Pastor contesta Projeto de Lei dos "retiros culturais"

Pastor contesta Projeto de Lei dos "retiros culturais"

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:27

O pastor Lyndon de Araújo Santos, da Igreja Evangélica Congregacional, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Maranhão, encaminhou carta à deputada Eliziane Gama, reconhecendo seu importante trabalho como deputada estadual, mas manifestando seu descontentamento e propondo até uma moção de repúdio ao Projeto de Lei de autoria da deputada, que propõe o finaciamento público para o que ela chama de ''retiros culturais''.

''Retiros Culturais'', foi uma nova nomeclatura que a deputada evangélica encontrou para justificar o repasse de dinheiro público para custear eventos religiosos em épocas festivas, como carnaval e o período junino.

Veja a carta do pastor.

Prezada Deputada Eliziane Gama,

Antes de tudo quero expressar o meu apreço pela forma como vem se conduzindo como representante da população maranhense na Assembléia Legislativa do estado do Maranhão.

Venho, no entanto, manifestar o meu descontentamento e desacordo para com o Projeto de Lei no. 8.904, de novembro de 2008, que dispõe sobre apoio a ''retiros culturais'' por parte do Estado, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Em notícia publicada no jornal Estado do Maranhão, de 12/02/2010, a Governadora Roseana Sarney recebeu membros da comunidade evangélica, a fim de - não está claro na reportagem - garantir recursos para os chamados ''retiros culturais''.

Expresso a minha insatisfação para com o decreto e para com esta prática. O apóstolo Paulo afirma que ''todas as coisas me são lícitas, mas nem tudo me convém''. Embora os termos do decreto possam estar licitamente e legalmente escritos, escapando da possível inconstitucionalidade de um governo laico transferir recursos para credos religiosos, a atitude e a prática inserem-se no ''nem tudo me convém'', especialmente na sua dimensão ética. Trata-se de um princípio que rege a ética pessoal e pública do cristão, extensiva à igreja e a representantes políticos que se auto-denominam cristãos. Como cidadão, pastor, professor e historiador, o desconforto para com esta atitude se situa na não conveniência de uma prática que se liga à cooptação política e troca de favores eleitorais. Além disso, ''retiros culturais'' é uma expressão que encobre e escamoteia a verdadeira estratégia que é dar dinheiro para a realização de shows evangélicos e retiros espirituais de igrejas.

Os evangélicos neste país estão sendo envergonhados e vilipendiados em sua imagem pública por conta de práticas envolvendo dinheiro, corrupção, tráfico de influência, sonegação fiscal, ''oração da propina'', compra de telhados e pisos para templos, venda de votos de membros de igrejas, dentre outras denúncias.

Sendo assim, estes recursos deveriam ser devolvidos ao erário público como forma de bom testemunho e, ao mesmo tempo, abrir-se uma ampla discussão em torno do favorecimento do governo em ''doar'' recursos públicos para entidades (sejam religiosas ou não), em nome da ''cultura''. O fato de que o governo favorecer outras religiões em nome da cultura, não justifica que os evangélicos devam fazer parte da mesma prática indevida e inconstitucional. A luta por um estado laico, sem religião oficial e sem favorecimentos a grupos religiosos, foi histórica por parte dos protestantes neste país, junto com a liberdade religiosa, o voto feminino e a alfabetização.

Infelizmente, a comunidade evangélica de São Luis não foi convocada em sua ampla maioria e representatividade para discutir tal projeto de Lei. Por isso, levanto a questão em torno dos critérios para se definir para quem ou para qual igreja os recursos devem ser dados. Há edital público para transferir tais recursos por meio de licitação pública? É assim que todo governo deve proceder pois estamos numa república laica.

Informo-lhe que levarei à minha igreja local onde sou pastor a proposta de uma moção de repúdio a esta prática, além de, oportunamente e com mais embasamento, escrever artigo em jornal da cidade discutindo esta prática, a meu ver prejudicial ao Evangelho de Jesus Cristo. Além disso, comunico-lhe que, em todas as oportunidades que tenho tido de palestras públicas tenho divulgado esta posição e conclamado os evangélicos e cidadãos a tomarem uma posição.

Afirmo, por fim, a disposição de dialogar e contribuir para o debate em torno destas e de outras questões pertinentes à cidadania, à transparência do uso dos recursos públicos e ao Reino de Deus.

Fraternalmente,

Lyndon de Araújo Santos.

Pastor da Igreja Evangélica Congregacional de São Luis.

Professor do Depto. de História da UFMA

Coordenador do Núcleo da Fraternidade Teológica Latino-Americana - FTL-MA

Membro do movimento Evangélicos pela Justiça

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