Famílias vendem suas filhas para não morrer de fome no Afeganistão

As meninas são “comercializadas” para abastecer a prática deplorável do casamento infantil que acontece há séculos no país.

Fonte: Guiame, com informações de G1Atualizado: quinta-feira, 28 de outubro de 2021 às 11:24
Farishteh (à direita) e Shokriya (nos braços do pai) foram vendidas às famílias de seus futuros maridos no Afeganistão, em 14 de outubro de 2021. (Foto: Hoshang Hashimi/AFP)
Farishteh (à direita) e Shokriya (nos braços do pai) foram vendidas às famílias de seus futuros maridos no Afeganistão, em 14 de outubro de 2021. (Foto: Hoshang Hashimi/AFP)

Duas meninas foram vendidas pelos próprios pais, no Afeganistão — Farishteh, a mais velha de 6 anos, por 3,3 mil dólares (cerca de 18,7 mil reais) e Shokriya, a mais nova de 1 ano e meio, por 2,8 mil dólares (cerca de 15,7 mil reais).

Segundo a agência de notícias France Presse, a mãe das meninas, Fahima, não para de chorar desde que o marido anunciou que as filhas estavam à venda para que eles não morressem de fome. 

A família que foi deslocada pela seca no oeste do Afeganistão vive numa casa de barro coberta por lonas furadas em um campo para desabrigados, em Shamal Darya, Qala-i-Naw, na província de Badghis.

Sobre a venda das meninas

Os “futuros maridos” só podem levar as meninas depois que pagarem o valor total acertado, o que pode levar anos. Segundo um relatório de 2018 da Unicef (Fundo da ONU para a Infância), 42% das famílias afegãs têm uma filha que se casa antes dos 18 anos. 

A principal motivação é econômica, porque o casamento é visto muitas vezes como um meio de garantir a sobrevivência de uma família.

A prática é generalizada nos campos de deslocados. Os responsáveis pelos acampamentos e aldeias contabilizam dezenas de casos desde a seca de 2018. O número teve um aumento com a seca de 2021.


Sabehreh (à direita) e sua filha Zakereh, que está noiva do filho de 4 anos do dono da mercearia para cobrir a dívida da família. (Foto: Hoshang Hashimi/AFP)

Sabehreh, de 25 anos, é vizinha de Fahima. Sua família pegou comida fiado em uma mercearia, e o dono do comércio ameaçou "prendê-los" caso não pagassem.

Para pagar a dívida, a família vendeu Zakereh, de três anos de idade, e ela vai se casar com Zabiullah, filho do dono da mercearia que tem quatro anos. A menina não suspeita de nada, e o pai do seu futuro marido decidiu esperar até que ela tivesse idade suficiente para levá-la embora.

“Não estou feliz por ter feito isso, mas não temos nada para comer nem beber”, desespera-se Sabehreh. “Se continuar assim, teremos que vender nossa filha de três meses”, ela disse. 


Asho, uma garotinha que ficou noiva de um homem de 23 anos por causa de dívidas da família. 14 de outubro de 2021. (Foto: Hoshang Hashimi/AFP)

“Muitas pessoas estão vendendo suas filhas”, diz outro vizinho, Gul Bibi, que deu sua filha Asho, de menos de dez anos, para um homem de 23 anos com quem a sua família tinha uma dívida.

Asho ainda vive com a família, e Bibi teme que o comprador volte do Irã para tirá-la de seu colo. “Sabemos que isso não é certo, mas não temos outra opção”, lamentou o pai. A lista de casos semelhantes é interminável.

A situação é pior com o Talibã no governo

A idade mínima legal para as meninas se casarem era de 16 anos no governo anterior — antes de o Talibã voltar ao poder, em agosto. Agora, o grupo extremista tem restringido cada vez mais o direito que as mulheres conquistaram nas últimas duas décadas.

Malawi Abdul Sattar, governador em exercício da província de Badghis, afirma à France Presse que esses casamentos “não são uma norma imposta pelo Talibã”, mas que se devem a problemas econômicos atuais. 

Uma reunião para falar sobre a crise humanitária do Afeganistão aconteceu na manhã desta quarta-feira (27), em Teerã, capital do Irã, com a presença de sete representantes dos países vizinhos que buscam uma solução para a crise do governo de Cabul.

Participaram de forma presencial o Paquistão, Turcomenistão, Tadjiquistão e Uzbequistão, enquanto China e Rússia participaram por videoconferência. Eles querem a formação de um governo inclusivo no Afeganistão.

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