Psicólogo analisa fenômeno bebê reborn entre cristãos: ‘Pastores devem lidar com compaixão’

Sobre o fenômeno, Eliézer Caroliv diz que os pastores devem incentivar o cuidado da alma e da mente, orientando a busca por médicos psiquiatras, quando for o caso.

Fonte: Guiame, Adriana BernardoAtualizado: terça-feira, 27 de maio de 2025 às 18:42
Eliézer Caroliv: O fenômeno dos bebês reborn deve ser encarado no ambiente cristão. (Imagem ilustrativa gerada por IA)
Eliézer Caroliv: O fenômeno dos bebês reborn deve ser encarado no ambiente cristão. (Imagem ilustrativa gerada por IA)

O fenômeno dos bebês reborn extrapolou questões simples como admiração pelos bonecos hiper-realistas e passou a ser analisado como um comportamento social com impacto significativo, envolvendo até áreas como saúde e política nacional.

Um exemplo disso é a recente apresentação de projetos de lei que visam regulamentar questões ligadas aos bebês reborn.

Na Câmara dos Deputados, o PL 2320/2025 busca coibir o uso dessas bonecas para obtenção indevida de benefícios destinados a pessoas com crianças de colo, como atendimento prioritário e assentos preferenciais.

Na Alerj – Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o projeto PL 5357/2025 propõe um programa de acompanhamento psicológico para pessoas que desenvolvem vínculos afetivos intensos com os bebês reborn, visando prevenir dependência emocional e possíveis quadros depressivos.

Essas propostas demonstram como o fenômeno tem mobilizado debates na esfera legislativa e na saúde em decorrência de impactos psicológicos.

Para abordar o tema, Guiame entrevistou Eliézer Caroliv, psicólogo clínico, teólogo, especialista em aconselhamento e mestre em ciências da religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Presbítero da Assembleia de Deus Ministério Vila Zelina, em São Paulo, Caroliv explica que ao falarmos de “bebês reborn”, estamos nos referindo a bonecos hiper-realistas semelhantes a bebês humanos, que surgiram nos anos 1990, mas ganharam uma dimensão sem precedentes devido às redes sociais.

Na entrevista a seguir, Caroliv confessa que num primeiro olhar pensou estar diante de uma patologia das mais absurdas. “Como assim um bebê que nunca vai crescer ou precisar ser alimentado?”, se questionou. Porém, seu julgamento como psicólogo “o levou a reflexão sobre a linha tênue entre doença e cura.”

O psicólogo e teólogo Eliézer Caroliv. (Foto: Arquivo pessoal)

Guiame: Estamos vendo uma onda de publicações nos noticiários e nas mídias sociais sobre os "bebês reborn", com reações que vão desde reprovações até compreensões e explicações sobre esse fenômeno. Como o senhor entende esse crescente interesse e as diferentes reações em torno dele?

Eliézer Caroliv: De início deixo claro, que minha percepção parte da psicologia analítica de Carl Jung e entendo que podemos ter cosmovisões convergentes ou divergentes diante de um fenômeno tão polêmico.

Estamos testemunhando uma tendência passageira ou a manifestação contemporânea de algo muito mais antigo e profundo? O crescente interesse pelos bebês reborn pode ser compreendido sob múltiplas perspectivas, como a psicológica, cultural, religiosa, social e até econômica.

Esse fenômeno revela muito sobre os tempos atuais, onde podemos refleti-lo por diversas perspectivas, como da solidão e individualismo, onde temos uma sociedade marcada pelo distanciamento e pela falta de vínculos afetivos, e o reborn pode se apresentar como uma forma de suprir carências emocionais.

Consideramos também a cultura da aparência, onde a busca por objetos hiper-realistas reflete uma cultura visual que valoriza o detalhamento e a simulação quase perfeita da vida. Finalmente, destacamos os desafios na saúde mental, onde os reborn podem ser um espelho das questões emocionais contemporâneas que, muitas vezes, carecem de espaços de escuta e acolhimento.

G.: A questão com a saúde mental deve ser a mais problemática, nesse caso? O que isso significaria?

E.C.: Para Carl Jung, os arquétipos mostram que o inconsciente sempre encontra uma forma de se manifestar e no caso dos reborn, podemos refletir sobre o arquétipo materno, uma das estruturas psíquicas presentes no inconsciente coletivo e que representa não apenas a figura na mãe biológica, mas todo o complexo de experiência, emoções e instintos relacionados a maternidade que atravessa culturas e gerações.

Quando observamos mulheres tratando bonecas reborn como bebês reais, alimentando-as, trocando suas roupas, levando-as para passear, estamos vendo a manifestação desse arquétipo primordial em ação. O realismo dessas bonecas, serve como um receptáculo perfeito para projeção desses conteúdos psíquicos, onde não necessariamente é uma fuga da realidade, mas pode ser um diálogo com o inconsciente.

Jung enfatizou a importância de se manter uma comunicação saudável com os conteúdos arquetípicos para o processo de individuação, o caminho para se tornar um indivíduo integrado e completo. As mães de reborn muitas vezes relatam uma sensação de completude e propósito ao cuidar de suas bonecas, e nesse ponto é interessante verificar como essas bonecas têm permitido mulheres vivenciarem experiências maternas num contexto social onde a maternidade é ridicularizada e resumida apenas ao biológico.

Diante disso, não podemos nos precipitar em patologizar o fenômeno de forma genérica, pois estamos falando de um processo psíquico legítimo de confronto e integração com a maternidade, contudo, a linha entre a expressão saudável e a identificação excessiva é tênue e merece atenção.

G.: Como podemos entender a atração que milhares de pessoas têm por bonecos realistas, tratando-os como se fossem crianças reais?

E.C.: Bom, as razões para o crescente interesse são diversas, entre elas podemos destacar a função emocional, onde muitas pessoas adquirem os bebês reborn como forma de lidar com perdas, como o luto por um filho, infertilidade, ansiedade ou depressão. Nesses casos, o boneco pode funcionar como uma forma de substituto simbólico ou apoio emocional.

Outra razão seira quanto a expressão artística, sendo o reborn uma obra de arte. O processo de confecção envolve extremo cuidado nos detalhes, o que atrai colecionadores e apreciadores de arte, e não podemos deixar de frisar a simulação de maternidade, pois algumas pessoas usam os bonecos para expressar e vivenciar a experiência de cuidar, como uma forma de afeto ou treino simbólico.

G.: Mas essas questões não estão sendo extrapoladas, a ponto de projetos de lei estarem sendo criados recomendando cuidados de saúde mental, por exemplo?

E.C.: Diante dessa pluralidade de razões, as reações ao fenômeno também são diversas, como a contundente reprovação ou estranhamento. Muitas pessoas reagem com desconforto ou crítica ao acharem o comportamento exagerado, bizarro ou até patológico.

Isso se relaciona ao medo do que foge ao comportamento esperado ou à dificuldade de lidar com formas não convencionais de afeto e luto. Outro grupo procura ser mais cauteloso e trata o assunto com compreensão e empatia, ao entenderem os motivos emocionais ou artísticos por trás da prática.

Especialistas da saúde mental, por exemplo, costumam reconhecer que, quando não interfere negativamente na vida da pessoa, essa prática pode até ter valor terapêutico. Precisamos considerar também o fator curiosidade midiática, pois o apelo visual dos bebês reborn e as histórias emocionais envolvidas são altamente aceitas nas mídias, o que explica o interesse da imprensa e a viralização nas redes sociais.

G.: Quais fatores sociais ou psicológicos podem estar por trás dessa tendência e quando o envolvimento com bonecas reborn se torna um sinal de problemas mais profundos de saúde mental?

E.C.: O envolvimento com bonecas reborn pode ter múltiplas motivações sociais e psicológicas. Para muitas pessoas, essa prática é inofensiva, ligada a hobby, expressão artística ou conforto emocional. No entanto, em alguns casos, pode sinalizar questões mais profundas de saúde mental.

Primeiramente os fatores sociais e psicológicos comuns por trás da tendência apontam para a busca por conforto emocional, onde essas bonecas funcionam como um substituto simbólico de um vínculo afetivo, semelhante a um animal de estimação.

No luto ou na perda gestacional, podem ajudar a pessoa a expressar sentimentos reprimidos. Outro fator é o de hobby e arte, pois muitas pessoas colecionam ou produzem bonecas reborn por causa do detalhismo envolvido na criação. Um dos fatores mais criticados é o do instinto maternal ou de cuidado, onde algumas mulheres, e homens, sentem prazer no cuidado simulado, como dar banho, trocar roupas, alimentar etc., sem a responsabilidade real de um bebê.

G.: Quando se pode indicar problemas mais profundos de saúde mental? 

E.C.: É preciso atenção quando houver dificuldade em distinguir fantasia e realidade, quando se substitui completamente relações humanas reais, ou quando impede o processamento saudável do luto, e se perceber comportamentos ligados a transtornos psiquiátricos existentes, como por exemplo, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de apego reativo ou transtorno borderline.

O simples interesse por bonecas reborn não é em si patológico. O contexto é essencial, funciona como forma de expressão, consolo ou arte? Ou interfere no funcionamento diário e nos relacionamentos da pessoa? Se houver dúvidas, uma avaliação com psicólogo ou psiquiatra pode esclarecer se o envolvimento é saudável ou faz parte de um quadro mais amplo.

G.: Como os cristãos podem buscar cura e equilíbrio diante de desafios emocionais sem recorrer a substitutos que distorçam a realidade?

E.C.: Os cristãos também enfrentam desafios emocionais e diante desta realidade, é preciso buscar cura e equilíbrio de maneira autêntica e alinhada à fé, por meio de algumas posturas práticas e espirituais. Não vejo pecado em se ter uma boneca, a questão é quando o objeto distorce a realidade, como por exemplo, de uma mulher que levou seu bebê reborn para ser ungida na igreja.

Diversos padres também estão se manifestando contra o batismo desses bebês hiper-realistas. Penso que para enfrentarmos a questão com cuidado, alguns caminhos são fundamentais, como reconhecer a importância da saúde emocional, evitar anestésicos espirituais, como negação espiritualizada da dor, fuga para atividades religiosas para não lidar com emoções e declarações de vitória sem um processo de cura interior. Essas práticas não curam, apenas encobrem.

Cristo convida ao enfrentamento com amor e verdade. Jesus disse: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32). Isso inclui verdades difíceis sobre nós mesmos, nossas feridas, traumas e limitações. Deus cura, mas é preciso trazer à luz.

A cura emocional cristã não se dá pela negação do sofrimento, mas pela entrega dele a Deus, pelo uso sábio dos recursos que Ele provê, como a Palavra, a comunidade, a oração a psicoterapia, o aconselhamento e pela vivência sincera da fé, sem máscaras. Substituir a realidade por ilusões pode parecer um alívio temporário, mas apenas a verdade traz liberdade e restauração duradouras.

G.: Existe um risco de "surto coletivo" em relação à popularização das bonecas reborn?

E.C.: A ideia de um surto coletivo relacionado à popularização das bonecas reborn é provocativa, mas, em termos psicológicos e sociais, o uso desse termo precisa ser tratado com cautela. Uma histeria coletiva é um fenômeno psicológico social em que um grupo de pessoas compartilha sintomas físicos ou emocionais sem causa orgânica identificável.

Exemplos históricos incluem surtos de desmaios, risos incontroláveis, ou comportamentos incomuns em grupos fechados, como escolas ou comunidades isoladas. Não há evidência científica de que a popularização das bonecas reborn esteja levando a um surto coletivo nos moldes clínicos do termo. No entanto, podemos considerar alguns pontos, como a reação pública exagerada, onde se observa que o crescimento do uso dessas bonecas pode causar reações sociais exageradas, como medo, julgamento ou especulação sobre o estado psicológico dos usuários, o que pode se assemelhar a um pânico moral, um tipo de reação coletiva desproporcional.

Observa-se também, comportamentos imitativos, onde a possibilidade de efeito de contágio social, em que mais pessoas adotam o comportamento por influência de grupos ou redes sociais, mas isso ainda não é um surto, mas um padrão comum em modas e tendências comportamentais.

Acredito que o ponto crítico seja a confusão com a realidade, pois em casos extremos e isolados, algumas pessoas podem se envolver emocionalmente de forma intensa com as bonecas, confundindo-as com seres reais. Foi noticiado por exemplo, mães levando seus bebês reborn para serem vacinados. Claro que precisamos ficar atentos, no entanto, isso está mais relacionado a questões de saúde mental individuais do que a um fenômeno coletivo, onde tudo isso se insere mais no campo da cultura sociopsicológica individual, do que em um surto patológico coletivo, propriamente dito

G.: Como a igreja deve lidar com o fenômeno e qual a responsabilidade dos pastores em orientar as pessoas sobre a relação com as bonecas reborn?

E.C.: A questão das bonecas reborn pode suscitar diferentes reações nas igrejas evangélicas, dependendo da teologia, da cultura local e da intenção com que elas são utilizadas. Para lidar com esse fenômeno, a igreja e especialmente os pastores devem considerar alguns princípios bíblicos e pastorais.

O pastor deve ajudar a discernir se o uso da boneca está sendo algo saudável ou se está ocupando um lugar que deveria pertencer a Deus ou a relacionamentos reais. Se estiver substituindo vínculos humanos, pode ser sinal de fuga da realidade, carência emocional extrema ou trauma não resolvido.

Ensinar com amor, ouvir as histórias por trás do uso da boneca, e só então oferecer orientação bíblica e emocional, caso seja necessário. Levar as pessoas à maturidade espiritual, lembrando que o conforto verdadeiro vem de Deus, não de substitutos. A importância de buscar ajuda quando há dor emocional (Provérbios 11:14). Incentivar o cuidado da alma e da mente, orientando a busca por médicos psiquiatras, psicólogos e terapeutas, quando necessário.

A igreja não precisa fazer uma campanha contra as bonecas reborn, mas os pastores têm a responsabilidade de orientar com sabedoria e compaixão. Devem estar atentos às motivações por trás do uso, oferecer acolhimento, discernimento espiritual e, quando necessário, encaminhar para ajuda profissional.

A ênfase deve estar em ajudar a pessoa a encontrar cura e segurança em Cristo, sem depender de objetos que podem se tornar muletas emocionais. A sombra da realidade quanto a maternidade na sociedade contemporânea observamos um paradoxo intrigante: enquanto a maternidade é romantizada nas mídias e na cultura popular a experiencia real de ser mãe é frequentemente desvalorizada, medicalizada e isolada. Basta observar o crescente controle de natalidade entre cristãos e o adiamento da maternidade devido envolvimento feminino no mundo profissional e acadêmico. Esse contraste cria o que Jung chamaria de sombra cultural, aspectos reprimidos da experiência coletiva que busca expressão por caminhos alternativos.

A sombra representa aspectos que são negados e reprimidos pela consciência, quanto mais negamos esses conteúdos mais poderosos eles se tornam em nosso inconsciente. No contexto da maternidade moderna, podemos observar elementos significativos dessa sombra, como o instinto materno primitivo foi gradualmente substituído por abordagens científica e tecnológicas da criação dos filhos onde as mulheres são bombardeadas com informações contraditórias sobre como devem maternar enquanto seu conhecimento intuitivo é frequentemente descartado com ultrapassado e insignificante.

Outro ponto a se considerar é quanto a maternidade real, com suas noites sem dormir, amamentação e transformações corporais raramente encontram espaço de expressão genuína, onde a pressão para ser a mãe perfeita cria uma máscara social, uma persona junguiana que não permite a expressão da frustração e ambivalência. Numa sociedade onde a cultura fragmentou a maternidade, não seria o reborn uma conexão com arquétipo materno, tão caro para os cristãos, uma compensação psíquica?

G.: Já foi noticiado que existem bonecas reborn adultos, vendidas como companheiras e até "namoradas", sendo algo que parece já ocorrer no Japão há algum tempo. Qual é o risco disso para os relacionamentos humanos reais?

E.C.: Sim, já existem casos noticiados em que bonecas "reborn" ou robôs humanoides são usados como companheiras afetivas e até românticas, especialmente no Japão, mas também em outros países tecnologicamente avançados. Essas companheiras artificiais variam desde bonecas hiper-realistas, sem função autônoma, até robôs com inteligência artificial básica, capazes de simular interações sociais.

Como disse anteriormente, o uso dessas bonecas ou robôs como substitutos de relações humanas pode trazer riscos sociais e psicológicos, dependendo de como e por que são utilizados. Alguns dos principais riscos incluem o isolamento social, expectativas irreais, desumanização e objetificação, além de fuga de problemas emocionais e traumas, que causam impacto na cultura e nas normas sociais.

Importante frisar que em alguns contextos, o uso de bonecas ou robôs pode ser terapêutico ou funcional. O risco não está no objeto em si, mas na motivação, no uso e na substituição completa das relações humanas por ele. Quando a tecnologia é usada como apoio e não como substituição, pode até ter efeitos positivos. O perigo maior ocorre quando se transforma em um refúgio exclusivo, prejudicando a capacidade de formar vínculos reais, com todos os seus desafios e recompensas. Diante disso, penso que o fenômeno reborn nos convida a contemplar o que nossa sociedade tem negligenciado sobre a experiência materna. Talvez as reações de desconforto que muitos cristãos têm ao observar mães de reborn podem indicar não apenas estranheza com as bonecas em si, mas um confronto com aspectos da maternidade que preferimos manter na sombra coletiva, uma vez que o conselho bíblico “crescei e multiplicai” perdeu o sentido em muitas comunidades cristãs.

Importante pensar também no papel do homem nesse contexto, que reagem com forte rejeição ao fenômeno reborn, o que mostra que a masculinidade moderna esta desconectada de sensibilidade e capacidade nutridora, onde projetam seu desconforto com esses aspectos nas mulheres, e se isentam de suas responsabilidades enquanto progenitores. Nesse contexto, não seria mais confortável para uma mulher um bebê reborn do que o desafio de criar um bebê sozinha sem amparo da figura paterna? Fica a reflexão!

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