Guardiãs do Éden

Guardiãs do Éden

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 3:23

Flávia Baptista (de rosa), Silvana dos Santos (no meio) e Nivea Silva fazem

seu trabalho no pátio da delegacia de São Gonçalo, Rio de Janeiro

Feriadão de 21 de abril no Rio, estamos na 72ª DP do município de São Gonçalo, nos arredores de Niterói, uma delegacia que abriga carceragem fe­minina para cerca de 150 mulheres, amontoadas em 11 celas minúsculas. Do corredor, antes de passar pela revista dos guardas, já se ouve o eco de vozes: "Glória a Deus", "Glória, Jeová", "Bate palmas para Jesus". À medida que se penetra no diminuto pátio, destinado ao banho de sol, a energia aumenta, junto com o calor e o cheiro de perfume barato. Profecias e desejos repetidos a plenos pulmões: "Jesus, rasga meu processo", "Jesus, traz o meu alvará, para que eu possa louvar o teu nome", "Deus tem um plano para a sua vida". Catarse: lágrimas, mãos para o céu. Vontade de transcender a dura realidade. "Não é bom, não. É ótimo. Traz calma e paz pra gente pelo menos por uns dias. Depois começa o inferno de novo. Ainda bem que elas vêm toda semana", diz uma das presas, grávida de quatro meses e detida há exatamente o mesmo tempo. "Elas são famosas. Na igreja delas tem um centro de recuperação. Todo mundo que vai para lá larga o crime", emenda outra, de cabelos longos e pretos e boca pintada de rosa, na cadeia há nove meses.

Corta a cena para São João do Meriti, baixada fluminense. Mais exatamente para um bairro de nome sugestivo: Éden. Elas, as evangélicas famosas que comandavam o culto na cadeia feminina, vivem aqui, na sede da Assembleia de Deus dos Últimos Dias, congregação fundada pelo pastor Marcos Pereira da Silva, em 1991. A igreja dele, um emaranhado de cômodos sem ordem, alguns recém-reforma­dos e suntuosos, outros caindo aos pedaços, em constante obra, é um universo à parte. Outro planeta, melhor definindo. O rebanho compõe-se basicamente de ex-bandidos e familiares de criminosos. Quase todos têm um passado negro. Por abrigar nas suas fileiras gente da alta cúpula do crime organizado, como as duas irmãs de Marcinho VP (que não tem ligação com Márcio Amaro de Oliveira, traficante de mesmo apelido e morto em 2003), considerado o chefe do Comando Vermelho, preso na penitenciária de segurança máxima de Catanduvas, no Paraná, o pastor Marcos marcha sob os olhos desconfiados da polícia. Até hoje, porém, nunca se provou nada contra ele. A fama vem da forma como o líder religioso coopta seguidores. Seu pelotão de choque, homens e mulheres, tem passe livre em penitenciárias, favelas e bocas de fumo - onde são bem-vindos, e o poder público não dá as caras.

Em meados do ano passado, o Fantástico mostrou vídeos em que o pastor Marcos negocia com traficantes a soltura de pessoas condenadas pelas leis do morro, onde vacilou, morre. Os resgates são feitos diretamente nos cativeiros, em meio às torturas. E sob o grito de guerra estrondoso do pastor: "Deeeeeeeus".

Deus e o diabo

"Eu tiro gente do crime no atacado. O pastor Marcos tira no varejo", diz José Júnior, coordenador do AfroReggae, uma das ONGs mais atuantes do Rio. "Em 2000, lembro que ele aparecia de madrugada na boca para evangelizar. Eu botava o meu fuzil nas costas e saía fora. Mas a aproximação dele era com respeito, nunca pedia nada. Quando deixei a cadeia e arquitetava a volta para o crime, o pastor me chamou para morar na casa dele. Lá conheci o Júnior e hoje estou no AfroReggae", conta Washington Rimas, o Feijão, ex-chefe do tráfico de Acari, favela da zona oeste da cidade.      

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