Seguidores de Matusalém

Seguidores de Matusalém

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:45

Por Todd T.W. Daly

Poucos seres humanos têm a ventura de Jeanne Calment, a francesa que morreu aos 122 anos de idade, em 1997. Celebridade de fama mundial, ela entrou no segundo século de vida lúcida, com a saúde razoavelmente boa e pedalando sua bicicleta de vez em quando. Seu segredo? "Uma dieta rica em azeite de oliva e vinho tinto". Há poucas pessoas no mundo que atingirão esse recorde, mas cada vez mais idosos passam dos 80, 90 ou cem anos não só vivos como também ativos. A progressiva longevidade do gênero humano tem razões que vão bem além da receita de Jeanne, claro. A expectativa de vida tem aumentado consideravelmente, mesmo em regiões mais pobres. Ela se deve a uma melhoria generalizada nas condições de vida e saúde em boa parte do mundo e reflete avanços médicos que erradicaram doenças antes mortais e otimizaram o tratamento de males crônicos. Basta dizer que a expectativa de vida da maior parte das pessoas que nascem hoje dobrou em relação àquelas que viviam na segunda metade do século 19.

Paralelamente a isso, o acesso maior à água tratada, redes de esgotos e medicamentos, bem como maior conscientização acerca de preservação da saúde – como as campanhas contra o fumo e por uma alimentação mais saudável –, têm feito verdadeiros milagres. Paralelamente, produtos e práticas anti-idade ganham força em todo o mundo e movimentam bilhões, como receitas, terapias e dietas especiais, cirurgias plásticas, vitaminas, suplementos minerais, hormônios do crescimento e outras substâncias orgânicas como melatonina, testosterona, estrogênio e outros. A maior parte dos geriatras é clara ao dizer que pode-se apenas mascarar os efeitos do envelhecimento, processo natural e irreversível. Mas a ideia é de que, se é impossível descobrir a mítica fonte da juventude, então que se envelheça bem.

Durante a última década, essa luta incessante contra o tempo tem enfrentado uma transição para os laboratórios. Pela primeira vez, pesquisadores puderam retardar o processo de envelhecimento em animais através de cruzamentos seletivos, restrições de dieta e manipulação genética. Uma das mais promissoras linhas dessa pesquisa é a relação entre o jejum e o envelhecimento. Os biólogos recitam a seguinte equação: faça um ser vivo sentir muita fome e ele viverá mais, envelhecendo de maneira mais lenta. A bióloga molecular Cynthia Kenyon, por exemplo, dobrou o ciclo de vida de um verme alterando apenas um de seus genes, o que resultou em uma menor ingestão de alimento. "Se nossa empresa pudesse produzir uma pílula que tivesse tal efeito, todos a comprariam", diz a pesquisadora. A expectativa do grupo para o qual trabalha é lançar um produto farmacêutico que reproduza este experimento genético em seres humanos e permita aos consumidores aproveitarem os benefícios da longevidade através do jejum parcial, sem alterar drasticamente suas dietas.

No entanto, esta vida mais longa pode incluir saúde e vitalidade, mas existe o medo de que esta extensão da existência possa prolongar as aflições do envelhecimento. Outra vertente promissora é o desenvolvimento da enzima telomerase. A substância permite que as células continuem a se multiplicar para além de um padrão de tempo, conhecido como Limite Hayflick, uma vez que cada unidade funcional de nosso corpo (chamadas de células somáticas) morrem após alcançar esse limite. Histórias de sucesso na medicina têm chamado a atenção de pessoas às voltas com o processo de envelhecimento, assim como de capitalistas que querem faturar com a questão da extensão da vida. Organizações como a Methuselah Foundation – cujo nome é inspirado pelo personagem bíblico que, segundo o Gênesis, viveu até os 969 anos –, a Centagenetix e a Elixir Pharmaceuticals atuam nessa linha. A Elixir, por exemplo, identifica "genes da longevidade" e espera produzir drogas que reduzam o processo de envelhecimento, bem como as doenças e dificuldades que acompanham esta fase. O grupo já patenteou a manipulação de um gene conhecido como "Indy", que em laboratório dobrou o tempo de vida de uma espécie de mosca.

VIVER MAIS

Um tempo de vida saudável que vá além do prescrito na Bíblia, "setenta ou oitenta para os que têm mais vigor" (Salmo 90.10), é um enorme atrativo, particularmente para uma cultura obcecada pela juventude e que teme a morte. E não é apenas a sociedade em geral que quer evitá-la. Um número considerável de cristãos está fascinado por essa ideia. Em 2009, a rede cristã de TV CBN levou ao ar um programa chamado Os segredos do antienvelhecimento revelador. A atração promovia bestseller de Harry Lodge Mais jovem no próximo ano, que especula como determinados estilos de vida promovem crescimento celular.

A verdade é que ampliar a vida para além dos limites biológicos teria um enorme impacto social, político, econômico e ecológico, além de encerrar uma série de questões éticas e morais. Será, por exemplo, que a busca pela longevidade é apropriada quando milhões de crianças ainda não têm nem as imunizações básicas para viver? Apesar dessas complexas polêmicas, a maioria dos pesquisadores antienvelhecimento simpatiza com o determinismo tecnológico, diz Steven Austad, biólogo e autor de Por que envelhecemos: "Se a ciência descobrir terapias que possam fazer isso, tais terapias serão aplicadas. Criar-se-á então um gênio que não terá chance de retornar à lâmpada: será amplamente utilizado".

A questão fundamental a ser discutida é se o envelhecimento é uma maldição que necessita realmente de uma cura. Devemos tratar a inexorável escalada dos anos como uma doença? Por outro lado, existe algo de errado em se querer viver, quem sabe, até os 150 anos? E, particularmente aos cristãos, será que é errado querer viver mais? As Escrituras sugerem que não é errado querer uma vida longa. O Velho Testamento descreve o "prolongar dos dias" como uma recompensa à obediência em diversas passagens. Sobre o tema da duração da vida, os primeiros capítulos de Gênesis sugerem que é a maldade que encurta os dias do ser humano. No entanto, a Bíblia também nos lembra de que a sabedoria pode prolongar nossos limitados dias na Terra (Provérbios 9.11). De qualquer maneira, o escritor de Eclesiastes lamenta que tanto o sábio quanto o tolo precisem morrer de qualquer maneira.

O Novo Testamento mostra que os ensinamentos e a ressurreição de Jesus relativizam o significado do tempo de vida. O Filho de Deus foi claro ao lembrar que a ansiedade não aumentará a vida de ninguém nem por uma hora. Paulo reafirma isto quando proclama que "o viver é Cristo e o morrer é lucro" (Filipenses 1.21). Ao mesmo tempo, o ministério de Jesus incluía ampliar os dias da vida humana através não só da cura de doenças graves como da ressurreição de mortos. Biblicamente falando, enquanto Deus é o doador da vida, ele não indica uma norma para o tempo de sua duração. À luz dos ensinos do Mestre, a ênfase é naquilo que o homem faz de sua existência, e não o quanto ele vai viver.

Mas e o processo de envelhecimento, que inevitavelmente leva à morte? Questionar se ele é uma doença significa essencialmente questionar se devemos desenvolver tecnologias para atenuar o processo. Uma abordagem comum entre os cristãos é a ênfase na cura como um dom e chamado da Igreja – e tal abordagem justifica o uso da tecnologia para vencer as consequências da queda narrada em Gênesis 3. Teriam os crentes a garantia teológica para promover uma batalha tecnológica contra a morte e o envelhecimento na esperança de reconquistar uma longevidade similar à de Matusalém? Uma citação conhecida de Agostinho proclama que Adão poderia não morrer antes do pecado; mas não poderia deixar de morrer depois dele. Porém, seria precipitado concluir que Adão e Eva não envelheceram antes do pecado.

REDENÇÃO DO CORPO

Que o envelhecimento possa ser uma parte do plano de Deus para a Criação é uma teoria que ganha apoio quando se considera Jesus Cristo, Deus em carne, osso e sangue. O teólogo Karl Barth argumentou que não podemos discernir a natureza humana no conhecimento, na filosofia ou nas ciências sociais. Ao invés disso, encontramos o que significa ser humano em Jesus conforme atestado nas Escrituras. O fato de que o Filho de Deus comeu, bebeu e envelheceu indica que cabe a nós sermos temporais, criaturas finitas. É importante lembrar que cristãos anseiam pela ressurreição do corpo após a morte. A longevidade, então, não é absolutamente boa. Pode parecer que a fé cristã não tem interesses em ampliar o tempo de vida humana de maneira saudável, através do retardamento do processo de envelhecimento.

Na realidade, encontramos os pensamentos mais profundos sobre a relação entre envelhecimento e nossa eventual ressurreição nos escritos dos pais da igreja. Em A encarnação do Verbo, do século 4, o bispo Atanásio descreve o estado original de Adão como um momento no qual sua alma estava entregue a Deus – e seu corpo estava perfeitamente submetido à sua alma. O corpo de Adão sempre esteve inclinado à decomposição, mas sua alma retardou o processo de envelhecimento enquanto esteve submetida a Deus. No entanto, quando Adão pecou e desviou sua atenção para longe do Senhor, voltando-a para as questões materiais, seu corpo e sua alma foram jogados à desordem, e os desejos do seu corpo começaram a dominar sua alma. Isso trouxe o pronunciamento de Deus sobre a morte e acelerou a decomposição do corpo do primeiro ser humano.

É esta condição, diz Atanásio, que Jesus Cristo, a Palavra encarnada, veio transformar. Cristãos têm a promessa – registrada em I João 3.2 – de que um dia serão como Cristo. Atanásio, como muitos nos seus dias, suspeitava do que era material e favorecia o que era espiritual. Ainda assim, afirmou que o caminho para a redenção, aberto pela encarnação de Cristo, começa pela questão do corpo. E não estava sozinho. Muitos pensadores cristãos acreditavam que o corpo poderia ser controlado através do jejum, acrescentando-lhe um pouco da incorruptibilidade outrora desfrutada por Adão. Mas Atanásio também percebeu que qualquer discussão sobre o retorno ao Paraíso deve ser equilibrada com a promessa da futura ressurreição do corpo. Apenas Cristo pode nos vestir de imortalidade; portanto, a longevidade tem seus limites.

O jejum é uma maneira de nos desprendermos dos nossos compromissos urgentes; é disciplina que nos ajuda a enxergar as coisas que nos embaraçam com tanta facilidade. Para a Igreja primitiva, abster-se voluntariamente de comer era uma forma de experimentar a liberdade que Cristo oferece aos que creem. Em particular, isso significava liberdade do medo da morte, liberdade para desfrutar da presença de Deus e para amar as pessoas. O próprio Jesus praticou o jejum no início do seu ministério público e relatou que a abstinência de alimentos era parte integrante da vida dos seus discípulos.

Os antigos conheciam muito bem a relação entre o jejum e o retardamento do envelhecimento, muitos séculos antes de isso ter sido "descoberto" pelos cientistas. Temos mais um argumento sobre a extensão da vida através das razões naturais para o jejum. Mas está claro que, por trás destas competitivas visões sobre a longevidade, existem noções divergentes acerca do que significa ser um corpo humano. Os projetos biomédicos modernos estão baseados na ideia de que nossos corpos são moralmente neutros: estão sujeitos aos nossos desejos e vontades, profundamente moldados pela compreensão da liberdade de nossas limitações – daí, a inquestionável busca da tecnologia para deter ou eliminar o processo de envelhecimento. A busca de pesquisadores por produzir pílulas que imitem o processo do jejum sem que a pessoa precise praticá-lo ilustra como o mundo moderno desconectou o corpo e a alma. A hipótese é a de que a restrição na ingestão de alimentos influenciará a qualidade de vida, como se o corpo não tivesse papel importante na formação do caráter.

IMAGEM DE CRISTO

À luz da narrativa cristã, tentativas recorrentes de prolongar a vida têm confundido a árvore do conhecimento com a árvore da vida, da qual fomos excluídos. Mas a vida vem a nós através de outra árvore – a cruz –, por meio da qual a morte não foi apenas eliminada, mas conquistada. A encarnação de Cristo, sua morte, ressurreição e exaltação servem para indicar a ordem criadora. Isto demonstra a bondade de nossos corpos finitos deste lado da eternidade e nos dá uma imagem de nossos corpos futuros existentes na presença de Cristo. Como observou Brent Waters, no livro O corpo mortal: Encarnação e bioética, "é esta esperança escatológica que permite aos cristãos aceitarem suas limitações finitas, através do dom do Espírito, e receberem a liberdade para obedecer às regras da sua finitude, pois tais limitações já foram justificadas, redimidas e conquistadas na vida eterna em Deus".

À luz desta promessa, Waters conclui que os cristãos deveriam resistir ao tratamento do envelhecimento como se ele fosse uma doença a ser prevenida, tratada e curada. E os que escolhem se envolver no jejum regular e através disso aumentar suas chances de uma vida prolongada, devem, paradoxalmente, tornar-se o tipo de pessoas para as quais uma vida simplesmente mais comprida neste mundo não é a força motivadora – a verdadeira motivação para uma vida saudável e longa deve ter como objetivo a melhor formação à imagem de Cristo.

Em outro paradoxo, nossa formação espiritual está baseada na encarnação do Verbo, que afirma a bondade do nosso corpo. Trabalhamos na direção do futuro, onde estaremos com Deus em sua glória – não como almas sem corpo ou espíritos etéreos, mas como corpos viventes e glorificados que continuaram a refletir o único que carrega eternamente as cicatrizes através das quais nossa salvação foi assegurada.

Todd T. W. Daly é professor assistente de teologia e ética no Urbana Theological Seminary, Illinois (EUA)

Tradução Karen Bomilcar

Veteranos, abençoados e ativos

PERFIL: Aos 97 anos, Tognini mantém-se ativo: "Vida regrada, disciplina, jejuns e equilíbrio espiritual"

Às vésperas de completar 97 anos – faz aniversário em abril –, o pastor Enéas Tognini, precursor do pentecostalismo no meio batista brasileiro e líder da Igreja Batista do Povo, em São Paulo, mantém o mesmo ânimo que caracterizou seu ministério durante décadas. Apesar de confirmar que a idade pesa e que precisou adaptar o trabalho nos últimos tempos para não se exceder, Tognini continua em plena atividade. "Credito minha longevidade a vários fatores. Minha vida é muito regrada, tenho hora para tudo. Para não me sobrecarregar, hoje adoto a prática de só começar um novo trabalho quando terminei o anterior. Isso evita estresse", conta.

Tão importante quanto obedecer horários e seguir certas normas é a disciplina espiritual para ele. Todas as manhãs, ao acordar, a primeira coisa que Tognini faz é ler a Bíblia e orar. "Acima de tudo, a vida é um dom de Deus. Não faz sentido tentar viver mais sem propósito, sem uma consagração íntima e sem buscar sua face. Tudo isso é essencial, pois o Senhor derrama a graça necessária para uma vida frutífera." Outra prática do líder batista é a prática do jejum, que ele aponta como benéfico para o físico e, mais ainda, para a vida espiritual. "Mas jejuar não é apenas deixar de comer. O verdadeiro jejum é um tempo de consagração a Deus."

Quanto à busca pela eterna juventude, Tognini critica esse comportamento e explica que ele desvirtua o sentido da vida, obscurecendo o propósito de salvação de Deus. "A vida está nas mãos de Deus e não adianta querer aumentá-la ou diminuí-la. O fundamental é ser um instrumento para que o Senhor possa executar seus planos." Octogenário e também em plena atividade, o pastor Elizeu Menezes de Oliveira, presidente da Assembleia de Deus na Ilha do Governador (Rio de Janeiro), costuma citar um provérbio chinês que aconselha "comer a metade, caminhar o dobro e sorrir três vezes mais" como boa receita para a longevidade e a produtividade.

"Desde mais novo, aprendi a sempre buscar em Deus a resposta para meus problemas, aflições e doenças. Já fui curado pelo Senhor", garante. O pastor também procura levar uma vida regrada – tem alimentação saudável, não abusa de temperos ou doces e está sempre de bom humor. "Não deixo que os problemas interfiram em minha alegria", ensina. Também é bastante disciplinado em relação ao trabalho, que não deixa de lado. Afinal, aposentadoria, por enquanto, está fora de seu dicionário. (Por Marcos Stefano)

Saúde na mesa

Estilo de vida, sabe-se, é fundamental na manutenção da saúde. E também neste quesito, os cristãos levam vantagem. Estudo publicado na revista National Geographic e realizado com 34 mil fiéis da Igreja Adventista nos EUA, Itália e Japão, revelou que a alimentação baseada em frugalidade e produtos mais naturais – conforme preconizado pela fundadora do adventismo, Ellen White – reduziu a incidência de doenças naquela comunidade. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que o hábito desses adventistas de consumir feijão, leite de soja, tomate e frutas reduz o risco de desenvolvimento de alguns tipos de cânceres. Já outro costume adventista, o de evitar a carne vermelha, auxilia na prevenção de doenças cardíacas e oncológicas.

Vida mais longa

Nas últimas décadas, a expectativa de vida do brasileiro vem aumentando gradativamente:

63 anos era a expectativa média de vida nos anos 1980

73,1 anos é o índice atual

81,2 anos deverá ser a expectativa de vida em 2050

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