O pastor José Armando Cidaco não pensou duas vezes: diante da tragédia que se abateu sobre a Região Serrana fluminense na madrugada do dia 12 de janeiro, abriu as portas do templo de sua igreja, em Teresópolis uma das cidades mais castigadas pelas enchentes na região, episódio já considerado a maior catástrofe climática da história do Brasil , para acolher os desabrigados. Em dado momento, mais de 200 pessoas, entre evangélicos, católicos, adeptos de outras crenças e pessoas sem religião amontoavam-se pelas dependências da Igreja Batista de Barra do Imbuí (IBBI). Cultos e atividades rotineiras cederam o espaço a montes de donativos, famílias acomodadas sobre colchonetes e uma legião de voluntários para ajudá-los, inclusive membros da congregação. Está tudo destruído. Jamais vimos coisa assim, disse o religioso à reportagem de CRISTIANISMO HOJE. Infelizmente, os mortos devem passar de mil. São muitos mais do que a imprensa tem divulgado, pois há localidades que desapareceram por inteiro, afirma Cidaco, que conhece bem a região, onde trabalha há mais de 20 anos.
A situação na IBBI, que recebeu até cadáveres resgatados nos escombros, é um fragmento do que aconteceu em sete municípios fluminenses. Montanhosa e cortada por rios, a região, de grande beleza natural, é das mais vulneráveis às chuvas fortes como as que ocorreram em janeiro. Já foram contabilizados mais de 750 mortos e quase 20 mil pessoas tiveram de sair de casa (ver quadro), ou porque desabaram ou porque foram interditadas diante da iminência de desmoronamento. O crescimento populacional exagerado mais de 500 mil pessoas vivem na Região Serrana, das quais 40% em áreas de risco levou à favelização e à ocupação desordenada. Por cidades como Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, escolas, clubes, igrejas e até marquises estão amontoadas de flagelados. Um cenário de guerra, sem que tenha sido disparado um único tiro, comparou o comandante-geral da Polícia Militar, Mário Sérgio Duarte.
Assim como Cidaco, milhares de pastores, líderes evangélicos e crentes de todas as idades mobilizaram-se numa corrente de solidariedade que foi rapidamente montada, mesmo sem um comando centralizado. Grandes denominações e pequeninas igrejas de periferia abriram as portas de seus templos para recolher e selecionar donativos, numa mobilização jamais vista em termos de volume e rapidez, chegando antes até mesmo das Forças Armadas. Muita gente, inclusive nossos irmãos em Cristo, estão sofrendo. A gente não pode ficar de braços cruzados, repetia a dona de casa Iracy Fernandes Vieira, crente da Assembleia de Deus. Ela apresentou-se como voluntária num grupo de trabalho montado na sede da Cruz Vermelha brasileira, no centro do Rio.
O cirurgião dentista Waldimir Carvalho, da Igreja Presbiteriana Betânia, é outro que pôs a mão no arado da solidariedade cristã. Ele reuniu um grupo de 20 amigos do grupo Homens de Palavra uma confraria de evangélicos dedicados à oração e à comunhão e subiu para Nova Friburgo levando um caminhão e mais dois veículos abarrotados de suprimentos. O destino era uma localidade chamada Banquete, que, segundo souberam, estava totalmente isolada. O que vimos é desolador, conta. Muitas das coisas que levamos ficou pelo caminho, pois éramos abordados por gente faminta. Lá, descarregaram tudo numa igreja, de onde o material será distribuído. Vamos continuar mobilizando o pessoal. Os crentes são muito solidários e a ajuda chega de todos os lados, comemora.
PESADELO DAS CHUVAS Além das igrejas que montaram postos de recolhimento e forças-tarefa para ir aos locais atingidos, organizações como a Sociedade Bíblica do Brasil, o Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC) e ONGs religiosas se estruturaram para levar socorro material e espiritual aos desabrigados. A Rede Evangélica Nacional de Ação Social (Renas) está promovendo cursos intensivos de socorro de emergência, para preparar voluntários. Até shows gospel, como o Adoradores em Cristo e o Conexão SP, realizados na segunda quinzena de janeiro, trocaram ingressos e CDs por donativos. As tragédias provocadas por chuvas fortes e deslizamentos de encostas são um pesadelo para a população fluminense, recentemente abalada por tragédias semelhantes ocorridas em Angra dos Reis, no réveillon de 2010 (53 mortos) e em Niterói, em abril passado, quando fortes temporais provocaram 167 vítimas fatais e deixaram 4 mil famílias sem casa.
É humanamente impossível conter fenômenos climáticos. Importante é ter controle sobre as construções em áreas perigosas e retirar quem vive lá, enfatizou o coronel bombeiro Adilson Alves de Souza, da Defesa Civil. Ele repete o mantra entoado por autoridades dos três escalões de poder diante de fatos que se repetem. Estamos assistindo ao resultado de décadas de omissão do poder público, pontificou o governador do Rio, Sérgio Cabral, no poder desde 2007 e antes senador, deputado e presidente da Assembleia Legislativa. Os prefeitos culparam a meteorologia, lembrando que choveu em um dia o esperado para um mês inteiro. Dilma Rousseff, recém-chegada à Presidência após oito anos de participação no governo Lula, visitou a região afetada no dia seguinte à tragédia. Palmilhando a lama com olhar perdido, recorreu ao óbvio: É um momento dramático. As cenas são muito fortes.
E são mesmo. Entre telhados enterrados na lama, fileiras de corpos envolvidos em sacos pretos e grupos recolhendo cestas básicas atiradas de helicópteros, muita gente vagava sem sequer água para beber. As necessidades são inimagináveis. Falta tudo, de absorventes higiênicos a velas para iluminar as casas que restaram, sem fornecimento de luz, comenta o pastor Ary Iack, da Igreja Maranata, do Rio. Ele subiu a serra algumas vezes, levando comida, água, roupas e outros materiais recolhidos nos cultos. Denominações com presença na mídia, como Sara Nossa Terra, Internacional da Graça e Universal do Reino de Deus, apelaram a seus fiéis para fazer doações e montar brigadas de socorristas nas regiões afetadas. Centenas de templos da Universal montaram postos de recolhimento pelo país inteiro.
Outros grupos evangélicos recorreram às redes sociais para levantar donativos e fundos. Essa empreitada está só começando, avisa o missionário Leandro Marques, de Duque de Caxias (RJ). Desde o primeiro dia das enchentes, ele tem usado sua rede de amigos e colaboradores ministeriais para socorrer as vítimas. Nem tenho dormido direito, brinca. Não é para menos segundo Marques, Teresópolis e Nova Friburgo estão num quadro pavoroso de destruição: Muitas pessoas foram enterradas onde morreram, na lama. A Região Serrana cheira a defunto, lamenta. Sem querer olhar para trás, mas tendo a fé como motivação, ele apela a todos os crentes que não deixem o ânimo de ajudar arrefecer com a passagem do tempo: Continuem doando. Tenham ideias, façam gincana, coletas, mobilizem departamentos, contatem empresários e vizinhos, envolvem igrejas e comunidades, sei lá. Inventem coisas que possam tocar as pessoas. É agora o momento de mostrar o verdadeiro Evangelho o do amor, da abnegação, de doar e de se doar.
Danos enormes 900 era o número de mortos até o fechamento desta edição 300 era o número aproximado de desaparecidos 15 mil pessoas encontram-se desalojadas 6 mil são os desabrigados 1,5 bilhão de reais serão necessários para a reconstrução
Sua avaliação é importante para entregarmos a melhor notícia
O Guiame utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência acordo com a nossa Politica de privacidade e, ao continuar navegando você concorda com essas condições