Profetismo em Crise - Coluna Carlos Vailatti

Profetismo em Crise - Coluna Carlos Vailatti

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:30

O que significa profetismo? Bem, podemos definir profetismo como:

1) o comportamento de um profeta ou profetas; ou ainda, como: 2) uma referência ao sistema filosófico dos profetas hebreus.[1]

A minha intenção neste breve artigo será promover uma séria reflexão sobre o profetismo em nossa sociedade brasileira atual, levando em consideração principalmente a primeira das duas definições do termo dadas acima. Buscaremos refletir sobre qual tem sido a atuação, se é que houve, de tal profetismo no solo da nossa "pátria amada". Porém, a fim de que possamos atingir a estes auspiciosos objetivos, teremos que tomar como ponto de partida a figura do profeta em seu mundo veterotestamentário, bem como, em seu mundo neotestamentário para que, em seguida, consigamos situá-lo dentro de nosso contexto específico. Partamos, então, para a nossa tarefa.

I - O Profetismo no Antigo Testamento

Em linhas bem gerais, podemos dizer que o profeta veterotestamentário, além de ter visões e de predizer o futuro, também é aquele que, em nome de Deus:

1. Denuncia o pecado de seu povo e toda e qualquer situação de injustiça (p.ex., Amós);

2. Anuncia a libertação e a salvação, consolando os abatidos (p.ex., Deutero-Isaías);

3. Exorta os fiéis abatidos pelo desânimo a prosseguirem no caminho da fé (p.ex., Ageu, Zacarias).[2]

Isto significa que o raio de alcance do profetismo é mais abrangente do que possamos imaginar. Ele compreende as esferas: sócio-política, econômica e religiosa. Em outras palavras, o profeta do Antigo Testamento não levava uma vida alienada do mundo que o cercava, muito pelo contrário, ele interagia com este mundo de forma ativa, desempenhando a sua função como profeta nas mais distintas áreas: denunciando toda a forma de pecado, proclamando a libertação dos marginalizados e oprimidos da sociedade e sendo porta-voz da vontade de Deus para o povo.

II - O Profetismo no Novo Testamento

Já ao analisarmos o profetismo nas páginas do Novo Testamento, temos a impressão de que nesta parte das Escrituras, os elementos proféticos encontram-se em grande escassez, quando comparados ao número deles nas páginas do AT. No Novo Testamento destacam-se como profetas: João Batista, o último e maior dos profetas (Lc 1.76; 7.26s); a profetisa Ana (Lc 2.36), Simeão (Lc 2.25-35), as quatro filhas de Filipe, o evangelista, as quais eram profetizas (At 21.8,9) e Ágabo, que faz um gesto profético que nos lembra os profetas do AT (At 21.10,11). Além desses, o próprio Jesus também aparece como profeta (Jo 4.19).

Todavia, gostaria de destacar aqui a figura profética de João Batista. Ele proclamou o arrependimento (Mt 3.1,2), desmascarou os líderes religiosos de seu tempo (Mt 3.7-9), denunciou o pecado do rei (Mt 14.3,4), discerniu quem, de fato, era Jesus (Jo 1.29,36) e, embora nunca fizesse nenhum milagre, sempre falou a verdade sobre Jesus (Jo 10.41).

De forma geral, ainda que o profetismo do Novo Testamento não apareça na mesma proporção em que aparece no Antigo Testamento, a sua tônica, porém, ainda conserva marcas do antigo profetismo existente em Israel, tais como, a denúncia do pecado e da injustiça, a chamada ao arrependimento e a proclamação da libertação e da salvação.

III - O Profetismo no Brasil Contemporâneo

Ora, depois disso tudo, cabe a cada um de nós fazer a seguinte pergunta: como se encontra o profetismo nos dias de hoje em nossa nação brasileira? Em nossa Terra de Santa Cruz, o profetismo parece estar mergulhado em uma profunda crise. Os dois itens abaixo parecem comprovar o que digo.

a) Na Igreja

Esse profetismo em crise pode ser visto, por exemplo, nas tristes realidades de muitas igrejas por aí. Estou me referindo àquelas situações em que o "profeta" diz ao homem: "Eis que estou preparando uma varoa pra você, meu servo!" (porém, o homem já é casado!), ou então, o "profeta" diz à mulher recém-gestante: "Minha serva, eis que há um menino sendo gerado no teu ventre, mas se duvidares, o bebê será uma menina!" (Esse tipo de "profecia" não tem como dar errado!). E isto sem mencionar os casos em que certas "profecias sob encomenda" são entregues a fim de massagear o ego de alguns líderes eclesiásticos os quais, na verdade, deveriam antes ser repreendidos, pois vivem uma vida de pecado. Tome cuidado, pois existem profetas tão "caras-de-pau" por aí que, se você deixar, eles profetizam: o emagrecimento do "olho gordo", a ressurreição do Mar Morto, a cura da osteoporose dos ossos secos da visão de Ezequiel e, se bobear, profetizam até mesmo a conversão do diabo! Você pode achar isso engraçado, mas eu não duvido que tais aberrações eclesiásticas possam ocorrer em muitas igrejas Brasil afora!

b) Na Sociedade em Geral

Em nossa geração, o profeta é, com perdão pela comparação, um "animal em extinção". São raros aqueles que vemos levantarem a sua voz contra as injustiças cometidas em nosso solo, tais como: a enorme desigualdade social, a falta de distribuição de renda com eqüidade, o "vírus" da corrupção crônica que já se alastrou de forma endêmica entre os nossos políticos, a demora na punição dos criminosos (e isto quando são punidos!), a opressão do pobre e a manutenção da miséria, o aumento dos casos de crimes cometidos contra as crianças (o abuso sexual infantil, a exploração de menores em trabalhos forçados, a violência infantil), e isto para mencionar apenas alguns poucos exemplos!

Ah, que saudades de Isaías! Quando foi necessário denunciar o pecado de Judá e de Jerusalém, ali estava ele presente com a sua voz profética (Is 1.1ss). Como profetas como Natã fazem falta em nossos dias! Mesmo sabendo que a sua missão era difícil, ele se dirigiu até o rei Davi e desmascarou o seu pecado e as suas injustiças (2 Sm 12.1-14). Como precisamos de "outros Isaías e Natã's" subindo pela rampa do planalto em Brasília!E o que dizer de Jeremias? Ao receber a incumbência divina, ele protestou contra algumas nações, obedecendo assim ao mandado de Deus (Jr 46.1ss). Como necessitamos de "novos Jeremias" nos dias atuais! Aliás, seria muito bom termos "um Jeremias" sempre presente nas reuniões dos países mais industrializados e economicamente desenvolvidos do mundo, o grupo chamado G8. Ou melhor, penso que Jeremias fez muita falta na reunião do G20 (Grupo das 20 maiores economias do mundo) ocorrida recentemente em 02/04/2009 em Londres, pois se estivesse presente nesse encontro, certamente ele continuaria a protestar contra as nações (principalmente as mais ricas), criticando desta vez o seu crescimento e desenvolvimento às custas das nações mais pobres, a sua forte ênfase capitalista (ou capetalista) e assim por diante. E quanto a Amós? Oh, caro Amós, você não sabe a falta que faz atualmente! Como precisamos ouvir novamente o seu clamor profético por justiça: "Corra, porém, o juízo como as águas, e a justiça como o ribeiro impetuoso"! (Am 5.24).

Hoje, mais do que nunca, tem havido muita injustiça social, muita violência e muita corrupção para pouco profeta! Temo que nós, evangélicos, tenhamos sido pesados na balança do Senhor e que, no que diz respeito à nossa responsabilidade como profetas, tenhamos sido achados em falta. Afinal, onde estão os profetas do Senhor? Será que, à semelhança de Elias, estão escondidos na caverna da "omissão" e da "negligência", temerosos por que há uma "Jezabel" à solta por aí?! Acredito, porém, que por mais escassos que sejam os profetas em nossos dias, ainda podemos encontrar em nosso contexto brasileiro alguns poucos que conseguem fazer a diferença. Cito aqui dois deles. Creio que uma das vozes proféticas que foi levantada em nosso tempo seja a chamada Teologia da Libertação, a qual tem protestado principalmente contra as injustiças feitas aos pobres e marginalizados da América Latina, bem como, do Brasil. E, além da TdL, temos visto profetas como o senador Magno Malta, o qual tem denunciado e combatido os crimes de pedofilia por todo o território brasileiro. Contudo, devo reiterar que há ainda pouco profeta para tanto pecado!

Conclusão

A fim de concluir a nossa reflexão, uma pergunta deve ser feita: qual é a contribuição que podemos dar, então, em meio a uma sociedade cuja voz profética quase não existe? Bem, creio que além de denunciar o fato de que o profetismo está em crise nos dias de hoje, cada um de nós tem o dever de "arregaçar as mangas" e de "botar a boca no trombone". Dito de outra forma, não podemos mais viver omissos, negligentes, alienados e indiferentes quanto à triste realidade que nos cerca. Temos que ser o sal da terra e a luz do mundo (Mt 5.13-16). Temos que pregar contra o aborto, contra a violência doméstica feminina, contra a pedofilia, contra a corrupção, contra as injustiças sociais, enfim, temos que protestar contra todo o tipo de pecado seja lá quais forem as formas pelas quais ele vier a se manifestar. Em suma, uma coisa é certa: profeta que se cala pode ser qualquer outra coisa, menos profeta.

Abraços,

Carlos Augusto Vailatti

Carlos Augusto Vailatti é professor de Teologia no Instituto Betel de Ensino Superior, entre as matérias que já lecionou estão: Análise Bíblica do Antigo Testamento, Introdução à Literatura do Antigo Testamento, Hermenêutica, Homilética, Cristologia, Pneumatologia, Antropologia Teológica, Hamartiologia e Escatologia. O professor também realiza palestras em todo o Brasil sobre temas bíblicos-teológicos.

Contato:

Email: [email protected]

Blog: blogdovailatti.blogspot.com

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