O plenário do Senado aprovou, nesta terça-feira (16), a proposta de Emenda Constitucional (PEC) referente às drogas (PEC 45/2023). De autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o texto foi aprovado em dois turnos.
No primeiro turno recebeu 53 votos a favor e 9 contrários. Logo após, foi acordado que o segundo turno ocorreria sem a necessidade de mais três sessões deliberativas. No segundo turno, o placar foi de 52 a 9.
Painel eletrônico exibe resultado da votação. (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)
Agora, a proposta de emenda constitucional será encaminhada para apreciação da Câmara dos Deputados.
O texto aprovado pelos senadores inclui no artigo 5º da Constituição Federal a determinação de que é crime a posse ou porte de qualquer quantidade de droga ou substância entorpecente “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.
“A proposta de emenda à Constituição prevê a criminalização do porte e posse de substância ilícita entorpecente (que são aquelas ditas pela administração pública como tais) e faz a ressalva da impossibilidade da privação da liberdade do porte para uso; ou seja, o usuário não será, jamais, penalizado com o encarceramento, não há essa hipótese. O usuário não pode ser criminalizado por ser dependente químico; a criminalização está no porte de uma substância, tida como ilícita, que é absolutamente nociva por sua própria existência”, declarou Pacheco, que também é o presidente do Senado.
De acordo com acréscimo do relator, o senador Efraim Filho (União-PB), o texto aprovado também obriga que seja observada a distinção entre traficante e usuário “por todas as circunstâncias fáticas do caso concreto, [sendo] aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência”, em consonância com a Lei de Entorpecentes (Lei 11.343, de 2006).
Relator da PEC 45/2023, senador Efraim Filho (União-PB), concede entrevista coletiva. (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)
Conforme destacado pelo relator, as drogas impactam a saúde pública, ao promoverem o aumento do consumo e da dependência química, e a segurança pública, ao fortalecerem o tráfico e financiarem organizações criminosas.
“É o Senado e o Parlamento reforçando suas prerrogativas em um tema que impacta a vida da família, da sociedade e da nação brasileira. A sociedade brasileira não quer a descriminalização”, disse Efraim, em entrevista coletiva logo após a aprovação da PEC, em que comemorou a aprovação com maioria "ampla e sólida".
Lei de entorpecentes no Brasil
O projeto que deu origem à Lei de Entorpecentes é de 2002, quando foi proposto pelo Senado. Após passar por todas as etapas legislativas, foi finalmente aprovado em 2006 e sancionado em agosto do mesmo ano, durante o primeiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva.
Em seu artigo 28 — cuja constitucionalidade está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) —, a lei determina que adquirir, guardar, ter em depósito, transportar, carregar, semear, cultivar ou colher drogas para consumo pessoal sujeita a pessoa a penas de advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
O mesmo artigo estipula que, para decidir se a droga é destinada ao consumo pessoal, o juiz “atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. Além disso, a lei diz que o juiz tem que determinar ao poder público “que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado”.
Sessões de discussão
A matéria passou por cinco sessões de discussão, conforme previsto pela Constituição. A primeira sessão ocorreu em 19 de março, seguida pela segunda no dia seguinte. A terceira sessão foi em 26 de março, e a quarta aconteceu em 9 de abril. Finalmente, a quinta sessão antecedeu a votação desta terça-feira, 16 de abril.
Entre os senadores que discursaram favoráveis à aprovação da PEC sobre drogas estavam Magno Malta (PL-ES), Alessandro Vieira (MDB-SE) e Damares Alves (Republicanos-DF). Eles defenderam que é o Congresso Nacional que deve traçar políticas públicas sobre drogas, não o STF.
Senadora Damares Alves (Republicanos-DF) em pronunciamento à bancada. (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)
Outro argumento apresentado foi o de que a descriminalização da maconha em outros países resultou no aumento do tráfico e do consumo da droga, especialmente entre menores de 18 anos, além de intensificar problemas de saúde mental.
Defensores da proposta destacaram que pesquisas indicam uma forte oposição da maioria da população brasileira à descriminalização das drogas, devido aos impactos negativos na saúde pública e na segurança.
“A realidade é que esse tipo de interferência indevida, equivocada, um ativismo judiciário absolutamente inócuo vai ter a consequência de um prejuízo grave para a sociedade. Não há nenhuma demonstração prática de que essa decisão do Supremo, sem uma resposta do Congresso, vá gerar qualquer tipo de benefício: não vai melhorar para a saúde pública, porque todos os indicadores dos países que foram nesse sentido são de aumento da dependência, aumento do consumo; não vai melhorar a parte econômica, porque as outras etapas do processo não estão legalizadas”, disse Alessandro Vieira.
Maioria dos senadores que discursaram pela rejeição da PEC 45/2023 são de partidos de esquerda. Eles defenderam que o STF não legisla, mas tem que se posicionar quando provocado e tem que interpretar as leis de acordo com a Constituição.
Toda proposta de emenda à Constituição passa por dois turnos de discussão e votação em cada Casa do Congresso. Para ser aprovada, requer ao menos três quintos dos votos dos deputados (308 votos) e dos senadores (49 votos) em cada turno. Se aprovada, a PEC é promulgada pelo Congresso e seu texto é incorporado à Constituição Federal de 1988.
Traficante ou usuário
O texto aprovado nesta terça-feira não modifica a Lei de Entorpecentes, que já estabelece a distinção entre traficantes e usuários. Foi essa mesma lei que aboliu a pena de prisão para os usuários no Brasil.
“A lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, observada a distinção entre traficante e usuário por todas as circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência”, diz o texto aprovado pelos senadores.
Assim, a PEC pretende deixar claro na Constituição que é crime a posse ou o porte de qualquer quantidade de drogas — como maconha, cocaína, LSD, crack, k9 e ecstasy — mantendo a cargo da Justiça definir, de acordo com o conjunto de provas, se quem for flagrado com droga responderá por tráfico ou será enquadrado somente como usuário.
Caso seja comprovado que alguém tinha em sua posse uma substância ilícita exclusivamente para uso pessoal, essa pessoa será sujeita a uma pena alternativa à prisão e encaminhada para tratamento contra a dependência química.
Na justificativa da PEC 45/2023, Rodrigo Pacheco explica que a Lei de Entorpecentes prevê a prática de tráfico de drogas, com pena agravada, e a de porte para consumo pessoal, com penas que não permitem o encarceramento.
“O motivo desta dupla criminalização é que não há tráfico de drogas se não há interessado em adquiri-las. Com efeito, o traficante de drogas aufere renda — e a utiliza para adquirir armamento e ampliar seu poder dentro de seu território — somente por meio da comercialização do produto, ou seja, por meio da venda a um usuário final. Entendemos que a modificação proposta está em compasso com o tratamento multidisciplinar e interinstitucional necessário para que enfrentemos o abuso de entorpecentes e drogas afins, tema atualmente tão importante para a sociedade brasileira. Além disso, a legislação infraconstitucional está em constante revisão e reforma, tendo em conta as circunstâncias sociais e políticas vigentes”, argumenta Pacheco.
Julgamento no STF
A PEC 45/2023 foi apresentada pelo senador Rodrigo Pacheco após o reinício, em agosto de 2023, do julgamento pelo STF de uma ação sobre o porte de drogas para uso pessoal, que começou em 2015.
Naquele ano, os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram pela não criminalização do porte de maconha. Com pedido de vista do então ministro Teori Zavascki, o julgamento foi suspenso e assim ficou por cerca de sete anos.
Em agosto de 2023, o ministro Alexandre de Moraes também votou pela não criminalização do porte de maconha. A ministra Rosa Weber, então presidente da Corte, votou no mesmo sentido.
Votaram contrários à descriminalização da maconha os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça, mantendo a validade do artigo 28 da lei.
Até o momento do julgamento no STF, a maioria dos votos propõe critérios de quantidade para a diferenciação entre usuário e traficante. O placar está em 5 votos pela não criminalização do porte apenas da maconha para consumo próprio e para declarar inconstitucional o artigo 28. Os três votos divergentes consideram válida a regra da Lei de Entorpecentes.
Não há data definida para a retomada do julgamento no STF. Para os senadores favoráveis à PEC, o julgamento do Supremo pode acabar descriminalizando as drogas no país ao estipular quantidades para diferenciar traficantes de usuários.
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