Guerra Santa no segundo turno do pleito presidencial

Guerra Santa no segundo turno do pleito presidencial

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:09

O artigo 19° da Constituição Federal diz que é "vedado a União, ao Distrito Federal, aos Estados e municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, mantendo com eles ou com seus representantes relação de dependência ou aliança". Na prática, o comportamento das instituições religiosas ainda intervém no cenário político brasileiro. Como se vê neste pleito, onde as igrejas entraram na discussão com temas morais, e não políticos. Atitude que ajudou a levar as eleições presidenciais ao segundo turno.

Ao longo dos últimos anos, a  petista Dilma Roussef(PT) teria se declarado a favor da descriminalização do  aborto. Para a petista, o aborto não deveria ser legalizado, mas sim, tratado como questão de saúde pública.O tema suscitou reações da comunidade evangélica nacional, que parcialmente alega ser o ato um atentado à vida e aos ensinamentos cristãos. O assunto virou tema de correntes de internet.

No Espírito Santo, a questão do aborto, principalmente, fez surgir uma cisão dentro da própria igreja protestante. Os evangélicos não só avocaram a discussão, como criaram um Fórum Político Evangélico, para definir o apoio. Mas, formado por "dilmistas" e "serristas", o grupo de religiosos não entrou em consenso por um nome ao Palácio do Planalto.

Inicialmente, o presidente da Associação de Pastores Evangélicos da Grande Vitória (APEGV), o Pastor Enoque de Castro, declarou publicamente ser a favor do presidenciável tucano José Serra (PSDB). Posição criticada por outros pastores. Mas Enoque garante: a maioria apóia o tucano. "De 80% a 90% dos evangélicos no Estado tendem a votar em José Serra. Dilma e o PT defendem o aborto e a união de homossexuais, e somos contra. Vamos orientar isso aos fiéis".

Já o presidente de honra da APEGV, o Pastor Silas dos Santos Vieira, ressalta que, dentro das igrejas evangélicas capixabas há fiéis que apóiam o projeto de governo da candidata petista. Para o pastor, a presidenciável está sendo cruelmente difamada pela mídia. Compartilha da mesma opinião, o pastor Alcemir Pantaleão. "Minha postura é como cidadão e como membro da diretoria da entidade. Temos fiéis humildes dentro da igreja e neste espaço não se cabe debate no campo moral neste momento. Pois estão querendo desviar o foco. Oriento que o fiel vote de acordo com a necessidade dele e do projeto de desenvolvimento que o represente. Não é porque uma boataria foi plantada que o nosso povo vai ser massa de manobra de interesses de lideres religiosos com a bandeira do falso moralismo. Estamos com Dilma", disse o pastor.

Eleitorado evangélico reclama da falta de consistência nos debates

Estima-se que, atualmente, um terço da população capixaba seja evangélica, correspondendo a cerca de 1,2 milhão de pessoas. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no 1° turno da eleição presidencial, a candidata derrotada Marina Silva (PV) abocanhou cerca de 20 milhões de votos por todo o país. Grande parte deles dos evangélicos, que a apoiaram no Estado. Agora, no 2° turno presidencial, Dilma Roussef (PT) e José Serra (PSDB) tentam ganhar os votos deste eleitorado.

Mas vai ser difícil. Pelo menos se depender da costureira, Maria da Penha Couzi (53), pretende anular seu voto no próximo dia 31 de outubro. Ela, que é evangélica da Igreja Maranata, destaca que não está sentido consistência nos debates dos presidenciáveis pela televisão. "Na minha igreja não comentamos sobre política abertamente, mas seguimos os valores do Senhor Jesus Cristo. Eu sou totalmente contra misturar questões de ordem moral com política. Aliás, estou vendo os debates e estou um pouco decepcionada. Apesar de gostar das propostas da candidata petista, eu ainda prefiro anular meu voto. Gostaria que eles debatessem políticas sociais e não ficassem só nas acusações", reclama a costureira.

Já o filho da costureira, o universitário Benjamim Costa Couzi (23), reitera a fala da mãe: "Tenho colegas meus que vão votar no Serra porque escutaram isso ou aquilo na televisão e na internet. Na verdade os debates estão mornos, não têm me agradado. Mas por tudo que vivo e pela reflexão que faço do meu cotidiano, como fiz no 1° turno, vou votar na candidata Dilma por entender que ela vai continuar um governo bom como foi o do Lula para nós, mais pobres".

Já o economista Celso Ribeiro Pageski (32), o pleito presidencial ter sido levado ao 2° turno foi uma maneira "saudável" de debater a democracia e oferecer ao eleitorado propostas novas. "Sinceramente, não acredito nesta boataria que está disseminada pelos veículos de comunicação. Porém, não concordo com a candidata do PT em muitos pontos, assim como não tenho confiança no candidato do PSDB por representar um governo que não alcançou a todas as classes. Mas sei que toda mentira tem um fundo de verdade, e nós cristãos temos que saber discernir o que é certo e o que é errado".

A escolha do voto pautada pela religião tende a ser autoritária

O mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Deivison Souza Cruz, diz que a questão central não é o peso do voto religioso, mas o peso político das religiões nas escolhas dos indivíduos.

"O que é o peso da religião na política? É quando a religião sai do campo da discussão teológica, dos valores religiosos e vai interferir na escolha pública dos agentes políticos e parte do eleitorado. Quando os dirigentes religiosos dizem em quem a pessoa tem que votar ele está agindo politicamente, e não do ponto de vista teológico. No mundo ocidental não existe nenhum Estado Teológico, o que manda é a lei civil. E a lei civil não pode discriminar crenças, sexo e orientação dos indivíduos", explica.

Cruz ressalta que, em jogo há duas agendas: uma menor, que diz respeito aos assuntos morais de ordem pessoal, como crença, orientação sexual, valores e questões morais e religiosas. A outra agenda muito maior que é escolha de projeto eleitoral que envolve escolha de desenvolvimento para o Brasil, com temas que abarcam as questões gerais da sociedade, como desenvolvimento, emprego, saúde, educação e moradia. Ou seja, as condições gerais nas quais os indivíduos podem fazer as suas realizações individuais e expressar sua liberdade individual em torno destas condições gerais.

"Nesta eleição, do ponto de vista do debate publico, o que se está tentando fazer é que uma agenda exclua a outra. O voto não deve ser pautado por interesses somente individuais, exclusivamente de maneira totalitária, pois o voto é a escolha individual na qual nós mediamos a escolha da sociedade", finaliza.

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