
Líder da Congregação Judaica Messiânica Shemá Israel, em Votorantim (SP), o rabino Mário Moreno tem se dedicado a aproximar cristãos cada vez mais da cultura judaica. Um dos pilares desse trabalho é a tradução da Brit Hadashá – o Novo Testamento –, do hebraico para o português.
O trabalho está quase finalizado, faltando seis livros para concluir toda a coleção, que deverá ser finalizada entre 14 e 15 volumes.
Em entrevista ao Guiame, o escritor e colunista deste portal compartilha detalhes sobre sua obra e ministério.
Guiame: Rabino, mais uma vez aqui no Guiame, é uma alegria para nós podermos falar com você. Muito obrigada!
Rabino Mário Moreno: Shalom. O prazer é todo meu. Agradeço a vocês por este espaço que estamos tendo juntos, para poder trazer ao Brasil algumas novidades que acredito serem muito relevantes, como a tradução da Brit Hadashá, o Novo Testamento, a partir do texto hebraico.
G.: Para quem não está familiarizado com o termo hebraico, o que é a Brit Hadashá? E o que te motivou a fazer uma análise tão aprofundada dessa tradução?
M.M.: Isso começou há alguns anos, quando fiz a primeira tradução do texto hebraico da Brit Hadashá sem análise, só a tradução. Durante esse processo, descobri muitas incoerências nas traduções comuns – passagens que não se conectavam, trechos que perdiam sentido. Os tradutores cometeram muitos erros na hora de fazer a tradução, e isso acabou gerando vários entraves teológicos dentro da Brit Hadashá. Como escritor e professor, isso me deixava muito frustrado.
Tenho feito esse trabalho há trinta e cinco anos, então chega um momento em que você pensa: “Não é possível que este texto não encaixe com nada”. Isso me levou a fazer uma busca.
G.: E como foi essa busca?
M.M.: Busquei respostas em oração e o Senhor falou comigo: “Olha, eu quero que você faça um trabalho para mim”. Eu disse: “Pode dizer, Senhor”, e Ele me respondeu: “Você vai fazer esse comentário”. Então falei: “Senhor, mas isso é um trabalho para uma vida inteira”. E o Senhor disse: “Comece”. Foi assim que comecei e... hoje estamos com quase tudo pronto.
Hoje, o trabalho está quase finalizado – faltam seis livros para concluir toda a coleção, que deve ter entre 14 e 15 volumes.
Para você ter uma ideia, este livro que vou apresentar tem 464 páginas em formato A4. É muito conteúdo. A partir disso, comecei a trabalhar e agora estamos quase na fase final, para disponibilizar a coleção inteira para o Brasil.
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Rabino Mário Moreno durante entrevista ao Guiame. (Captura de tela/YouTube/Guiame Notícias)
G.: Muitos estudiosos afirmam que o Novo Testamento foi escrito originalmente em grego e, algumas partes, em aramaico. não em hebraico. Para quem é leigo no assunto, qual é a língua original correta do Novo Testamento e por que você escolheu trabalhar com a versão em hebraico?
M.M.: Essa ideia de que o Novo Testamento foi escrito em grego é uma lenda. Quando fazemos uma análise mais profunda das Escrituras, começamos a descobrir coisas interessantes. Por exemplo: quando você pega um documento traduzido de qualquer língua, sempre sobram resquícios da língua original. E, a partir desses resquícios, é possível descobrir a origem da tradução.
Descobri – inclusive tenho um livro sendo registrado chamado A Judaicidade da Brit Hadashá – provas de que o Novo Testamento, a Brit Hadashá, foi escrito em hebraico. Fizemos uma crítica textual e encontrei manuscritos da Brit Hadashá até na Índia, para você ter uma ideia. Com essas descobertas, hoje posso afirmar e provar que foi escrito em hebraico. Por isso, trabalho com o texto hebraico.
E há outro motivo: a palavra Brit Hadashá significa “restauração da aliança”, não “novo”. Mas restauração de que aliança? Da aliança feita lá atrás com Abraão. Isso significa que algo lá atrás está sendo restaurado agora. Então, faço outra pergunta aos tradutores: se é restauração, como conectar duas coisas em línguas diferentes? Com contextos diferentes - um greco-romano e outro completamente hebraico? Essa é outra dificuldade.
G.: O que mais o fez chegar a essa conclusão, rabino?
M.M.: Descobri também algo chocante: nas traduções, existe uma regra básica – nome não se muda. Em qualquer lugar do mundo, meu nome sempre será Mário. O nome não pode ser alterado, porque fala da essência de quem somos. Mas, na tradução, mudaram os nomes. Isso criou uma desconexão entre o mundo judaico e a Brit Hadashá.
E percebo que isso foi feito de forma intencional. Por exemplo: Yeshua recebeu seu nome não do pai nem da mãe. Se você lê Lucas e Mateus, verá que um anjo visita Yosef e depois Miriam e dá o nome. Se o anjo falou com eles em Israel, onde se falava hebraico, o nome não poderia ser Jesus — tem que ser Yeshua.
Outra questão: onde Ele nasceu? Em Beit Lehem, traduzido como Belém. Belém não tem significado, mas Beit Lehem significa “Casa do Pão”. Qual a conexão com Yeshua? Ele declara em João: “Eu sou o pão da vida”. Em hebraico, isso funciona como um trocadilho para reforçar o sentido.
Essas questões me levaram a afirmar isso. E outra descoberta: você mencionou o aramaico. Na realidade, não há nada em aramaico na Brit Hadashá. Quando aparece “aramaico” nas traduções, no texto grego está escrito “hebraico”. Inclusive, isso é um capítulo do meu livro.
Então, pergunto aos tradutores: por que pegaram a palavra grega que significa “hebraico” e traduziram como “aramaico”? Qual foi a intenção? Com base em todas essas descobertas, compiladas no livro, quero apresentar isso ao público para embasar cada vez mais esses achados que tenho feito dentro da Brit Hadashá.
G.: E isso também se aplica às cartas do apóstolo Paulo?
M.M.: Sim. E aí existe outra questão ainda mais interessante dentro disso. Muitas vezes não entendemos o termo “gentio”. Achamos que gentio é aquele que é pagão, e etc. Mas, quando vamos para Gênesis, capítulo 12, o Eterno diz a Avraham: “Farei de ti uma grande nação”. Em hebraico está escrito: gadol goyi. E goyi é o termo hebraico para gentio. Então, se começarmos a fazer uma análise mais profunda, descobriremos quem são os gentios mencionados na Bíblia: são aqueles que perderam suas raízes judaicas e que o Senhor, no final dos tempos, reunirá para formar um só povo com Israel.
Porque, na realidade, o povo judeu é uma família. Vamos pegar Yaacov (Jacó) com suas quatro esposas, seus doze filhos e uma filha.
Os doze filhos dão origem às doze tribos, e as doze tribos formam a nação de Israel. Quando se espalham pelo mundo, continuam sendo irmãos, porém separados, que precisam se reunir. E o Senhor fez esse ajuntamento acontecer sob um organismo que hoje conhecemos como Igreja.
Se você ler com atenção as cartas do rabino Shaul (Paulo), verá que ele fala para judeus, usa palavras judaicas e, no original que traduzi nos comentários, essas palavras aparecem.
Ele utiliza termos rabínicos que não aparecem em português, mas que ajudam a compreender que estava falando com pessoas de ascendência judaica, que conheciam um pouco do judaísmo, mas tinham perdido a conexão com Israel porque estavam na diáspora, fora de Israel.
Por exemplo, eu não estou em Israel, você não está em Israel, mas temos raízes judaicas. O ideal seria estarmos lá, mas não estamos. Porém, isso não nos faz deixar de ser judeus. Entendeu? Então, quando Shaul escreve essas cartas, há um peso muito forte da tradição judaica, das expressões rabínicas que ele usa, além de outras joias da cultura judaica presentes nesses textos.
G.: Pode citar algum exemplo de versículo que muda completamente de sentido quando lido no hebraico?
M.M.: Um exemplo clássico é João 3:16: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que n’Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. É um versículo evangelístico muito lindo. Só que, em hebraico, está escrito: “Elohim amou a eternidade de tal maneira que deu o seu Filho unigênito”.
Que eternidade é essa? A palavra em hebraico é Olam, que significa “eternidade”. Se você analisar todas as ocorrências na Torá e no Tanakh, verá que sempre significa “eternidade”. Modernamente, traduz-se como “mundo”. Mas aí surge a pergunta: o Criador amou o quê? O mundo físico? Essa estrutura material? Se considerarmos Olam como “eternidade”, isso remete, dentro da tradição judaica, à centelha divina presente em cada ser humano. A tradição judaica ensina que carregamos a centelha do Mashiach dentro de nós. Cada pessoa tem essa centelha divina.
Quando Yeshua vem, Ele não vem buscar estruturas; vem buscar essas centelhas divinas – homens e mulheres criados à Sua imagem. Ele amou essas centelhas e veio atrás delas. Isso muda completamente o contexto: Ele não amou o mundo físico, mas as pessoas que nele estão. Não se importa com tijolos, paredes ou árvores, mas com vidas. Isso nos remete à questão da eternidade: viemos de um lugar no Gan Eden, o Jardim do Éden, onde as almas permanecem. Cada alma que vem a este mundo traz um pedaço do seu Criador. Por isso, há esse amor tão grande de Yeshua pela nossa vida: fomos criados por Ele, e Ele vem buscar aquilo que é Dele.
G.: Você acredita que escritos judaicos antigos, como o Talmud, ajudam a compreender melhor o Novo Testamento ou isso diz respeito à Bíblia toda?
M.M.: Não só o Talmud. A Guemará, a Halachá e outros escritos judaicos também ajudam muito a entender a Brit Hadashá. Inclusive, o rabino Shaul faz várias citações que estão contidas nesses livros. Como rabino, ele pega uma parte e cita, querendo se referir ao todo, porque isso é uma forma rabínica de ensinar. E, como estava falando com judeus, isso era algo muito peculiar para ele.
Na congregação, por exemplo, quando estou ministrando, cito uma coisa querendo me referir a algo maior, e o pessoal que está acostumado com esse ritmo já sabe do que estou falando. Na época de Yeshua também se fazia isso. Esses escritos eram amplamente conhecidos, e eles tinham acesso a tudo isso. Era ensinado pelos rabinos, citando os sábios.
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Rabino Mário Moreno: “Nossas raízes são judaicas”. (Foto: Arquivo pessoal)
G.: Na sua opinião, quais os riscos de estudar a Bíblia sem o contexto judaico?
M.M.: Você tocou num ponto sério agora [risos]: heresias. É o que tem acontecido por aí. Temos visto várias coisas terríveis, e criam-se situações para tentar corroborar ou confirmar essas ideias. Vou te dar um exemplo: aqui está a Brit Hadashá que escrevi, com Primeira e Segunda Pedro, Primeira, Segunda e Terceira João e Judas. No livro de Judas, capítulo 1, verso 6, diz que os demônios caíram, foram arrancados da sua “habitação”. Em hebraico, a palavra é maon, que se refere ao quinto céu.
Veja bem: durante toda a minha vida, sempre ouvi dizer: “Ah, o diabo caiu do céu”. Certo, mas caiu de onde para onde? Nunca houve explicação. Então, as pessoas tentavam justificar: “Não, ele caiu na Terra, porque em Gênesis 1:2 diz que a Terra era sem forma e vazia”. Criou-se a teoria do caos baseada nisso.
Quando começamos a ter acesso às Escrituras e à tradição judaica, descobrimos que existem sete céus. Dentro desses sete céus, o quinto é maon. No terceiro céu, há o Jardim do Éden de um lado e o inferno do outro. Então, o que aconteceu? Satanás caiu do quinto para o terceiro. Isso explica o que ocorreu, porque a Bíblia diz que uma das coisas preparadas para o Diabo e seus anjos foi o inferno. Na tradição judaica, também se diz que o inferno foi criado no final do sexto dia.
G.: Essas informações parecem que são essenciais para compreensão de muita coisa...
M.M.: Sim, esse conjunto de informações começa a esclarecer muita coisa. Explica, por exemplo, por que o diabo age tanto hoje na música – porque o quinto céu é o local dos especialistas em louvor (não em música, já que a palavra “música” não existe na Bíblia).
Então, quando ele cai, vai para o lugar onde será julgado. Sem essa noção, nunca tivemos certeza sobre isso. Agora, abre-se um arcabouço teológico muito maior. Por exemplo, a parábola do rico e de Lázaro: isso não é apenas uma parábola, mas algo que Yeshua viu e contou.
Sendo o Criador, Ele vê todas as coisas, inclusive no inferno. Ele vê duas pessoas vivendo na Terra, cada uma com seu contexto – um muito rico e outro sem nada – e cada um vai para um lugar. Quando Ele fala sobre isso, está nos mostrando como é o mundo espiritual: do inferno se vê o Jardim do Éden, e do Éden se vê o inferno.
“Ah, rabino, mas como provar isso?” Hoje não podemos provar, porque estamos no mundo físico. Mas se Yeshua disse que é assim, não vou contestar.
G.: Essas revelações, vindas dos termos hebraicos, são muito interessantes...
M.M.: E há outra situação interessante: quando Yeshua está pregado na estaca de execução, na cruz, há dois homens ao lado. Um blasfema, e o outro diz: “Não fale isso, nós estamos aqui por causa dos nossos crimes”. Ele pede: “Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu reino”. Yeshua responde: “Hoje mesmo você estará comigo no Gan Eden”, porque a palavra “paraíso”, em hebraico, é Gan Eden.
Então, imagine: quando Yeshua morre e os dois homens também, o que pode ter acontecido? Isso não está escrito em lugar nenhum, é minha opinião: o homem que blasfemou foi levado por um demônio ao inferno, e o outro, que creu em Yeshua no último minuto, foi escoltado para o Paraíso. Quem o levou? Pelo texto, foi o próprio Yeshua, porque Ele disse: “Estarás comigo”.
G.: Olhando para toda a história do cristianismo – desde a Reforma Protestante até hoje – como você enxerga o afastamento entre o judaísmo e o cristianismo? De que forma esse distanciamento influenciou a maneira como os cristãos leem a Bíblia atualmente?
M.M.: Mas, olha, isso foi terrível, sabe? Na realidade, começou lá atrás, por volta do ano 100, quando algumas pessoas passaram a entrar nas congregações messiânicas e começaram a discordar: “Ah, não concordo com isso, não concordo com aquilo”. Então, formaram outros grupos e dividiram. Essas divisões deram origem à Igreja Protestante, que veio dali, e depois surgiu Constantino, que oficializou o cristianismo.
Inclusive, a palavra “cristão” está ligada a um erro de tradução. Ela vem do termo Mashiahim, que significa “messiânicos”. Ou seja, o cristianismo deveria ser o judaísmo messiânico. Mas, em vez de traduzirem, transliteraram para Christianoi, que virou “cristãos”.
E aí surge a pergunta: por que não traduziram? Porque essa palavra significa “ungidos”. No texto grego está essa palavra, mas, ao traduzir para o português, não traduziram. Criaram, assim, uma religião baseada em um erro de tradução. Isso aumentou o afastamento, porque os cristãos começaram a crer de uma forma e os judeus messiânicos, de outra. Surgiu um certo asco, aquela ideia: “Vocês não creem como nós”.
Quando o cristianismo foi institucionalizado por Constantino, essa distância ficou ainda maior, levando praticamente à morte do judaísmo messiânico, enquanto o cristianismo cresceu de forma acelerada.
G.: Rabino, quero te agradecer por esse tempo tão enriquecedor, cheio de ensinamentos que ampliaram nossa visão sobre a origem da Brit Hadashá, o Novo Testamento. Para encerrar, onde as pessoas podem encontrar seus livros e acompanhar seu trabalho?
M.M.: Por enquanto, o material está disponível diretamente comigo, via WhatsApp. Continuamos trabalhando para trazer à tona a realidade das Escrituras. Por exemplo, neste livro, desde a primeira até a última página, há muitas revelações e conteúdos interessantes. Essa que mencionei é uma das maiores, certamente uma das que causa mais impacto, mas há muito mais. Como disse, são 464 páginas – um trabalho que exige tempo e dedicação para estudar.
Estamos preparando, inclusive, um curso para que as pessoas entendam como interpretar as raízes judaicas. Criei uma metodologia específica, onde você parte da raiz e ela se subdivide. Estamos desenvolvendo todo o material para isso.
[Mas o acesso a estas obras] por enquanto, é só comigo. Estou à disposição para ajudar no que for possível, porque nosso objetivo é somar com a Igreja, sermos um. É aquilo que o rabino Shaul disse em Romanos 11: a Igreja foi enxertada em Israel e hoje somos um só povo, uma só família, buscando alcançar o objetivo maior, que é a vinda de Yeshua.
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