Esquizofrenia - tratamento físico ou espiritual?

Esquizofrenia - tratamento físico ou espiritual?

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:28

Por Felipe Pinheiro

Famoso bailarino ucraniano, Vaslav Nijinsky chamou a atenção da Escola Imperial de Ballet de São Petersburgo aos 10 anos, quando foi aceito pela instituição ao ingressar nas aulas de dança. Com louváveis movimentos artísticos, o bailarino assumiu um posto de vanguarda na época: pela primeira vez um homem atraiu a atenção do público num estilo que as mulheres dominavam.

Anos mais tarde, o despontamento glorioso do artista deu lugar ao isolamento social, incoerência mental e crises de agressividade. Em 1919, aos 30 anos de idade, o bailarino adoeceu e foi diagnosticado com demência precoce - a chamada esquizofrenia. "Sei que Deus queria essa guerra. Sei que Deus não quer guerras, e foi por isso que enviou horrores aos homens'', relatou num discurso ambivalente publicado em Os Cadernos de Nijinsky.

Com origens incertas - existe um misto entre fatores genéticos/hereditários e ambientais/sociais -, a esquizofrenia tem sido debatida a fim de que estigmas se enfraqueçam e dêem lugar à possibilidade de inclusão social aos portadores da doença, por meio de tratamentos indispensáveis. ''A esposa de Nijinsky  fez o máximo possível para tratá-lo. Ele foi levado aos melhores psiquiatras, ficou internado até o final da vida e nunca mais dançou. Não havia [medicamentos] antipsicóticos nessa época'', avaliou o Dr. Hélio Elkis, coordenador do Programa Esquizofrenia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em palestra sobre o assunto, na terça-feira passada, dia 2 de junho, promovida pela indústria farmacêutica Janssen-Cilag.

Conhecida pelos delírios e alucinações, a esquizofrenia apresenta-se com sintomas classificados pela comunidade psiquiátrica como negativos (o indivíduo fala pouco, tem pouca vontade, pouco prazer, perde a capacidade de contato afetivo e tem um discurso desorganizado). Segundo o Dr. Daniel Martins, do Instituto Bem-Estar, ''normalmente ela se manifesta em adultos mais jovens, pode surgir de forma relativamente brusca, ou lentamente, com uma mudança progressiva do jeito de ser da pessoa, antes de evoluir para os sintomas mais graves''.

A esquizofrenia atinge cerca de 1,4 milhão de brasileiros e 1% da população mundial. Uma boa forma de combatê-la é entendê-la como uma doença tratável. John Nash, matemático norte-americano ganhador do Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel pela Teoria dos Jogos, em 1994, desenvolveu paranóias ainda quando estudava na Universidade de Harvard. ''Ele nunca mais teve a mesma produção intelectual, mas é alguém que conseguiu dominar a doença. Isso é porque tem tratamento'', ressalta Elkis.

Tratamento

De acordo com Martins, ''os medicamentos são bastante eficazes, mas possuem efeitos colaterais diferentes e devem ser escolhidos de acordo com o perfil de cada paciente''. A principal função dos antipsicóticos é atenuar os sintomas positivos, reconhecidos como os delírios e as alucinações. ''Os medicamentos bloqueiam a dopamina e impedem essa superprodução. Aí você tem uma melhora dos sintomas psicóticos'', explica Elkis.

No entanto, para a estabilização do problema, são necessários tratamentos psico-sociais assim como a participação da família. ''O acompanhamento familiar é fundamental em qualquer estratégia terapêutica adotada, e sem ele a perspectiva de melhora é muito pior'', afirma Martins. A compreensão dos parentes garante um progresso significativo para o esquizofrênico. ''O cérebro das pessoas está processando. É verdade que existe uma voz, mas não uma voz que a gente ouve. É preciso afirmar que a vivência dele é real, mas que essa voz não existe no mundo externo'', destaca o psiquiatra Rodrigo Bressan, professor da pós-graduação do Instituto de Psiquiatria da Unifesp.

Com a adesão ao tratamento, as chances de controlar a demência se tornam possíveis. Para Martins, ''normalmente considera-se a esquizofrenia uma doença crônica, embora existam casos de regressão praticamente total dos sintomas''.

Corpo, mente e espírito

Demônios, extraterrestres, vozes depreciativas, sensação de perseguição e delírios de identidade, são alguns dos sintomas psicóticos presentes nas fases agudas do esquizofrênico. A fim de buscar uma relação da doença com questões espirituais, o Guia-me conversou com a psicóloga cristã Ana Maria Machado.

''A Bíblia relata diversos casos de pessoas que sofreram possessões e opressões demoníacas e que podem ter comprometido seu estado psíquico'', relata a psicóloga que observa o tratamento na sua integralidade - tanto espiritual quanto física. ''Se não for encaminhada para um tratamento eficaz, e ficar somente em orações e libertações, poderemos estar comprometendo a sua recuperação. (...) Devemos sempre lembrar que somos corpo, mente e espírito. É preciso cuidar de todas as partes'', alerta.

''A oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará'' (Tiago 5:15). A sugestão de Ana Maria é que em primeiro lugar a família busque tratamento médico e estabeleça uma boa relação com os amigos e irmãos da Igreja, afinal, segundo ela, quando um membro adoece, toda a família também fica doente. ''Entrar em oração é mais do que buscar por uma auto-ajuda, é buscar pela ajuda do alto. Creia que é possível ser feliz e ter uma vida normal, apesar da doença'', aponta.

Sobre a possibilidade de cura, a psicóloga entende que ''até há pouco tempo a esquizofrenia era tida como incurável". "Hoje, porém, uma boa porcentagem de pessoas que sofrem deste transtorno mental se recuperaram de forma fantástica e levam uma vida normal como qualquer pessoa'', afirmou a psicóloga e finalizou: ''Sob este prisma, eu diria que, se não estão curados, falta pouco, pois estão capacitados para uma vida total, integral''.

Bruno Gagliasso e o combate ao estigma

A esquizofrenia no Brasil voltou a ser amplamente discutida desde que o personagem Tarso na novela ''Caminho das Índias'' - interpretado pelo ator Bruno Gagliasso - passou a retratar a realidade de uma parcela de indivíduos, alvo de preconceitos. ''Falar desse assunto é muito importante porque as pessoas não têm noção do que é esquizofrenia. Pensam que o esquizofrênico fica girando, de cabeça para baixo e não é assim'', disse Gagliasso que recentemente lançou um blog (http://gagliassoblog.com/ ) voltado a debater sobre a doença.

''Um personagem assim na novela das oito é tudo o que a gente sempre sonhou, do ponto de vista de combater o estigma. Não tem nada mais poderoso do que isso'', defendeu Bressan, durante a palestra da Jassen-Cilag.

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