Alemanha torna inconstitucional lei que proíbe casamento com crianças

Suprema Corte abre caminho para que lei islâmica seja válida em território alemão, diz pesquisador.

Fonte: Guiame, com informações do Instituto GatestoneAtualizado: sexta-feira, 28 de dezembro de 2018 às 16:46
Fachada do Tribunal Federal de Justiça, o mais alto tribunal da Alemanha, que reconheceu lei islâmica ao decidir a inconstitucionalidade de uma nova lei que proíbe o casamento infantil. (Foto: Andreas Praefcke/Wikimedia Commons)
Fachada do Tribunal Federal de Justiça, o mais alto tribunal da Alemanha, que reconheceu lei islâmica ao decidir a inconstitucionalidade de uma nova lei que proíbe o casamento infantil. (Foto: Andreas Praefcke/Wikimedia Commons)

O Tribunal Federal de Justiça, a mais alta Corte de jurisdição civil e criminal da Alemanha, decidiu que uma nova lei que proíbe o casamento com crianças pode ser inconstitucional. A legislação foi criada pelo Parlamento Alemão em 2017 para proteger meninas que eram casadas no exterior, mas procuravam asilo na Alemanha.

De acordo com Soeren Kern, pesquisador do Instituto Gatestone, um centro de estudos de política externa de Nova York, a decisão da Corte abre caminho para que todos os casamentos, incluindo os com crianças, baseados na Sharia (lei islâmica) sejam protegidos pela Lei Básica da Alemanha, uma espécie de Constituição do país.

A chamada Lei de Combate ao Casamento Infantil, agora considerada inconstitucional, estabelece que a idade mínima de consentimento para o casamento na Alemanha é 18 anos e anula todos os casamentos existentes, incluindo aqueles contraídos no exterior, com cônjuge menor de 16 anos de idade.  

Batalha judicial 

A decisão da Corte aconteceu após recursos que envolviam o caso de um casal sírio – uma menina de 14 anos casada com seu primo de 21 anos –que chegou à Alemanha no auge da crise dos migrantes em agosto de 2015. O Departamento de Bem-Estar da Juventude, órgão oficial alemão que defende causas de imigrantes, recusou-se a reconhecer o casamento e separou a menina do marido.  

Diante da resolução, o marido entrou com uma ação no tribunal de família em Aschaffenburg, que decidiu em favor do Departamento de Bem-Estar da Juventude, alegando que aquele órgão era o tutor legal da menor. 

Em maio de 2016, outro tribunal foi acionado. Desta vez, os recursos em Bamberg trouxeram nova sentença que revogou a decisão do tribunal da família. Assim, a decisão favoreceu o marido, já que o casamento foi considerado válido porque foi contraído na Síria, onde, de acordo com a lei da Sharia, os casamentos com crianças são permitidos.

“A decisão efetivamente legalizou os casamentos infantis na Sharia na Alemanha”, diz Soeren Kern. A decisão – descrita como um “curso radical na lei islâmica do casamento sírio” – provocou uma avalanche de críticas. Alguns acusaram a Corte de Bamberg de aplicar a lei da Sharia à lei alemã para legalizar uma prática banida na Alemanha. 

“Justificativas religiosas ou culturais obscurecem o simples fato de que homens mais velhos e perversos estão abusando de garotas jovens”, disse Rainer Wendt, chefe do sindicato da polícia alemã. 

A ministra da Justiça de Hesse, Eva Kühne-Hörmann,do partido Democrata Cristão, perguntou: “Se as pessoas menores de idade – com toda a razão – não têm permissão para comprar uma cerveja, por que os legisladores devem permitir que as crianças tomem decisões tão profundas relacionadas ao casamento?”. 

Poligamia 

Um grupo contrário à nova decisão diz que ela pode abrir espaço para conflitos culturais na Alemanha, já que os muçulmanos a encarariam como um precedente para pressionar as autotidades pela legalização de outras práticas islâmicas, incluindo a poligamia, no país. 

Em setembro de 2016, o Ministério do Interior alemão, respondendo a um pedido da Lei de Liberdade de Informação, revelou que 1.475 crianças casadas – incluindo 361 crianças menores de 14 anos - estavam vivendo na Alemanha até 31 de julho daquele ano. 

O Tribunal Federal de Justiça da Alemanha, em sua decisão publicada em 14 de dezembro de 2018, justificou sua decisão dizendo a Lei de Combate ao Casamento Infantil pode ser inconstitucional porque violou os artigos 1 (dignidade humana), 2 (desenvolvimento livre da personalidade), 3 (proteção igual) e 6 (proteção do casamento e da família) da Lei Básica, que funciona como a Constituição alemã. 

O tribunal também decidiu que a nova lei não pode ser aplicada retroativamente e, portanto, não pode se aplicar ao casal sírio, que se casou em fevereiro de 2015. O que acabaria com o fim da separação do casal sírio, imposta pela lei de proteção às meninas. 

Finalmente, o Tribunal Federal de Justiça solicitou ao Tribunal Constitucional Federal que examinasse a legalidade do banimento geral da Alemanha sobre o casamento prematuro e determinasse se as autoridades alemãs deviam, até então, avaliar a validade dos casamentos de crianças, caso a caso. 

Precedente 

“Protegendo o casal sírio da lei alemã, o tribunal não apenas legitimou o uso da lei Sharia para determinar o resultado de casos legais na Alemanha, como também estabeleceu um precedente que quase certamente será usado no futuro por defensores do casamento infantil”, afirma Kern.

Winfried Bausback, um legislador da Baviera que ajudou a redigir a lei contra o casamento infantil, ficou indignado com a decisão do tribunal: “Por causa da nossa Constituição e para o benefício da criança, no presente caso, deve haver apenas uma resposta: Este casamento deve ser nulo e vazio desde o início”. 

O legislador mostra a contradição da Alemanha ao se manifestar contra casamentos infantis em outros países e admitir a prática internamente, ainda que por outros grupos culturais. “A Alemanha não pode, por um lado, ser contra casamentos infantis internacionalmente e, por outro lado, ser favorável a tais casamentos em nosso próprio país”.

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