Faculdade introduz aulas de inclusão de pessoas com necessidades especiais

Faculdade introduz aulas de inclusão de pessoas com necessidades especiais

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:38

Quando resolveu cursar o Programa de Orientação Vocacional do Cemec (Centro Metodista de Capacitação), que poderia conduzi-lo ao curso de Teologia, o jovem Enoque Rodrigo de Oliveira Leite foi motivo de preocupação entre os membros da Igreja Metodista de Cunha. Todos gostavam do garoto inteligente e esforçado que desde os sete anos de idade anunciava que seria pastor quando crescesse. Mas poucos acreditavam realmente que esse sonho seria possível.  Portador de deficiência visual desde o nascimento, como Enoque poderia sair de uma cidadezinha do interior para estudar Teologia, sozinho, na região metropolitana de São Paulo? Como estudaria grego ou hebraico? E a Faculdade de Teologia, o aceitaria?

Antes que Enoque ingressasse no programa conhecido como “pré-teológico”, alguns irmãos resolveram telefonar para a Faculdade de Teologia da Universidade Metodista, a FaTeo.  O então coordenador do Curso, Prof. Paulo Roberto Garcia, os atendeu prontamente e os tranqüilizou: as portas da Faculdade de Teologia estavam abertas para o estudante.  Hoje, bacharel em Teologia e pastor em tempo integral, Enoque Rodrigo começará a ministrar aulas sobre inclusão, como colaborador no programa de atividades complementares da Faculdade.

O professor Paulo, atual reitor da Faculdade de Teologia, explica que a matriz curricular do curso de quatro anos inclui atividades elaboradas com o propósito de complementar a formação do futuro teólogo.  Diversos palestrantes são convidados/as a compartilhar suas experiências no exercício do ministério pastoral. O pastor Enoque dará orientações práticas aos futuros pastores e pastoras que têm o propósito de “alargar o espaço de suas tendas”, como recomenda o profeta Isaías, para abrigar a todas as pessoas, atendendo-as em suas necessidades especiais.

Enoque não é o primeiro “professor de inclusão” da FaTeo, revela o professor Paulo. Um ano antes a Faculdade de Teologia já recebera a aluna Kary Janaína Sales, primeira pessoa portadora de deficiência visual a ingressar no curso.  Nessa ocasião, também já estudava na FaTeo a seminarista  –  hoje teóloga e, também,  mestre em Ciências da Religião – Sandra Helena Monteiro Dantas, que se locomove em cadeira de rodas.  As necessidades específicas de Kary e Sandra já haviam levado a FaTeo a adotar novas medidas de acessibilidade e inclusão.

As dificuldades dos primeiros tempos de adaptação desses alunos com necessidades especiais foram superadas com a boa vontade de colegas, professores e funcionários, que se dispuseram a ajudá-los na localização e acesso às salas de aula, laboratórios e espaços de culto, no acesso a materiais didáticos e no acompanhamento das disciplinas. Mas o investimento em adaptações estruturais e em tecnologia também foi fundamental para o êxito dos estudantes.  A FaTeo dispõe de rampas, salas e banheiros adaptados, sinalizações táteis, softwares leitores de telas nas máquinas dos laboratórios de informática e uma Biblioteca Digital para Deficientes Visuais. Os livros são digitalizados e disponibilizados para que os alunos ouçam o conteúdo. O recurso está sendo desenvolvido como parte do trabalho de Assessoria Pedagógica para a Inclusão da Pessoa com Deficiência da Universidade Metodista, sob coordenação da professora e pastora metodista  Elizabete Cristina Costa Renders. Na inauguração da Biblioteca Digital, em 2007, Dorina Nowill, criadora da Fundação Dorina Nowill para Cegos (falecida em agosto do passado, aos 91 anos), esteve presente e elogiou a iniciativa: “A Metodista está cumprindo com seu dever com essa atitude de inclusão”, disse Dorina.

O pastor Enoque explica que a informática tem se tornado uma alternativa prática e barata aos dispendiosos, pesados  -- e raros -- livros em Braille . O software leitor de texto permitiu que ele lesse os textos das aulas e escrevesse seus trabalhos como qualquer outro aluno do curso de Teologia.  Quanto ao grego e hebraico que tanto preocuparam os irmãos e irmãs de Enoque, o desafio foi superado com o esforço do aluno e a dedicação dos professores. “Eu decorava os textos e fazia provas orais”, lembra o pastor, demonstrando que, acima de qualquer recurso tecnológico, o principal fator de inclusão é a disponibilidade em se aproximar e  conhecer a necessidade de outro.  O amor cristão faz o resto.

  Sim, nós podemos Ingressar na Faculdade de Teologia da Universidade Metodista foi uma conquista recebida com muita gratidão e alegria. Mas na vida de Enoque Rodrigo esse não foi o primeiro desafio vencido e ele já sabia: não seria o último.

Vivendo na zona rural de Cunha, interior do estado de São Paulo, Enoque só conseguiu acesso a um curso de Braille aos 13 anos de idade. Até essa idade, era analfabeto. Já sentia, no entanto, que Deus o chamara para o ministério pastoral e passava horas decorando versículos bíblicos que ouvia no rádio.

O início tardio nos estudos não o desanimou: em seis meses ele aprendeu Braille e pôde fazer o ensino fundamental. Depois, tornou-se o primeiro deficiente visual a cursar o ensino médio no município de Cunha, com o apoio de aulas do Telecurso 2º grau. Formou-se radialista em um curso técnico e hoje, com 27 anos de idade, é Bacharel em Teologia. Já tem sido convidado a ministrar palestras no Centro Metodista de Capacitação e na Faculdade de Teologia e a colaborar com alunos que escolhem o tema da inclusão para pesquisar em seus trabalhos de conclusão de curso, atuando como um orientador informal sob supervisão do professor da disciplina. O caminho natural, agora, é o Mestrado, que já está nos planos do jovem teólogo que tem o objetivo de ensinar e promover a inclusão na Igreja. Mas não passa por sua cabeça abandonar o ministério pastoral, a vocação que o fez chegar onde está hoje.  O pastor Enoque dedica-se em tempo integral à Igreja Metodista do Rudge Ramos (São Bernardo do Campo), cuidando particularmente do Ponto Missionário do Tamarutaca, em Santo André, onde foi recebido com carinho e respeito. “Toda a sexta vou de casa em casa, visitando os membros da Igreja, com a ajuda da própria comunidade. Sinto que a Igreja tem cuidado para comigo, mas sem subestimar. Já fizemos mais de 300 visitas juntos. Na Escola Dominical, dou aulas, acompanho o grupo de louvor e faço um trabalho diário de aconselhamento. Entre as pessoas que atendo, há uma senhora da Igreja que perdeu a visão recentemente e precisa de apoio para aceitar e adaptar-se à nova condição”, conta Enoque. 

O pastor tem consciência de que está abrindo caminho para a quebra de preconceitos que pode existir entre os próprios portadores de deficiências físicas ou sensoriais. “A divulgação do meu trabalho ajuda a sensibilizar as Igrejas a serem mais inclusivas e os/as portadores/as de deficiências a acreditarem em seus potenciais”.    

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