Com o crescimento dos cultos pela televisão e internet, alguns cristãos estão vivendo um novo tipo de tentação: participar dos cultos “apenas” virtualmente
Os dois últimos séculos trouxeram novos costumes à sociedade mundial, dentre eles, a vida centrada na televisão e na internet. A Igreja, por sua vez, não perdeu o bonde e se adaptou. Atualmente, muitas igrejas transmitem seus cultos ao vivo pela televisão e internet e têm produzido crentes virtuais “pastoreados” por líderes virtuais. Na maioria dos casos, pastores e ovelhas não se conhecem. Graças a Deus por esses veículos de comunicação que são usados para pregação e ensino da Palavra de Deus, contudo, muitos irmãos, em vez de os usarem como um complemento de suas vidas espirituais, têm utilizado como única fonte de participação no Corpo de Cristo.
Esse problema é antigo. A pastora Isildinha Muradas lembra que, nos anos 70, quando começou no Brasil o programa televisivo de Rex Humbard, seu pastor alertou: “Esse programa é bom para alcançar os não crentes. Os cristãos devem continuar congregando e adorando juntos no templo. Somos livres para ficar em casa e assistir aos cultos pela TV ou internet, no entanto, aquele que escolhe essa forma de cultuar é um adorador solitário. Não recebe o abraço do irmão do lado, não recebe a palavra de bênção e encorajamento que o pastor pede para um irmão dizer ao outro e não tem o prazer daquele bate-papo gostoso ao final do culto.”
O pastor Washington de Sá corrobora esse pensamento: “A igreja é um braseiro e cada cristão é uma brasa. Enquanto a brasa está unida às outras brasas ela cumpre o seu papel que é transferir calor, mas se ficar sozinha do lado de fora, certamente, pouco a pouco, perderá o brilho, perderá o calor e voltará a ser apenas um pedaço de madeira queimada”, Ele lembra ainda que a mesma analogia é feita pela Bíblia quando fala da importância das partes do Corpo de Cristo: “Cada um de nós é importante para o perfeito funcionamento do corpo. Uma parte do corpo fora do corpo não tem significado para o corpo.” Com esses exemplos o pastor Washington reforçou princípios claros da Palavra de Deus que incentivam o ato de congregar: “Não deixemos de congregar” (Hb 10.25) e “Alegrei-me quando me disseram vamos à Casa do Senhor” (Sl 122.1).
Recentemente, o pastor Márcio Valadão usou uma interessante ilustração para abordar esse assunto: “Assistir ao culto pela televisão é como assistir alguém comendo um bolo recém saído do forno. Sabemos que está muito bom e gostoso, mas não conseguimos sentir nem o cheiro e nem o sabor.”
Vale esclarecer que os cultos pela televisão ou internet não visam atingir os cristãos que podem se deslocar pessoalmente ao templo. São destinados aos que ainda não são cristãos, aos doentes em casa e nos hospitais, aos presos, aos que estão trabalhando, enfim, a quem realmente não pode ir ao templo por razões justificáveis – preguiça e desânimo são desculpas inválidas. Cultos televisivos visam também a divulgação de alguma igreja ou ministério – como conhecerão a igreja se ela não divulga seu endereço e trabalho?
Uma consequência negativa de se participar de cultos apenas virtualmente é a tentação do descompromisso com a pregação. No máximo, o internauta consegue participar financeiramente. Mas isso não basta para avançar espiritualmente. Para crescer, o cristão necessita conhecer as doutrinas bíblicas, adorar de forma comunitária e, sobretudo, se relacionar. O comunicador e pastor Dervy Gomes concorda que a TV e a internet são ferramentas que Deus tem usado para transformar vidas. “Tenho certeza que você será sempre abençoado com a Palavra de Deus veiculada pela TV, internet, rádio e outras mídias de massa. Ocorre que um dos perigos desse relacionamento virtual é que ele nos tira o senso de realidade, nos isola em uma ilha onde não precisamos participar de processos. Acredito que se você soubesse que sua família e entes queridos estariam reunidos em determinado local você nunca deixaria de estar lá, mesmo sabendo que esse evento seria televisionado ou transmitido pela Internet”, argumenta o pastor Dervy.
O Administrador de Empresas Roney Fares concorda com isso, mas faz uma ressalta lembrando que participar de cultos pessoalmente e pela internet/TV leva as pessoas a experiências diferentes e não necessariamente ruins. “São situações distintas que, embora tenham origem única, trarão experiências distintas. A primeira diz respeito à participação e o desfrutar de uma experiência estando ‘dentro do mover’, enquanto a outra diz respeito à experiência de ‘assistir’ a um grupo desfrutar deste momento e mesmo assim ser edificado de alguma forma”. Nesse caso bom seria se pudéssemos comparar e concluir de forma clara a respeito.
O pastor Hernandes Dias Lopes leva-nos de volta ao caminho da comunhão. Na introdução de um de seus sermões ele afirma que “uma pessoa decide-se por uma igreja, via de regra, por causa da acolhida que lhe é dada. Ninguém fica numa igreja onde não consegue fazer amizade”. Essa é outra bênção impossível de ocorrer com alguém que participa de cultos apenas virtualmente: ser bem acolhido, ser escutado e fazer amizades. Além de ser um local de culto, o ambiente da igreja é propício ao surgimento e ao fortalecimento de amizades.
A Bíblia contém dezenas de versículos aos quais chamamos “Mandamentos recíprocos” – aqueles que usam a expressão “mutuamente” ou “uns aos outros”. Eis aqui alguns: “avar os pés uns dos outros” (Jo 13.14); “amar uns aos outros” (Jo 13.34); “orai uns pelos outros” (Tg 5.16); “Sede hospitaleiros uns para os outros” (IPe 4.9); “Saúdem uns aos outros com beijo santo” (Rm 16.16); “tenham os membros cuidado uns dos outros” (1Co 12.25); “servi-vos uns aos outros” (Gl 5.13); “levai as cargas uns dos outros” (Gl 6.2); “encorajem-se uns aos outros todos os dias” (Hb 3.13). Ninguém consegue exercitar qualquer desses mandamentos sem estar com a outra pessoa frente a frente. Servir, saudar, encorajar etc, são verbos impossíveis de serem praticados “integralmente” à sós, via televisão ou internet. Portanto, congregar in locum, junto com os irmãos, é imprescindível e indispensável. Dino Vieira conclui o assunto com uma palavra simples e objetiva: “A Bíblia ensina em Salmos 84.10 que um dia na Casa do Senhor é melhor do que mil em outro lugar. Então, devo praticar a Palavra de Deus.”
Por Atiliano Muradas