Desde que foi proposta pela antropóloga Debora Diniz - do instituto de bioética Anis - e apoiada pela própria Unicef, a autorização do aborto em casos de microcefalia tem gerado divergências entre vozes de ativistas, políticos e até mesmo juristas sobre o assunto. Segundo o site brasileiro 'Consultor Jurídico', a maioria dos juristas entrevistados por sua equipe de comunicação se posicionaram contra a proposta que deve ser apresentada ao Superior Tribunal Federal.
Atualmente, no Brasil, o aborto já é permitido em casos de estupro (artigo 128, II, Código Penal), anencefalia - quando o feto não possui cérebro - ou se não houver outra forma de salvar a vida da gestante (artigo 128, I, Código Penal). Porém, grande parte dos juristas brasileiros alertou que a microcefalia não é um caso que poderia 'justificar' a autorização de um aborto.
Segundo o ministro aposentado do Supremo Tribunal, Carlos Velloso, a aprovação do aborto para casos de anencefalia não pode ser usada como exemplo para que o procedimento de interrupção da gravidez também seja adotado em casos de microcefalia. O jurista destacou que os efeitos de ambas as condições são diferentes.
“Seria uma brutalidade sem nenhuma justificativa eliminar uma vida porque a criança vai nascer com problema cerebral. Então, se tiver também problema coronariano, pulmonar, vamos autorizar o morticínio?”, questionou.
Fazendo coro com Velloso, o professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo, José Levi Mello do Amaral Júnior também destaca que a microcefalia não impede que a criança tenha uma vida - ainda que com certas limitações. Ele também alertou que a autorização do aborto para estes casos também pode caracterizar uma manobra jurídica.
“A microcefalia típica não implica impossibilidade de vida extra-uterina e os exemplos concretos são numerosos, inclusive de pessoas nesta condição que superaram limitações e, até mesmo, colaram grau em curso superior. Por isso mesmo, admitir aborto no caso de microcefalia seria vulgarizar algo que é excepcional no Direito brasileiro”, lembrou.
Tensão
Diante de uma grande quantidade de casos de microcefalia diagnosticados em fetos, a sociedade brasileira se vê assustada e se desespera ainda mais com as informações um tanto imprecisas que surgem a cada instante sobre os causadores da má formação nos bebês. Atualmente, o grande vilão desta história tem sido o Zika Vírus - transmitido pelo mosquito Aedes Aegypti, mas também há indícios de que possa ser transmitido pela saliva ou relação sexual. O vírus é apontado por diversas instituições de pesquisa como o real causador da microcefalia em fetos.
A situação tem se agravado cada vez mais - no Brasil e em outros países de clima tropical - e levou a Organização Mundial de Saúde a decretar estado de emergência internacional.
Além do Zika Vírus, a microcefalia também tem outras causas, como o citomegalovírus, o uso de drogas durante a gravidez, rubéola e toxoplasmose. A má formação é uma condição neurológica que torna o cérebro e a cabeça menores do que a média e pode gerar algumas sequelas, como cegueira, surdez, déficit intelectual. Apesar disso, casos de superação destes efeitos já têm sido noticiados, como a história da jornalista Ana Carolina Cáceres, que se tornou conhecida internacionalmente.
Preconceito
Segundo a professora de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Ana Paula de Barcellos, esta proposta não convoca apenas um debate sobre a legitimidade (ou não) do aborto, mas também é um exemplo de como a sociedade tem tratado os portadores de necessidades especiais.
"Por essa razão, essa discussão não é apenas sobre aborto, mas também sobre a forma como a sociedade trata deficientes e apoia suas famílias", afirmou a professora.
"Assim, permitir que gestantes abortem fetos com problemas seria uma forma de eugenia", opinaram Amaral Júnior e Velloso. Segundo o ministro aposentado, a ideia de um mundo sem deficientes "se aproxima das visões do ditador alemão Adolf Hitler".
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