Reforma relacional e conversão dos afetos

Reforma relacional e conversão dos afetos

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:06
amorAo olhar para Deus – o Deus revelado pelas Escrituras –, descobrimos que ele é Pai, é Filho, é Espírito. A Trindade não é algo que se apreende pelo racional, mas encerra um mistério. É por isso que os místicos contemplativos dizem que, quanto mais conhecemos de Deus, mais o vemos como um mistério insondável, diante de quem nos curvamos reverentemente, sem palavras, sem conseguir compreendê-lo e explicá-lo completamente. Diante da sacralidade de sua presença, somos permeados pelo sublime, pelo inefável, pelo inominável, pelo inescrutável. E a nossa resposta é o pasmo, a estupefação, o deslumbramento; enfim, o temor que conduz à adoração.
 
O Pai é Pai porque tem um Filho; o Filho é Filho porque tem um Pai, e o Espírito é Santo porque é o Espírito do Filho e do Pai. São três que se relacionam, voltados um para o outro com tal intensidade de amor que se interpenetram e se entrelaçam num eterno e terno abraço. Deus é um na sua essência: composto por três, que formam uma unidade sem simbiose; ao contrario, quanto mais se amam, mais cada um deles é ele mesmo, formando uma trindade. É como se cada um pudesse fazer morada no coração do outro. Deus é amor porque subsiste nele mesmo, numa harmoniosa relação de três, iguais em poder, majestade, beleza e santidade.
 
“Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”. A declaração divina no plural indica uma conversa dos três. Transbordante de amor, a Trindade decide criar outro ser, menor, com limitações, mas com a mesma capacidade relacional, com a mesma vocação para amar. Ela cria o homem, colocando nele a sua imagem e semelhança (imago Dei), e o convida para fazer parte da comunidade divina. Por isso, assim ora Jesus Cristo: “Como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós”. A conversão é este caminho sem volta, ao longo da vida, de desconstruir a ilusão da autonomia e da onipotência e experimentar o amor da Trindade. O pecado é a exclusão do outro. A vida eterna é entrar e participar da comunhão eterna do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
 
O verdadeiro amor habita no espaço de um olhar empático, que é capaz de enxergar o mundo através dos olhos do outro. Significa abrir mão da individualidade para entrar no coletivo. A vida se torna mais rica quando conseguimos sair de nosso isolacionismo egoísta, abrindo mão das nossas opiniões enrijecidas, e penetrar, sem invadir, no coração do outro, a fim de sentir e ver como ele sente e vê. Assim, entendemos o grande amor com que fomos amados por Deus. Embora rebelados, ele não nos abandonou; viu nosso pecado e nosso sofrimento. O Filho, enviado pelo Pai e assistido pelo Espírito, encarna para assumir a nossa humanidade, ver o mundo com nossos olhos, sofrer nossas dores, fazer-se pecado por nós e, assim, nos reconduzir de volta ao nosso lugar de origem – o espaço eterno do amor divino.
 
Não há pecado, não há aflição que ele não conheça. E é na graça acolhimento divino que nossos pecados são perdoados e nossas virtudes, afirmadas, não sem um alto custo. A encarnação do Logos é o esvaziamento de sua condição divina para assumir uma condição humana limitada. Ele sai dos céus, onde está entronizado no meio do louvor de seus anjos, para nascer pobre numa estrebaria, enfrentar a hostilidade e a maldade, sofrer e morrer na cruz. Numa sociedade que valoriza o material, o individual, o conforto, o “eu primeiro”, precisamos aprender com ele que amar tem um custo. Amar significa abrir mão de direitos e privilégios e, esvaziados do nosso antropocentrismo, ir ao encontro do outro para acolhê-lo, amá-lo, compreendê-lo, a fim de juntos celebrarmos nossas alegrias e lamentarmos nossas aflições.
 
O Deus da Bíblia é uma eterna amizade de três, que deseja que nos tornemos seus amigos e vivamos como amigos entre nós. Precisamos de uma reforma relacional e de uma conversão de nossos afetos, pois só quem ama conhece a Deus, já que Deus é amor. O grande desafio da igreja neste início de milênio é se tornar uma comunidade cuja qualidade relacional – os vínculos, a comunhão, a amizade, o companheirismo – possa testemunhar, de fato, que Deus está entre nós. Jesus Cristo afirma que, assim, seríamos conhecidos como seus discípulos, isto é, pelo amor, pela maneira doce e terna com que nos relacionamos.
 
Para vencer o mal que está em nós e no mundo, só mesmo um amor ainda maior, o amor da Trindade.
 
 
- Osmar Ludovico
via Mundo Cristão
 

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