Quando um filho não sobrevive aos pais

Quando um filho não sobrevive aos pais

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:27

Jaime Kemp

"Ouço muitas pessoas dizerem que não sabem como aguentamos. Mas nós conhecemos muito bem o quanto Deus age na vida de uma pessoa e sempre sentimos isso. Nosso médico é um grande e velho amigo da família. Naquela manhã, antes de nossa filha entrar na sala de cirurgia, ele nos alertou: 'Pode ser grave' - porém, lá no fundo do coração, nós não acreditamos. Isso não aconteceria com nossa filha, não aconteceria conosco. Então oramos. Como qualquer pai e mãe, pedimos fervorosamente que não fosse verdade. E a notícia nos pegou despreparados: 'Talvez dois ou três meses' - foi o que ele nos disse. Daquele momento em diante, entramos num turbilhão de sentimentos contraditórios. Por que aquilo estava acontecendo? Por que Deus agia assim conosco? Por que ele não realizava um milagre e curava nossa filha? O aparente silêncio de Deus parecia ampliado em nossa angústia. De repente ela se foi e o vazio tomou conta dos nossos corações. Quanto tempo se leva para a gente entender isso? Nossa expectativa sempre foi que nossa filha sobrevivesse a nós. Diariamente, acordávamos e deitávamos ainda achando impossível acreditar que o que tínhamos de mais precioso nos fora levado. Um indescritível pesar rasgava nossa alma; sentíamos solidão, raiva, ressentimento, desespero e finalmente uma estranha letargia. A vida perdeu toda cor e propósito. A esperança foi substituída pela tristeza. A realidade do senso de perda se instalou e começamos a viver de recordações, que só nos deixavam mais entristecidos e amargurados.

Quando paramos de nos debater diante da dor e derramamos todo o nosso sofrimento nas mãos de Deus, aos poucos encontramos a paz que tanto precisávamos. Reunimos forças para sair do nosso isolamento e passamos a não fugir de familiares e amigos queridos, que dispostos a nos amparar em nossa aflição, choravam e oravam conosco, ouviam nossas lamentações e compartilhavam nossas lembranças. Mergulhamos na leitura e meditação da Palavra, na oração e reencontramos coragem, mesmo que um fiapo no início, para reiniciar a luta pela esperança. Lemos muitas passagens na Bíblia que nos deram forças, como Isaías 33.3, que representou um sussurrar constante

O tempo passou, e ele não eliminou o amor que sentimos por ela, não diminuiu nossa saudade nem apagou as nossas recordações, mas permitiu que a esperança ressurgisse com novos objetivos e que, vagarosamente, algumas cores alegres retornassem à nossa vida. Nossa filha sempre será insubstituível, assim como a ajuda significativa dos nossos parentes e amigos que, com paciência, permitiram que partilhássemos com eles nossos sentimentos e nos encorajaram a enfrentá-los, quer fossem racionais ou não. Mas ressalto, acima de tudo, a consolação que Deus nos dá quando enfrentamos os momentos mais escuros da nossa existência".

Em sua obra, "Pássaros errantes", Tagore disse: "A morte pertence à vida, como o nascimento. O caminhar tanto está em levantar o pé, como em pousá-lo no chão".  O depoimento que narrei acima, apesar de fictício, talvez vá de encontro a muitos corações que choram a inexplicável morte de um filho e gritam por uma resposta à pergunta: Por que isso aconteceu? Por mais profunda e cruel que seja a nossa dor, precisamos lembrar que Deus tem um plano e que seu desenrolar atravessa nossas adversidades. Contudo, é certo que ele permanecerá ao nosso lado, passo a passo, em todas as dificuldades que tenhamos de enfrentar. Ele sempre estará conosco na fornalha da provação. O seu poder se manifesta na direção de todos os detalhes do nosso sofrimento, para que eles resultem em bênção para nós e glória para ele, mesmo que, inicialmente, isso pareça impossível, descabido e até ofensivo. Quando entendemos que tudo faz parte de um plano perfeito, quando descansamos na verdade que ele nos acompanha no nosso sofrimento e quando temos fé em seu poder para trabalhar as tragédias em nosso benefício, poderemos passar pela experiência da dor sem ressentimentos em relação a Deus ou àqueles que nos ferem.

Quando o Senhor parece estar em silêncio, nós, mesmo que dobrados pela dor, precisamos crer que ele está ativo e envolvido em nossa vida. Na realidade, o momento em que Deus permanece mais próximo de nós é quando enfrentamos a dor mais intensa.

O apóstolo Pedro nos deixou alguns ensinamentos valiosos em 1 Pedro 5.6-7 a respeito do sofrimento: (1) "Humilhem-se debaixo da poderosa mão de Deus..." Ele sabia que não há paz fora da vontade de Deus. Quanto mais nos afastamos dele, mais o sofrimento nos desespera. Quando nos humilhamos, somos levados ao ponto em que temos de confiar em Deus quanto a inevitáveis dores e pressões da vida e aguardar que ele trabalhe em nosso coração e nas circunstâncias. Obediência ao Senhor, então, é um componente-chave. (2) "... para que ele os exalte no tempo devido." Deus é soberano. Não deveríamos demorar tanto para compreender que não adianta tentar resolver as coisas ao nosso tempo e do nosso modo. (3) "Lancem sobre ele toda a sua ansiedade, porque ele tem cuidado de vocês." Aqui, o verbo lançar deve ser entendido literalmente. Significa jogar em cima do Senhor todas as causas do nosso sofrimento e estresse, ou seja, nossas dores, tristezas, decepções, medos, desesperanças, preocupações e ansiedades. Essa entrega mostra que damos a Deus acesso a áreas de nossa vida sobre as quais possuímos pouco ou nenhum controle.

Deus cuida de nós e não deseja que fiquemos à mercê do sofrimento. "... E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o coração e a mente de vocês, em Cristo Jesus." (Filipenses 4.7) Se você foi surpreendido pelo temporal da perda de um ente amado, creia que Deus, o Bom Pastor, está caminhando ao seu lado, colocando à sua disposição seu infinito abrigo e amparo. Lembre-se de tudo o que ele já lhe concedeu no passado e de que ele é um Deus de impossíveis. Portanto, confie, apesar de no momento isso parecer absurdo, que o futuro trará novas bênçãos.

Jaime Kemp é doutor em ministério familiar e diretor do Lar Cristão. Foi missionário da Sepal por 31 anos e fundador dos Vencedores Por Cristo. É palestrante e autor de 50 títulos. Casado com Judith é pai de 3 filhas e avô de 2 netos.

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