Por que os filmes cristãos são tão óbvios?

Por que os filmes cristãos são tão óbvios?

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:46

Como demonstra a nova sensação do cinema neste ano, Soul Surfer, os filmes “baseados na fé” são uma indústria em crescimento. Mas eles precisam ser tão óbvios?

Quando uma estrela adolescente do surfe chamada Bethany Hamilton perdeu o braço esquerdo em um ataque de tubarão em 2003, e voltou para sua prancha depois de apenas 3 semanas, Hollywood foi atrás dela. Não só Bethany é uma personagem atraente e carismática, mas o filme também veio com uma mensagem moral anexada e (pensando mais cinicamente) um público-alvo específico. A família dela é formada por evangélicos. Eles entenderam o que aconteceu com Bethany como um teste pessoal e oportuno de fé e viram isso como uma oportunidade de testemunhar para o resto do mundo.

Soul Surfer vai render muito dinheiro e deve servir para lembrar o público sobre a importância da audiência cristã, consolidada com A Paixão de Cristo (2004) e com o sucesso inesperado de Prova de Fogo. Os espectadores cristãos permanecem vorazmente famintos por conteúdo. Mesmo que os principais estúdios tenham se dedicado a cortejá-los, existem para eles opções suficientes na indústria de filmes exibindo violência, sexo e palavrões. A verdade é que vários filmes com temas cristãos são feitos por ano, mas somente uma pequena parte será lançada no cinema.

Mas por que os filmes com temas cristãos precisam ser tão ruins? Não vou fingir que Soul Surfer seja o pior filme que vi recentemente. É uma trama água-com-açúcar repleta de clichês, fotografia medíocre, efeitos especiais ruins e um roteiro totalmente estereotipado que precisou da ajuda de sete roteiristas conhecidos.

O filme chegou às telas estrelado por Anna Sophia Robb, que interpreta Bethany. Dennis Quaid e Helen Hunt são seus pais. Tornaram-se públicas as divergências entre a família Hamilton e os produtores do filme sobre como tornar explícitas as referências à fé e as citações das Escrituras. (E são bastante explícitas, se você me perguntar.) Mas o sucesso sempre ajuda a resolver todos os tipos de litígios. Soul Surfer estreou este mês em 2.214 salas de cinema americanas, rendendo mais de 10 milhões de dólares.

Você poderia chamar Soul Surfer de um filme cristão que foi escolhido por uma grande distribuidora (Sony) ou um filme de um grande estúdio que foi associado a conceitos cristãos, com o objetivo de alcançar a mesma audiência dos sucessos Um Sonho Possível, Secretariat e a série As Crônicas de Nárnia, entre outros. (Só para deixar claro, a maioria dos sites de cinema e blogs cristãos parecem apostar na primeira alternativa.)

A religião da família Hamilton faz parte da história, mas a porta-voz do filme para a teologia cristã oficial é uma conselheira de jovens (muito mal) interpretada pela estrela country Carrie Underwood. Concordo com Carolyn Arends, crítico de cinema do site Christianity Today. Para ele, o diretor Sean McNamara e sua equipe de escritores não estão tentando pregar o evangelho aos incrédulos, mas buscaram criar uma imagem de fé que pode ser reconhecida pelo seu público-alvo, ou seja, retratam o cristianismo americano cotidiano.

Aprendi nesses anos todos que os espectadores comuns na maior parte do tempo querem ver uma história positiva, previsível e que não lhes apresente nenhum tipo de desafio. Mesmo analisando o filme por esses critérios, ele é muito ruim. Até mesmo a revista Christianity Today parecia ansiosa para elogiar o filme. Porém, seu colunista, que é muito correto, admite que os escritores oferecem “soluções não muito satisfatórias para os planos de Deus frente à tragédia”.

Que os cristãos evangélicos queiram ver suas vidas e fé refletidas nas telas, é algo compreensível. Mas filmes não são espelhos e as multidões que foram ver O Discurso do Rei, Cisne Negro ou A Rede Social não precisaram necessariamente se identificar com a maneira como essas personagens vivem. A pré-história do cinema cristão remonta há várias décadas, nas cruzadas evangelísticas que exibiram o filme Jesus a exaustão desde 1979. Excetuando a terrível e visionária A Paixão de Cristo, de Mel Gibson, os filmes do gênero não evoluíram além do tedioso estágio de pregar mensagens positivas e de mudança de comportamento. Mesmo correndo o risco de ofender as pessoas, para mim o cinema cristão lembra o cinema gay. A tentativa de criar um movimento de cinema gay começou em 1986, desejando apresentar em suas produções modelos positivos para os jovens e contar uma história engraçada, porém edificante, sempre com uma mensagem de esperança.

Pensando dessa maneira, esta é uma curiosa mudança nos eventos. É inegável a contribuição do cristianismo como sistema de pensamento e força na história, oferecendo um fôlego impressionante como fonte de inspiração para artistas e escritores. Mas quando usamos a palavra “cristão” na sociedade contemporânea, estamos falando de um fenômeno demográfico e cultural distinto, com quase nenhuma conexão com a tradição espiritual e intelectual que alimentou artistas como Dante, Milton, Leonardo e Bach. Além disso, os evangélicos norte-americanos têm certa antipatia com a indústria do cinema desde o seu nascimento. Durante muito tempo viram Hollywood (com razão) como uma empresa dominada por pessoas fundamentalmente seculares e quase nietzscheanas em seu culto à grandeza, ao poder e ao dinheiro.

Os marqueteiros de Hollywood sabem disso há muito tempo e, ao longo da história do cinema, temos visto esforços evidentes para alcançar os cristãos. Porém, Hollywood e todo o resto da nossa sociedade ocidental foram virados de cabeça para baixo nas décadas de 1960 e 1970. A ascensão da indústria cinematográfica de orientação cristã, como tantas outras coisas na nossa cultura, é a réplica de um terremoto. É um pouco simplista, mas posso dizer que a cultura pop foi para uma direção, enquanto a população evangélica seguiu para outra. Apesar de um longo processo de reconciliação, ainda não falam a mesma língua. Se realmente tivesse toda a fé em meus companheiros cineastas e nos seres humanos, poderia prever que em breve os cineastas cristãos farão filmes muito melhores que Soul Surfer. Será que o Senhor realmente quer ser glorificado por meio de algo parecido com um episódio chato da antiga série SOS Malibu?

Texto de Andrew O’Heir publicado originalmente no Salon Tradução: Liliana Xavier

Via Pavablog  

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