"IECLB precisa encarar formação teológica", diz ex-presidente

"IECLB precisa encarar formação teológica", diz ex-presidente

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:01

A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) desenvolveu nos últimos anos, de modo significativo, a consciência missionária integrada à dimensão litúrgica e diaconal, relacionando-a também ao compromisso ecumênico. “Ficou muito claro para a IECLB que ecumenismo e missão não são contraditórios, mas na medida em que missão é dar razão da fé que temos em Cristo é algo que inclusive nos une com outras igrejas”, definiu o ex-pastor presidente Walter Altmann.

No balanço dos oito anos à frente da igreja, função que entregou em dezembro ao seu sucessor, pastor Nestor Friedrich, Altmann admitiu que a formação teológica na IECLB merece atenção especial, uma vez que o número de estudantes vem caindo, assim como os recursos financeiros para a manutenção das três casas de formação. O moderador do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) reconheceu que temas vinculados à sexualidade humana são muito complexos e comentou seus planos para o futuro.

Mirando a trajetória da então Faculdade de Teologia da IECLB, criada em 1946, Altmann reputa da maior importância o papel da formação para o futuro da igreja. “Na formação dos ministros e ministras está em jogo a própria identidade da igreja”, disse, destacando que grande parte do perfil da igreja, da sua credibilidade e fidelidade são gestados na formação. Valorizar a formação teológica é uma herança muito significativa de igrejas luteranas, também da IECLB, assinalou.

Sem sugerir um tipo de crítica às casas de formação da igreja, mas abarcando o sistema educacional brasileiro, Altmann reconheceu um “certo declínio” e dificuldade de manutenção do perfil, tanto quantitativo como qualitativo, da formação de um modo geral. Ele sugeriu um maior intercâmbio entre os centros de formação da IECLB. “Três centros de formação distintos, que não tivessem cooperação entre si, teriam sempre um potencial de divisão em vez de unidade”, afirmou.

Indagado se as três casas cabem numa igreja de 750 mil membros, Altmann respondeu: “Se fôssemos verificar meramente do ponto de vista administrativo ou financeiro, de sustentabilidade, de capacidade de formação de obreiros para o futuro da igreja, provavelmente a resposta teria que ser que não. Contudo, ela reflete uma realidade importante no interior da igreja, de suas correntes internas. Como isso se desenvolverá no futuro é difícil de dizer.”

Nos oito anos de gestão, de 2003 a 2010, Altmann teve, na condição de pastor presidente, de encarar pelo menos duas fortes crises internas, motivadas por razões teológicas relacionadas aos sacramentos do Batismo e da Santa Ceia. A IECLB apresenta uma diversidade interna, espiritual e teológica bastante grande, reconhece a legitimidade de expressões diversificadas existentes ao longo da história e ainda hoje presentes, mas também tem limites.

A fronteira confessionalmente aceitável para a IECLB foi transposta pelo movimento carismático, que introduziu a prática do rebatismo. “Empenhamo-nos intensamente num diálogo tentando convencer os integrantes do movimento carismático de que este extremo não poderia ser aceito numa igreja de confissão luterana”, relembrou Altmann. Um grupo menor do que previsto decidiu sair da IECLB. “Mesmo assim, qualquer defecção é algo doloroso para a igreja”, admitiu.

O embate fortaleceu, porém, a identidade, compromisso e propósito daquelas comunidades que passaram por essa experiência. Muitas pessoas que estavam afastadas decidiram retomar sua participação comunitária, litúrgica e profissão de fé. “Então, olhando hoje, alguns anos após, creio que podemos concluir que não foi só necessário como por fim foi até benéfico que tenhamos tido esse embate”, avaliou o ex-pastor presidente e professor de Teologia.

Já na questão da Santa Ceia, o cerne esteve relacionado à adoção de um novo livro de culto enfatizando o aspecto festivo da Ceia, a comunhão de irmãos e irmãs, e a comunhão com Cristo. Alguns círculos entenderam que esse enfoque deixava de lado a essência da Ceia – o perdão dos pecados. Altmann frisou, porém, que a renovação litúrgica adotada não nega que a Santa Ceia também é expressão de perdão dos pecados, mas que ela enfatiza muito a dimensão da comunhão.

Nos dois momentos foi preciso frisar a unidade da igreja e o zelo teológico, tarefas que cabem à presidência. “Mas obviamente nenhuma das igrejas luteranas tem algum dogma de infalibilidade de quem detém esse ofício, de modo que sempre é matéria para discernimento teológico e discussão. Mas a orientação concreta é dada pela presidência junto com os vices e os pastores sinodais”, explicou. Trata-se não de uma hierarquia estrutural, mas de conteúdo.

A identidade confessional da IECLB está construída sobre a Confissão de Augsburgo, um dos documentos fundantes da Reforma, reportando-se ao centro do Evangelho, que consiste na proclamação da Palavra, da justificação por graça e fé e nos sacramentos específicos do Batismo e da Santa Ceia. Mesmo com essa base comum, interpretações diferenciadas não permitiram, ainda, a comunhão de mesa e altar entre a IECLB e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB).

Embora as duas igrejas cooperem no campo da literatura com a edição conjunta do devocionário Castelo Forte e escritos de Lutero, e as duas direções mantenham um relacionamento respeitoso, não foi possível, ainda, um planejamento missionário comum, racionalizando esforços no Centro, Norte e Nordeste do país. “Um dos obstáculos, do meu ponto de vista, é precisamente a divergência que há no tocante à compreensão da Santa Ceia”, analisou o ex-presidente.

A IECLB permite e até convida pessoas que não a integram, mas crêem em Jesus Cristo como Senhor e Salvador, a participar da Ceia, entendendo-a como uma dádiva. Já na IELB a Santa Ceia só é concedida aos próprios membros. Outro impedimento é a ordenação de mulheres ao sacerdócio, o que, na compreensão da IELB, representa uma contrariedade aos preceitos bíblicos, enquanto a IECLB a entende como derivada da substância do Evangelho – a igualdade de homens e mulheres.

Altmann reconhece, contudo, que uma minoria de igrejas, muitas delas luteranas, aceita mulheres no sacerdócio. A maior parte das igrejas pentecostais não reconhece o ministério feminino como equivalente ao masculino. Igrejas ortodoxas e a Igreja Católica também não ordenam mulheres. Nesse particular, a IECLB se encontra em minoria. Ela está convicta, no entanto, de que sua posição é absolutamente coerente com a mensagem central do Evangelho.

A IECLB, como a Federação Luterana Mundial (FLM), precisará, porém, bem mais tempo para, no futuro, proferir uma palavra clara sobre a sexualidade humana e o que dela decorre, temas como o casamento de pessoas do mesmo sexo, aceitação de homossexuais no ministério ordenado e o aborto. “São assuntos altamente controvertidos no interior das igrejas de um modo geral e a IECLB não é exceção nesse particular”, sinalizou.

O moderador do CMI defendeu processos de diálogo interno e continuado nas igrejas, que contemplem as diferentes posições, mas que procurem estabelecer pontes e chegar, “não diria a consensos absolutos, mas o que poderia ser caracterizado como uma tendência de compreensão das igrejas”, buscando, através do diálogo, estabelecer uma plataforma de entendimento. Mas de modo algum temas dessa ordem deveriam afetar a unidade da igreja, defendeu.

Uma característica da igreja luterana, apontou o ex-presidente, é a de não prescrever qual o comportamento adequado em todas as situações e respeitar também o discernimento das pessoas, assumindo um acompanhamento pastoral nessas situações, “mais do que o papel de um juiz condenador”. Além disso, é preciso distinguir referências a concepções religiosas e o que é válido, do ponto de vista civil, para a sociedade como um todo.

“Nem tudo o que a igreja preconiza, por exemplo, perdão em todas as situações, é também automaticamente aplicável na ordem civil. Portanto, é perfeitamente viável que igrejas, embora tendo uma atuação muito clara de prevenção do aborto, tenham também uma compreensão para a necessidade de uma legislação especifica na área civil”, afirmou. Altmann defendeu a legalização do aborto também para situações de fetos anencefálicos, ao lado dos casos de estupro e risco de vida para a mãe.

Na questão da homossexualidade, a IECLB traduziu ao português o documento de estudo “Família, Matrimônio e Sexualidade Humana”, da FLM, e o remeteu a todas as congregações incentivando o diálogo comprometido com as convicções teológicas, “mas também ciente das dimensões pastorais e levando em consideração conhecimentos desenvolvidos pela ciência”. De qualquer maneira, o assunto carece de mais debate, disse.

Um processo que, na visão do ex-presidente, não foi concluído ainda na IECLB é o da sinodalização. Reforma administrativa empreendida há mais de 15 anos substituiu as oito Regiões Eclesiásticas, estruturas administrativas então existentes, por 18 Sínodos, com o propósito de se aproximar mais das bases – as paróquias e comunidades. A sinodalização da igreja representou, num primeiro momento, um processo de descentralização.

“De fato, houve uma redução do aparelho administrativo central da igreja e um fortalecimento dos Sínodos, que, de um modo geral, também buscaram desenvolver os seus próprios programas”, analisou o ex-presidente. Coincidindo com o seu mandato, houve, depois, um reforço da questão da unidade. Embora desenvolvendo dinâmicas próprias, as iniciativas dos 18 Sínodos deveriam estar inseridas num planejamento global da igreja.

Compromissos ecumênicos e missão serviram para juntar muitas dessas iniciativas, mas ainda não está totalmente definido como conciliar iniciativas locais, programas sinodais com uma agenda nacional. “Aspectos programáticos, administrativos, podem ser descentralizados, mas a confessionalidade, a missão da igreja, a formação teológica, estas devem ter um aspecto de unidade a ser estabelecidas, então, pelo Concílio da igreja, pelo Conselho da igreja, pelos órgãos competentes”, assinalou.

A tarefa fica, portanto, para a nova gestão da IECLB. Agora como pastor emérito ele vai intensificar sua contribuição ao CMI, na qualidade de moderador. Garantiu que está entrando com muita tranqüilidade nessa nova fase, grato pelos cargos que exerceu e pelas pessoas que o apoiaram e acompanharam. “Tenho plena consciência de que se encerra uma etapa muito significativa na vida, obviamente, mas que o compromisso teológico, pastoral e ecumênico segue a frente”, sinalizou.

Por Edelberto Behs

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