A Síria enfrenta seu momento mais mortal desde a queda do presidente Bashar al-Assad, há três meses. Confrontos entre forças governamentais e combatentes pró-Assad eclodiram semana passada, resultando na morte de centenas de civis e soldados.
Em menos de 24 horas, centenas de cristãos foram massacrados na região costeira da Síria por muçulmanos locais. Relatórios indicam que o ataque coordenado ocorreu nas regiões sírias de Jableh e Baniyas, onde comunidades cristãs e alauítas vivem historicamente.
Desde quinta-feira (06), mais de mil pessoas, incluindo essas minorias, perderam a vida, segundo informações do Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH) e fontes locais.
O total de mortes nos confrontos iniciados no fim da semana entre as forças de segurança e os apoiadores de Assad, somado aos assassinatos motivados por vingança, ultrapassou 1.000, segundo a OSDH, um grupo de monitoramento de guerra, conforme informou a Associated Press.
Imagens chocantes
Vídeos nas redes sociais mostraram tanto agentes de segurança quanto homens em trajes civis mortos perto de veículos e em zonas residenciais.
Imagens de uma cidade perto de al Jinderiyah retrataram mulheres lamentando pelo menos 20 homens em trajes civis que pareciam ter sido baleados. Outros, filmados à noite, mostraram forças de segurança atirando extensivamente em agressores não identificados.
O cantor e compositor cristão Sean Feucht postou imagens em seu Instagram, onde pede: “Orem pela igreja perseguida”.
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Cristão de ascendência judaica, Hananya Naftali também fez uma postagem em seu perfil, junto a um vídeo, na qual questiona:
“Um civil cristão na Síria está clamando por ajuda enquanto a sua aldeia está sendo massacrada. As famílias estão sendo despedaçadas enquanto o mundo fica em silêncio. Onde está a humanidade?”
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Mulheres e crianças cristãs, drusas e alauítas, grupo religioso ao qual Assad é associado, estão sendo recebidas pelos russos na Base Aérea de Hmeimim, na Síria.
The Russians are giving shelter to the Christian, Druze and Alawite women and children at the Hmeimim Airbase in Syria. Whoever they can save, really. pic.twitter.com/84eRZVDsOe
— Ian Miles Cheong (@stillgray) March 8, 2025
O presidente interino da Síria, Ahmed al-Sharaa, garantiu que o novo governo irá respeitar todas as comunidades e grupos. Em busca de legitimidade internacional, ele tem se reunido com líderes regionais. Contudo, a escalada de violência pode comprometer esses avanços.
A Síria enfrenta mais de uma década de conflitos, iniciados com a Guerra Civil Síria em 2011, marcada por violações sistemáticas dos direitos humanos, violência sectária, massacres, deslocamentos forçados e confrontos intensos contra grupos do ISIS (Estado Islâmico).
Ahmed al-Sharaa, atual governante da Síria. (Captura de tela/YouTube/TVi Player)
Os recentes confrontos mortais representam a pior onda de violência desde a destituição de Assad, com inúmeras vítimas registradas entre minorias religiosas, como alauítas e cristãos.
Grupo rebelde no poder
No final de novembro, uma ofensiva relâmpago conduzida pelo grupo islâmico sunita Hay'at Tahrir al-Sham (HTS), com raízes na Al-Qaeda, resultou na queda da dinastia Assad, há décadas no poder. Desde então, o ex-líder buscou refúgio em Moscou, enquanto al-Sharaa, membro do HTS, assumiu o cargo mais alto do governo.
Na quinta-feira, confrontos entre as forças do governo sírio e apoiadores de Assad na região costeira de Jableh, predominantemente alauíta, resultaram em mais de 200 mortes.
Segundo a OSDH, os combates começaram quando as forças governamentais tentavam capturar um indivíduo procurado e foram emboscadas por leais a Assad. A Associated Press informou que homens armados pró-Assad assumiram o controle de Qardaha, cidade natal do ex-presidente.
Conflitos foram registrados em Latakia, Baniyas e outras regiões, com a OSDH relatando que, durante o fim de semana, o fornecimento de eletricidade e água potável foi interrompido em áreas vizinhas.
Nos dias seguintes, homens armados associados ao novo governo realizaram ataques de vingança nas áreas costeiras alauítas, resultando na morte de centenas de pessoas. Segundo a OSDH, pelo menos 428 alauítas foram mortos, embora nenhum número oficial tenha sido divulgado.
A OSDH também informou centenas de mortes em massacres e dezenas em confrontos. Até a tarde de sábado, foram contabilizadas 745 mortes de civis, além de 125 membros das forças de segurança do governo e 148 combatentes pró-Assad.
"Este foi um dos maiores massacres durante o conflito sírio", disse o diretor da OSDH, Rami Abdurrahman, sobre os recentes assassinatos de civis alauítas.
De acordo com moradores locais citados pela Reuters, milhares de pessoas, incluindo cristãos e alauítas, buscaram refúgio nas montanhas próximas em busca de segurança.
A população cristã na Síria sofreu uma queda significativa desde o início da guerra civil, com o The Syrian Observer estimando que restam apenas cerca de 300.000 cristãos no país.
Assad esteve no poder na Síria por 24 anos, sucedendo seu pai, que governou o país por três décadas. Durante seu governo, ele foi acusado de inúmeros crimes de guerra e crimes contra a humanidade, como o uso de armas químicas, incluindo gás sarin, contra civis, além de massacres e táticas de fome forçada. Milhares de sírios foram detidos sem julgamento, muitos permanecendo por anos em condições insalubres e superlotadas.
Durante o governo de Assad, os alauítas, uma seita muçulmana xiita minoritária na Síria, ocupavam posições de destaque no governo e no exército. Com a perda do poder pelos alauítas, surgiram relatos de assassinatos por vingança. Relatórios locais também apontaram para assassinatos seletivos de cristãos, que possuem uma presença significativa em Latakia.
Os patriarcas das três principais igrejas cristãs da Síria – a Ortodoxa Grega, a Ortodoxa Siríaca e a Igreja Católica Grega Melquita – divulgaram no sábado uma declaração conjunta condenando a violência e os "massacres de civis inocentes".
Os líderes religiosos apelaram por "um fim imediato a esses atos terríveis, que contrariam todos os valores humanos e morais".
Em reação aos confrontos, a mídia estatal síria anunciou que forças de segurança foram deslocadas para Latakia e áreas adjacentes com o objetivo de restabelecer o controle da região.
Centenas de civis mortos em massacres enquanto a violência na Síria aumenta. (Captura de tela/YouTube/abc News)
Em um discurso na noite de sexta-feira (07), Sharaa expressou apoio a uma ação repressiva na região, mas destacou a importância de moderação por parte das forças de segurança, afirmando:
Quando abrimos mão de nossa moral, nos tornamos iguais ao nosso inimigo." Ele também apelou para que grupos armados externos às forças governamentais entregassem suas armas.
Resposta das autoridades
O Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, declarou no domingo: "Os Estados Unidos condenam os terroristas islâmicos radicais, incluindo jihadistas estrangeiros, que assassinaram pessoas no oeste da Síria nos últimos dias. Os Estados Unidos apoiam as minorias religiosas e étnicas da Síria, incluindo as comunidades cristã, drusa, alauíta e curda, e oferecem suas condolências às vítimas e suas famílias. As autoridades interinas da Síria devem responsabilizar os autores desses massacres contra as comunidades minoritárias do país."
A organização sem fins lucrativos Greco-Levantines World Wide publicou na sexta-feira, em uma postagem no X [ex-Twitter]: "Tony Petrus e seu filho Fadi Petrus, dois gregos antioquenos, foram mortos hoje no pogrom lançado pelo HTS contra a região mista de cristãos e alauítas."
Em uma postagem no sábado, a organização informou: "O pai do Pe. Gregorios Bishara, sacerdote da Igreja de Nossa Senhora da Anunciação, foi martirizado nesta manhã pelas mãos de facções armadas pró-HTS que invadiram a cidade de Baniyas."
Charles Lister, diretor do programa Síria do Middle East Institute, escreveu em uma postagem no X no sábado: "Os eventos recentes mostram o quão frágil é – e continua sendo – o período de transição pós-Assad na Síria. Os sírios, em todos os cantos, estão desesperados para virar a página, mas os custos de 13 anos de um conflito brutal não desaparecem da noite para o dia. A panela ferveu."
Em uma postagem anterior no X, ele declarou: "As operações militares do governo interino na costa da Síria foram suspensas e todas as estradas bloqueadas para remover homens armados que não estão sob comando dos ministérios da Defesa e do Interior. Dois grupos foram capturados até agora, enquanto ataques pró-Assad continuam (foram 3 na última hora)."
Joshua Landis, diretor do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade de Oklahoma, escreveu no X no sábado: "Um total de 353 civis alauítas perderam a vida na Síria ontem, e dezenas mais ficaram feridos com variados graus de gravidade."
E acrescentou, em outra postagem: "A área de Jableh registrou o maior número de massacres e vítimas, representando cerca de 44% das mortes em massa (10 massacres), com perdas humanas correspondendo a aproximadamente 38% (133 indivíduos). Em seguida, vêm Banias e Haffah, cada uma com uma taxa de massacre de aproximadamente 18% (4 assassinatos em cada local)."
Stephane Dujarric, porta-voz do Secretário-Geral das Nações Unidas, declarou em um comunicado à imprensa na sexta-feira: "O Secretário-Geral condena veementemente toda a violência na Síria e insta as partes a protegerem os civis e cessarem as hostilidades. O Secretário-Geral está alarmado com o risco de aumento das tensões entre as comunidades na Síria, justamente em um momento em que a reconciliação e a transição política pacífica deveriam ser prioridades."
Gregory Waters, pesquisador do Syrian Archive e analista do Counter Extremist Project, escreveu no X no sábado: "Há apenas um caminho para o futuro da costa, e esse caminho é o verdadeiro diálogo intercomunitário. Os alauítas precisam compreender a experiência sunita, enquanto o novo governo deve começar a empoderar alauítas genuinamente contrários ao regime (que definitivamente existem, eu os conheci) para, gradualmente, enfraquecer os extremistas."
O futuro da Síria permanece instável e imprevisível, à medida que o HTS busca consolidar seu governo e ganhar legitimidade, enquanto conflitos sectários continuam a explodir ao longo da costa do Mediterrâneo.
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