Recentemente, três mulheres afegãs açoitadas em público pelo Talibã após serem acusadas de "crimes morais", relataram a crueldade que sofreram.
Segundo registros judiciais e relatos da mídia, mais de 1.000 pessoas — pelo menos 200 das quais eram mulheres — foram submetidas a torturas públicas desde o retorno do Talibã ao poder em 2021, embora o número real de vítimas provavelmente seja muito maior.
Entre os que foram chicoteados estão mulheres acusadas de “crimes morais”, como sair de casa sem a companhia de um parente do sexo masculino atuando como mahram (guardião), ou ser vista falando com homens com quem elas não possuem parentesco.
As vítimas informaram ao The Guardian e a Zan Times, um portal de notícias afegão, que foram forçadas a confessar supostos crimes morais antes de serem agredidas.
'Eles me chamaram de prostituta'
Deeba*, de 38 anos, trabalha como costureira para sustentar os sete filhos. Ela costura roupas masculinas em casa e sai sozinha para entregá-las. Nos últimos dois anos, ela foi presa duas vezes pela "polícia da moralidade" do Talibã.
A primeira ocorreu quando ela alugou uma máquina de costura de um homem que não era seu parente, e por isso, foi espancada, chamada de "prostituta" e passou quatro noites na prisão.
Três meses depois, Deeba foi presa novamente enquanto estava sentada em uma lanchonete carregando o celular. Os terroristas do Talibã alegaram que a detenção ocorreu pelo "vício e virtude".
"Eles expulsaram o dono da lanchonete do seu próprio estabelecimento e o agrediram, gritando: 'Por que você deixou essa mulher entrar na sua loja? Que tipo de relacionamento você tem com ela?'. Quando os vi tratando o proprietário daquele jeito, discuti com eles", contou Deeba.
Dois dias depois, ela foi presa e levada sob custódia pelo Talibã, acusada de insultar a polícia, além de ser uma mulher sem um guardião. Na ocasião, Deeba ficou presa por 20 dias.
“Éramos 15 numa cela e só havia quatro camas, o resto dormia no chão. Não nos davam comida. Os cobertores estavam imundos. Pedi meu telefone para ligar para casa porque minha filha estava doente e não sabia que eu tinha sido presa, mas o Talibã se recusou. Gritei, implorei. Mas, em vez disso, me jogaram em uma cela solitária”, relembrou ela.
Deeba foi levada a julgamento por um tribunal do Talibã, sem o direito à representação legal. O juiz a condenou por comparecer desacompanhada de um tutor masculino e por supostamente insultar líderes religiosos. A sentença foi de 25 chicotadas.
"Eles me levaram para um local público, cobriram minha cabeça e me chicotearam na frente de todos", afirmou ela.
Após dois dias, Deeba voltou para casa e contou que tem lutado contra a agressão que sofreu e está tomando medicamentos para lidar com o trauma.
"Foi tão difícil. Alguém consegue entender o que é ser chicoteada na frente de uma multidão, agredida na frente de outras pessoas e açoitada em público?", concluiu.
'Se eu não obedecesse, seria torturada'
Em 2024, Sahar*, de 22 anos, ficou doente. Seu pai trabalhava no Irã e sua mãe administrava uma oficina de tecelagem no oeste do Afeganistão, e não havia ninguém para levá-la à clínica onde dois de seus tios trabalhavam. Então, a mãe pediu para que um primo a acompanhasse.
No caminho, o Talibã parou o veículo pouco antes de chegar à clínica e perguntou sobre o relacionamento deles.
"Quando dissemos que éramos primos, mas não éramos casados, eles ficaram agressivos. Bateram no meu primo, quebraram nossos telefones e me forçaram a entrar em um caminhão enquanto me levavam para um centro de detenção", contou Sahar.
E continuou: "Eu estava apavorada, chorando e não conseguia respirar. Eu disse a eles que estava doente e pedi um remédio. Então, eles me deram vários tapas e chutes. Um deles disse: 'Se você levantar a voz de novo, vamos matar você e seu primo'".
Em seguida, Sahar foi interrogada por uma mulher com véu: "Ela perguntou quem era meu primo, se eu era virgem e se tínhamos um relacionamento. Eu disse que não. Ela disse que eu tinha que confessar e que, se eu não obedecesse, seria torturada".
No dia seguinte, Sahar e o primo foram levados a um tribunal do Talibã. Lá, ela foi forçada a confessar falsamente que mantinha um relacionamento amoroso com ele. Sem acesso a um advogado, mesmo com parentes presentes que confirmaram o vínculo familiar entre os dois, o tribunal se recusou a reconhecer o parente como um guardião.
“Eles me fizeram confessar, na frente da minha mãe e dos meus tios, que eu tinha feito algo errado. Eu não queria dizer. Mas eles me bateram, ameaçaram meu primo. Eu fiquei apavorada”, relembrou ela.
Sahar foi condenada a 30 chicotadas e seu primo a 70. Após retornar para casa, a jovem foi forçada a deixar sua aldeia.
"Depois disso, a visão que as pessoas tinham de nós mudou completamente. Mesmo que 50 pessoas não acreditassem na acusação, outras 100 acreditaram. Isso nos forçou a deixar nossa casa e nos mudar para a cidade".
'Eles me amarraram e pisaram em mim'
Em 2023, aos 16 anos, Karima* estava viajando com seu primo para comprar material de costura para sua mãe quando o Talibã os deteve.
“Fomos parados na estrada. O Talibã pediu nossos documentos de identidade. Eu disse que ele era meu primo, mas eles disseram: 'Esse não é um guardião válido. Você não tem o direito de ficar com ele'. Então, eles nos prenderam na hora”, disse a jovem.
Karima passou dois meses na prisão onde sofreu ataques de pânico e alucinações: "Desmaiei e quando acordei, meus pulsos estavam algemados e sangrando, outra prisioneira disse que tinham me amarrado e pisado em mim".
Karima e o primo foram açoitados na praça principal da cidade onde moravam. Ela recebeu 39 chibatadas e o primo, 50. Em seguida, foram levados de volta à prisão.
"Eles nos mantiveram presos por mais uma semana. Disseram que não poderíamos sair até que os ferimentos cicatrizassem. Não queriam que ninguém visse o que tinham feito", contou ela.
Depois de sair da prisão, autoridades do Talibã informaram que ela estava proibida de sair do país: "'Você está sendo vigiada. Não tem permissão para ir para o exterior'".
No entanto, devido a humilhação que sofria pela vizinhança, Karima precisou se mudar para outra cidade diferente no Afeganistão.
*Os nomes foram alterados por motivo de segurança
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