publicada no periódico semanal Atos Hoje, de Lagoinha, edição nº20, de 16/5/10), Marcelo Crescêncio fala das conquistas e dos desafios do trabalho que exerce. Para encerrar em gratidão a Deus por ter chegado onde chegou. Hoje ele sonha com um veículo próprio e à altura das necessidades e demandas do Ministério para transportar toda sua equipe, e expandir ainda mais o trabalho. Segue então a entrevista:        

Lagoinha.com: Atos HojComo se sente por estar à frente de um trabalho como esse e o que ele representa para o senhor além de ministério?

Marcelo Crescêncio: Sinto-me privilegiado. E o privilégio está no fato de estar cumprindo o ''Ide'' de Jesus, anunciando o evangelho àquelas pessoas. Não só de quando eu vim para Lagoinha (Igreja Batista da Lagoinha), em junho de 2001, mas em toda a minha vida, nunca me imaginei estar à frente de um ministério como esse. Estou muito satisfeito. Sinto-me também honrado por Deus, pois essa é uma oportunidade que ele me deu para estar trabalhar com essas pessoas. Essa também a chance que tive para meu crescimento e amadurecimento, pois quando você está num lugar como aquele, você não somente se dá anunciando o evangelho, mas também aprende muito.            

Lagoinha.com: Por que está à frente de um trabalho como esse? O que o motivou? Já trabalhava com isso antes de vir para a Lagoinha?

Crescêncio: Nunca tive uma experiência com esse trabalho e vim fazê-lo só aqui em Lagoinha. Nem sabia que havia um ministério como esse em Lagoinha. O que eu tive antes foi uma experiência com comunidades carentes como Pedreira Prado Lopes, Ventosa e Morro das Pedras, trabalhando com jovens, embora ajudasse também minha esposa, que trabalhava com as crianças carentes. Ainda tenho esse trabalho. O que me motivou a encarar isso foi o fato de ele ser um desafio. Não só em Lagoinha, mas em outros lugares sempre estive aberto a novos desafios. Como quando fui para o seminário. Foi algo muito rápido, repentino. Deixei meu emprego e minha família e parti. Isso minha disposição vem desde meus 19 anos. Já fui também para o Pará, para o Paraguai. Assim, quando fui convidado para assumir o ministério porque havia essa necessidade, havia já em meu coração uma predisposição em servir e estar onde estou hoje. A reação de minha esposa e família foi tranquila porque ela já trabalhava comigo junto às comunidades. Com meus filhos também foi tranquilo porque eles eram ainda pequenos, pré-adolescentes. Só minha mãe que ficou um pouco preocupada e sempre me dizia que estava orando por mim. (Risos)               

Lagoinha.com: O senhor acha que o trabalho junto às comunidades carentes foi um laboratório para o que faz hoje junto aos presos?

Crescêncio: Com certeza, ajudou muito, porque pude conhecer a muitos que já estavam nas drogas e no tráfico. E quando cheguei aos presídios, via ali gente me chamando: ''Pastoorrrrr, pastooorrrrrrr...!'' E quando me aproximava para conferir, era uma dessas pessoas que já havia conhecido naquelas comunidades carentes. Ainda hoje continuo com o trabalho junto aos jovens na comunidade Pedreira Prado Lopes, na liderança da Casa da Paz (um dos trabalhos da igreja). Temos ali uma equipe de evangelização que atua no Projeto Pedreira e com o trabalho, já encaminhamos alguns jovens para casas de recuperação.  

Lagoinha.com: Que desafios apontaria de um ministério como esse, já que nem todos na comunidade evangélica parecem se sentir à vontade e aptos para a evangelização de presos?

Crescêncio: Realmente é um desafio grande, porque esse é um trabalho marginalizado pela maioria na sociedade. Por causa disso, falta pessoal, embora tenhamos uma equipe boa conosco. Há pessoas também que criticam, não só fora dos presídios, mas até mesmo dentro. Só como exemplo, recentemente, quando fomos realizar um batismo de presos num dos centros de detenção a que temos acesso, onde estavam cerca de 150 presos no pátio, o próprio agente nos disse: ''Vocês têm certeza de que vão entrar aí dentro? Vocês são loucos''. Há também a rejeição de alguns diretores e agentes, que não permitem nossa entrada nos presídios e chegam a dificultar muito as coisas. Há ocasiões em que temos de ficar por horas aguardando, e às vezes nem chegamos a entrar. Isso não acontece com frequência, mas acontece. O que nos estimula e incentiva é sabermos que Deus tem nos abençoado tanto, a ponto de termos uma relativa abertura, quando somos bem recebidos. Mas como disse, ainda há uma certa rejeição.     

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional e do Conselho Nacional de Justiça, a população carcerária do Brasil dobrou nos últimos nove anos. O aumento foi impulsionado pelo crescimento do número de presos provisórios que aguardam julgamento. Eles já representam 44% dos 473 mil detentos. Num contexto como esse, o evangelho é mais que uma necessidade. É um grande desafio.

Lagoinha.com: Não só como pastor, mas como indivíduo, o senhor acredita na recuperação de um detento? Por quê?

Crescêncio: Com certeza, eu acredito. Claro que sim. E acredito porque temos hoje na igreja pessoas que foram alcançadas dentro dos presídios, das penitenciárias, e agora estão com a vida totalmente mudada e não querem mais voltar para o crime. Praticamente todas as vezes em que vou ao presídio, os presos me dizem: ''Pastor, arruma emprego para nós, porque não queremos continuar nessa vida''. Eles mesmos querem ter uma vida normal, cuidar da família, como qualquer ser humano. Querer é o primeiro passo. Além da vontade deles, tem também o poder de Deus agindo na vida de cada um para serem libertos. Temos inclusive na Bíblia o exemplo de um preso de nome Onésimo que teve sua vida real e totalmente transformada pelo poder de Deus pela instrumentalidade da vida do apóstolo Paulo.                         

Lagoinha.com: São vários batismos já realizados junto à população carcerária em BH e região metropolitana. O que tem percebido dos próprios presos e de todos que trabalham nesses centros de detenção em relação ao trabalho que a igreja tem feito?

Crescêncio: Dos próprios presos eu percebo a alegria, tanto quando a gente chega como pela maneira como eles participam das reuniões. A equipe é muito bem recebida. Tenho também visto a mesma recepção em relação ao evangelho que é anunciado. Há toda uma reverência e um respeito. Por parte de alguns diretores e agentes, há essa mesma postura de aceitação. Inclusive há quem nos convide, que não são evangélicos, para fazer esse mesmo trabalho. Eles veem a diferença. Isso é muito gratificante.     

Lagoinha.com: De todas as histórias que já ouviu desde que começou o trabalho, qual mais te impressionou?

Crescêncio: Se não me falhe a memória, foi quando realizamos o primeiro batismo no Ceresp (Centro de Remanejamento do Sistema Prisional) da Gameleira, em 2007, quando a presença de Deus foi muito real, a ponto de os presos ficarem quebrantadíssimos. E teve uma mulher que foi visitar o esposo que estava ali e levou seu bebê de poucos meses de nascido. Após o fim do batismo, ela me pediu que eu consagrasse a Deus o filho dela, ali no pátio da carceragem. Ali mesmo eu levantei a criança aos céus e a consagrei a Deus. Isso me marcou muito.         

Lagoinha.com: O que diria de sua equipe que divide contigo as responsabilidade do Ministério?

Crescêncio: Dou graças a Deus por essa turma, pois essa é uma equipe muito boa. A maioria são mulheres. É de admirar o empenho e a disposição de todos. Não medem esforços e acreditam que esse é seu chamado. Alguns deles estão conosco há anos. Agradeço a vocês, equipe, e oro para que sejam fortalecidos e renovados. Continuem firmes, perseverantes. E não desanimem, não desistam, pois serão recompensados por Deus.

Lagoinha.com: Onde quer chegar com o Ministério Onésimo em termos de evangelização e batismo de presos?

Crescêncio: Quero alcançar realmente cada preso de cada presídio. De inicio, de toda Belo Horizonte. E não só alcançá-los, mas alcançar os diretores e agentes. Desejo também que cada um desses detentos sejam reintegrados à sociedade e à família. Pois eles sonham e lutam com isso.          

Lagoinha.com: Uma palavra final

Marcelo Crescêncio: Quero agradecer a todos que tem contribuído direta ou indiretamente com o Ministério por meio das orações e doações. Por aqueles que têm orado por minha vida. Fica aqui minha palavra de gratidão. E um pedido de oração: que Deus nos envie mais trabalhadores, pois grande é a seara. Deixo também uma palavra de desafio para a Igreja brasileira: é hora de cumprirmos, e fato, o ''Ide'' de Jesus para pregar o evangelho.

Por Marcelo Ferreira

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