
Ser bíblico é um desafio gigantesco. É alvo ao mesmo tempo que limite; piso ao mesmo tempo que teto; nascente e foz; ponto de partida e destino final. Digo “alvo” porque é este e não outro o nosso objetivo como servos e ministros do Deus Altíssimo, sermos guiados e conduzirmos o povo à fala de Deus escrita no papel (II Tm 2.15; 4.1-6). Por outro lado é um limite, porque só podemos ir com autoridade divina inequívoca até onde Deus foi, ou seja, não posso confundir minhas preferências, história, tradição ou a funcionalidade de algo com a fala de Deus escrita no papel. Não posso colocar palavras na boca do Mestre da mesma forma que não posso retirá-las. Devo defender o que Deus revelou claramente no Cânon, mas devo baixar a guarda quando sou eu quem fala.
Essa distinção precisa ser mantida principalmente dentro do “arraial denominacional,” onde as Igrejas se unem voluntariamente em torno de algo fundamentalmente inegociável (normalmente resumido em um estatuto) e precisam ser aceitas irmanamente quanto ao que for distintivo em cada congregação local e pertencente à liberdade de cada uma. Ou seja, nos unimos em torno do alvo, e aceitamos a limitação de não impor aos outros o que julgamos certo, ou um melhor caminho. Todavia, tantas vezes, inconscientemente acredito, em assuntos mais flexíveis devido à inexistência de uma clara normatização bíblica, a única resposta que se ouve é a velha inclusão, irrefletida, da tradição dogmatizada e canonizada: “sempre foi assim e por isso deve permanecer como está”.
Isso se aplica a música congregacional. Muitas Igrejas estão com dificuldades no momento de adoração porque o amor que se demonstra no equilíbrio (Rm 14) há muito foi soterrado, às vezes com a própria pá do pastor. Os novos desmerecem a história e o conteúdo da hinódia antiga e a julga como ultrapassada, arcaica, obsoleta, parada e chata. Os velhos, avessos a qualquer mudança de marco, confundido maturação com mundanismo, levantam as mãos contra qualquer mudança ou acréscimo na liturgia do culto ao Senhor. Alguns não se tranquilizam com a simples moldura que a Bíblia apresenta sobre o assunto, querem escolher todas as cores “autorizadas ao uso” e aquelas que não se encaixam no tema. Já alguns outros têm os limites tão extensos que mais parecem um “buraco negro”, onde tudo é permitido desde que seja cristão.
O erro está de ambos os lados. Os mais novos precisam demonstrar amor e condescendência com os mais velhos que, por causa da associação ou falta de reflexão, se atrapalham em seus pensamentos no momento da adoração cantada quando a música é marcada, por exemplo, pela batida do “cajon”. Por outro lado, os velhos precisam se expor ao ensino quanto ao que é prescritivamente bíblico e o que se pode fazer ou não por causa da liberdade. Então surgem os pastores, homens dados por Deus para equipar os cristãos a vencerem a mazela da “infância espiritual permanente (Ef 4).” Digo isso porque a fraco precisa se dispor a aprender com o objetivo de se tornar forte. Não devem se esconder de confrontos sadios sob a máscara de fraqueza, sem a predisposição de aprender a ser forte, aceitando “raquitismo” como prêmio! Mas quando os pastores não fazem isso, as congregações não aprendem a conviver com o diferente sem apresentar ou julgamento ou desprezo pelos outros (Rm 14.3).
Certa vez estava em uma reunião de pastores e o assunto do estudo era o “louvor na sala do Trono.” A exposição de Apocalipse como modelo de louvor foi maravilhosa, feita por um homem muito piedoso, até que finalmente chegou o momento da aplicação. E o pregador compartilhou o processo de escolha das músicas do culto de sua própria congregação. Ele descreveu extraordinariamente o alvo, mas esqueceu o limite. Tropeçou no buraco da ausência do equilíbrio. Ele explicou com voz confiante: “tendo o tema da pregação, escolhemos as músicas de somente quatro fontes: HCC; Salmos e Hinos; Livro de Coros e Voz e Melodia!” Essa aplicação não procedia do ensino. Quando se coloca como regra geral algo fora da “regra final de fé e prática” se comete desequilíbrio bíblico.
Esquecendo de ser bíblico com o que não é bíblico, como é o caso das fontes da hinódia das Igrejas Bíblicas, se estabelece um desdobramento pessoal do entendimento bíblico e confunde-o com uma prescrição bíblica clara. Isso não é ser bíblico! Nada contra os hinários, nós os usamos. Muito menos com a maneira como esse irmão e sua congregação escolhem seus cânticos. Mas essa é a única maneira correta? O quê os torna melhores em si? O velho é bom porque é velho e o novo é ruim porque é novo? Ou é o inverso? O velho é ruim porque é velho e o novo é bom porque é novo? Por amor ao equilíbrio, permitam que os velhos cantem, em voz grave, todo o peso do canto atualmente antigo, ao mesmo tempo em que se alegram porque a geração mais nova está aprendendo a compor e cantar afinada com Bíblia.
Os “salmos, hinos e cânticos espirituais” (Ef 5:18-21; Cl 3:16) dos quais o Apóstolo falou remetem a isso; equilíbrio. Nesse caso entre o que já era aceito para os judeus (salmos), o que fazia jus à nova revelação sobrevinda por Jesus Cristo (hinos), e a progressão da percepção gentia quanto à sua condição por causa da graça (cânticos espirituais). Conseguem perceber o equilíbrio? Nada se perde! O que é velho e bom continua sendo usado. E o novo dever ser redimido ao contrário de perdido. E tudo deve ser usado para incutir a verdade de Deus nos corações e nos encher de Seu Espírito. A Bíblia não estabelece, em lugar nenhum, um padrão litúrgico rígido e muito menos a impossibilidade de uma grande instrumentalização, incluindo a percussão. Ser bíblico deve nos permitir diferenciar os gostos pessoais e percepções particulares da verdade com a clara revelação de Deus e Sua vontade. Mais uma vez o equilibrado conselho de Paulo sobre a dieta permanece: “O que come não despreze o que não come; e o que não come, não
julgue o que come; porque Deus o recebeu por seu.” (Rm 14.3). Os que usam percussão não desprezem os que não usam; e os que não usam não julguem os que usam. Existe um caminho diferente para o “diferente”; o amor que se demonstra no equilíbrio e aceitação.
Então equilibrem todas as cores musicais possíveis, porque todas foram dadas por Deus para convergirem em glória ao Seu Nome, benefício ao Seu povo e expansão do Seu Reino. Afinal esse é o propósito da música (I Sm 18:7; 21:11; 29:5) . Mesclem cânticos contemplativos (lentos) e afirmativos (animados), tons menores e maiores, equilibrem a escala cromática com a pentatônica, usem o stacato e o moderato, cantem a capela e usem todos os instrumentos possíveis, toquem só o piano e usem a percussão, contrabalancem a dissonância e o previsível, o Hinário para o Culto Cristão com os bons cânticos espirituais modernos, Castelo Forte com Acima de Todos. Por amor ao equilíbrio; sejamos bíblicos com o que não é bíblico!
- Tiago C. Albuquerque
fonte: canteasescrituras.com