“O Israel da Bíblia é o mesmo Israel de hoje”, diz judeu brasileiro morador da Terra Santa

O professor Miguel Nicolaevsky está no Brasil, onde tem visitado instituições e igrejas para ministrar e oferecer ensinamentos sobre Israel – tanto no contexto bíblico quanto na atual conjuntura.

Fonte: Guiame, Adriana BernardoAtualizado: quarta-feira, 25 de junho de 2025 às 12:54
Miguel Nicolaevsky durante ministração na Igreja El Shaddai, em São Paulo. (Foto: Rodrigo Frutuoso e Arthur Simões/Igreja El Shaddai)
Miguel Nicolaevsky durante ministração na Igreja El Shaddai, em São Paulo. (Foto: Rodrigo Frutuoso e Arthur Simões/Igreja El Shaddai)

Durante sua visita de dois meses ao Brasil, o professor e arqueólogo bíblico Miguel Nicolaevsky concedeu uma entrevista exclusiva ao Guiame para compartilhar sua trajetória de quase três décadas vivendo em Israel, além de trazer reflexões profundas sobre a relação bíblica entre a igreja cristã brasileira e aquele país.

Judeu messiânico, Miguel tem sido, durante os últimos três anos, um dos líderes e pastores de sua congregação. Morador de Modiin – cidade situada a cerca de 30 km tanto de Jerusalém quanto de Tel Aviv, ele afirma que em Israel existem mais de 150 congregações messiânicas, formando uma comunidade que já chega a cerca de 30.000 pessoas. Somente em Jerusalém, há cerca de 20 comunidades messiânicas diferentes.

Especialista em História de Israel e Hebraico Bíblico, comanda diretamente de Jerusalém o portal “Caté Torah”, que é dedicado a promover e apoiar a nação de Israel.

Miguel veio ao Brasil para um período de descanso e tratamento médico, conciliando sua agenda pessoal com convites para pregar e ensinar em diversas igrejas.

Ele já participou de eventos no Rio Grande do Sul, onde foi preletor do seminário “Israel: Ontem, Hoje e Futuramente”, promovido pela Associação de Ministros e Ministérios Evangélicos de Caxias do Sul. Também esteve na Assembleia Legislativa do Paraná palestrando sobre tecnologia israelense.

Os compromissos ministeriais de Miguel incluem diversas igrejas, “sem bandeira denominacional”, destaca. Ele já esteve e estará em ministérios batistas, assembleianos e outras comunidades cristãs, com passagem por Santa Catarina, Rio de Janeiro (seu estado natal), Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Maranhão e São Paulo.

Ao comentar sua extensa agenda, ele resume: “Estou aqui para servir”.

Em São Paulo, a intensa programação inclui compromissos durante a semana e nos fins de semana – por vezes, em dois locais no mesmo dia.

Em meio a essa rotina, Miguel recebeu a reportagem do Guiame na Igreja El Shaddai, na capital paulista, onde concedeu a seguinte entrevista.

 

Guiame: Mesmo nas igrejas, o senhor observa que há uma falta de conhecimento sobre Israel – não apenas em relação aos acontecimentos atuais, mas também sobre outras questões históricas e bíblicas relacionadas ao país?

M.N.: Sim. Em algumas igrejas, encontro pessoas que não compreendem o papel de Israel na Bíblia; não entendem sua eleição como nação, nem como a oliveira na qual os cristãos foram enxertados. Algumas também respondem a discursos antissemitas divulgados na mídia. Embora não acreditem neles, têm dúvidas e, por falta de esclarecimento, não sabem como responder.

Quando identifico esse problema em algumas igrejas onde vou ministrar, realizo uma apresentação chamada "Respostas para perguntas difíceis". Nela, abordo questões diplomáticas, acusações contra Israel – como genocídio, colonialismo ou apartheid. Nesses casos, faço essa apresentação antes de ministrar a Palavra de Deus, a fim de esclarecer o povo, muitas vezes influenciado por uma mídia tendenciosa, de esquerda e antissemita.

G.: Com os atuais conflitos, tem surgido, no meio evangélico, uma parcela que defende que o Israel moderno não é o mesmo Israel da Bíblia – e até questiona o apoio da igreja ao Estado atual, confundindo-o com o Israel bíblico. O que o senhor tem a dizer sobre isso? O Israel de hoje é o mesmo da Bíblia? É o Israel que Deus prometeu defender?

M.N.: Na realidade, o Israel de hoje é o mesmo Israel da Bíblia. Israel, embora seja chamada de nação santa, precisamos entender que santidade não significa perfeição. Ao longo da história, Israel sempre teve uma minoria de crentes. Podemos ver isso no Livro dos Reis, quando, por exemplo, Elias reclama diante de Deus, dizendo: “Só eu fiquei.” E então Deus responde: “Tenho mais 7.000 joelhos que não se dobraram diante de Baal.” Mas qual era a população de Israel naquela época? Segundo as estimativas, algo em torno de 4 milhões de habitantes. Então, 7 mil diante de 4 milhões de habitantes não era nada. Ou seja, o remanescente de Israel sempre foi um número menor.

Então, a pergunta que eu faço para as pessoas pensarem é: e na igreja, quem realmente é remanescente? Quantos realmente entregaram sua vida para Jesus? Dizer que entregou a vida para Jesus é uma coisa, mas viver uma vida entregue a Jesus é outra. Quantas pessoas, realmente, dentro do que chamamos de igreja cristã hoje, vivem aos pés de Jesus? Acredito que também é um remanescente muito menor do que pensamos.

G.: Como identificamos que estamos falando do mesmo Israel: o da Bíblia e a nação de nossos dias?

M.N.: O que dá legitimidade a esse Israel de hoje ser o Israel de Deus, o da Bíblia, são as muitas profecias no Velho Testamento, que afirmam que, nos últimos tempos, Deus restauraria a sorte de Israel, restauraria a nação de Israel, como uma nação em sua terra. E sabemos que, a partir de 1948, isso aconteceu.

Mas acredito que, de todos os textos, o mais importante é Romanos 11:15, onde Deus fala que a ressurreição dos mortos, a vida entre os mortos, só ocorrerá quando Israel for aceito por Deus, quando Israel for redimido por Deus. Isso quer dizer que, ainda que Israel não tenha sido redimido, ele continua sendo Israel, mas que, em um determinado momento da história, será redimido por Deus.

Fábio Abbud, líder da Igreja El Shaddai, recebendo Miguel Nicolaevsky. (Foto: Rodrigo Frutuoso e Arthur Simões/Igreja El Shaddai)

G.: O senhor pode explicar melhor essa relação feita pelo apóstolo Paulo nesse texto?

M.N.: Vamos ver a passagem de Romanos 11:15, que diz: “Porque, se a sua rejeição é a reconciliação do mundo, qual será a sua admissão, senão a vida dentre os mortos?”

Analisando a exegese:

Rejeição > Admissão

Reconciliação > Vida entre os mortos = Ressurreição

Rejeição leva à reconciliação

Admissão ou aceitação leva à ressureição

Ou seja, a ressurreição depende da admissão ou aceitação.

G.: Então, qual deve ser o papel da igreja nesse momento de um conflito tão acirrado, que tem sido chamado de histórico e sem precedentes, de Israel nessa operação preventiva contra o Irã? Como o senhor pensa que a igreja tem que se mobilizar hoje com relação a esse momento?

M.N.: Eu acredito que a igreja tem como papel, em primeiro lugar sempre orar por Israel, independente das circunstâncias. Nós sabemos que os Salmos nos chamam para isso. “Orai pela paz de Jerusalém esperam os que te amam”, e isso não é somente uma ordenança, é também uma bênção profética. Ou seja, se nós oramos pela paz de Jerusalém – e no contexto aqui no livro de Salmos Jerusalém representa Israel –, nós estamos garantindo também as bênçãos de Deus sobre nossas vidas.

Outra coisa que precisamos lembrar é que devemos abençoar Israel nesse tempo, independente das circunstâncias a promessa de Abraão é válida até o dia de hoje: “Abençoarei os que te abençoarem e também amaldiçoarei os que te amaldiçoarem”. Então, se queremos ser uma igreja abençoada, uma igreja reavivada, uma igreja cheia do Espírito, não podemos criticar Israel. A crítica a Israel é parte do espírito de rebelião.

G.: O que isso significa?

M.N.: A crítica a Israel é destrutiva até mesmo para um servo de Deus. A bênção é construtiva. Deus nos chama a abençoar Israel para que possamos ser abençoados.

G.: Por que a crítica a Israel é destrutiva?

M.N.: Ora, nós vemos que Elias falou mal (de Israel) dizendo não ficou ninguém, somente eu. No livro de Reis diz que o profeta estava reclamando para Deus sobre o povo de Israel. E é por isso que Elias acaba perdendo o ministério, e vem Eliseu e Elias é obrigado a ungi-lo em seu lugar. E nós vemos isso em outros casos também. Vemos com Moisés. Moisés reclama para Deus sobre o povo de Israel, então ele é substituído por Josué para introduzir o povo na Terra. Moisés chega a implorar a Deus: “Deixe-me entrar na Terra”. Deus diz: “Não fale mais sobre isso.” Por quê? Porque Moisés havia reclamado do povo de Deus.

E temos, como exemplo máximo – como costumo dizer – o caso de João Batista, que tinha um ministério precursor de Jesus. João Batista também dispara contra o povo de Israel, dizendo: “Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira divina”. Então, o que acontece? Ele nunca mais volta para Jerusalém, para a Judeia. Ele é levado para Pereia, do outro lado do Jordão, e lá é decapitado.

Será que tudo isso é mera coincidência, ou há uma grande lição a ser aprendida quanto a essas posturas? Israel pode até errar, mas não cabe a nós assumir o papel de juiz da nação eleita de Deus. Devemos, sim, ser instrumentos de bênção para essa nação.

Miguel Nicolaevsky durante ministração na Igreja El Shaddai, em São Paulo. (Foto: Rodrigo Frutuoso e Arthur Simões/Igreja El Shaddai)

G.: Como tem sido a sua vida, após quase 30 anos vivendo em Israel?

M.N.: De forma geral, a vida lá tem seus altos e baixos – ou seja, há momentos de grande prosperidade financeira, mas, por outro lado, também um vazio espiritual. Precisamos aprender a conciliar essas realidades. Devemos buscar não apenas fazer nossas vontades, mas, sobretudo, obedecer a Deus, fazendo a vontade dele. Isso requer processos dolorosos, nos quais aprendemos – seja por meio das dificuldades do dia a dia, dos desafios que precisamos enfrentar ou da renúncia a desejos pessoais que não servem ao propósito de Deus. São processos que cada um, como messiânico ou cristão, precisa passar para crescer.

G.: O senhor percebe algum tipo de preconceito pelo fato de ser um brasileiro vivendo em Israel?

M.N.: Eu nunca senti preconceito. É verdade que as pessoas reclamam, às vezes, de preconceitos em outros países, mas Israel é um país de imigrantes: todos são imigrantes ou descendentes de imigrantes. Então, é um país bastante tolerante nesse sentido.

Em Israel, convivem diferentes etnias e religiões, todas com os mesmos direitos. O país abriga cerca de 2 milhões de muçulmanos árabes, aproximadamente 200.000 cristãos católicos, mais 200.000 cristãos ortodoxos – além de minorias como os baha’is, religião originária da Pérsia, e os drusos, uma tradição mística derivada do islamismo. De maneira geral, todos convivem em harmonia, e o mais impressionante são os drusos, que atualmente ocupam cargos de subgenerais no exército, servindo ao povo de Israel

Em Israel, temos muçulmanos beduínos que atuam como rastreadores no exército, assim como cristãos que também são oficiais das forças armadas. O exército de Israel e a nação de Israel são compostos por imigrantes, com diferentes etnias e religiões. O mais precioso disso tudo é que, como costumo dizer, parece que estamos na ante-sala do céu, onde muitas raças, línguas e povos conseguem viver juntos em harmonia.

Miguel Nicolaevsky comenta os conflitos em Israel. (Foto: Adriana Bernardo / Guiame)

G.: O senhor mencionou que tem um filho no Exército de Israel. Como é essa experiência – ainda mais em meio a tantas hostilidades?

M.N.: Sim. Eu também servi o Exército assim que cheguei em Israel – durante um período foi como treinamento e depois tive que fazer serviço de reserva 30 dias por ano, até completar 42 anos de idade. Meu filho serviu o exército e minha filha do meio, com 21 anos hoje, também serviu. Ela agora está fora do serviço militar, mas o meu filho ainda faz serviço de reserva, ou seja, de vez em quando ele está na frente de batalha também. Minha filha, que tem 16 anos, daqui a dois anos já terá que servir ao Exército. Assim é no Estado de Israel. Nós não servimos ao Exército porque queremos, nem porque devemos. Servimos ao Exército para defender a nossa casa.

G.: Mudando um pouco de assunto, como é o trabalho de evangelismo em Israel?

M.N.: Não há um trabalho de evangelismo como costumamos ter aqui no Brasil, com uso de panfletagem nas ruas ou cultos ao ar livre, pois não temos essa liberdade toda. Mas testemunhamos, seja através de cartazes e adesivos que colocamos em lugares pela cidade, seja através do testemunho pessoal, do relacionamento pessoal, ou pela internet. Muita coisa tem sido feita pela internet, e alguns judeus ortodoxos, ultraortodoxos e até seculares têm chegado a Cristo, a Yeshua, através dela.

G.: O que te levou para Israel?

M.N.: O que me levou a Israel foi um chamado de Deus. Deus tocou meu coração para me unir a esta nação, para ser uma bênção, trazendo uma mensagem de consolo para o meu povo e também para o povo brasileiro. Estamos em tempos difíceis, em que as pessoas se questionam: estamos nos últimos dias? Eu digo: não importa se estamos nos últimos dias, precisamos estar prontos e voltar ao evangelho raiz. Fui chamado para trazer o povo de Israel de volta à palavra bíblica raiz, e é por isso que estou lá. Meu texto para esse chamado é Isaías 50:4-5:

“O Senhor Deus me deu a língua dos sábios, para que eu saiba dizer palavras ao cansado; ele me desperta manhã após manhã, desperta-me o ouvido, para que ouça como aqueles que aprendem. O Senhor Deus me abriu os ouvidos, e eu não fui rebelde, nem me retirei para trás.”

 

Agradecemos à Igreja El Shaddai – na pessoa de seu líder, apóstolo Fábio Abbud – e ao ministério de mídia pelo apoio a esta reportagem.

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